Autarquia deve concluir processo de identificação e delimitação da Comunidade de São Sebastião de Boassara no prazo de 180 dias
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) aceitou, em 19 de setembro, pedido do Ministério Público Federal para manter a decisão que determina a conclusão, no prazo de 180 dias, do processo de identificação e delimitação da Comunidade de São Sebastião de Boassara, situada em Patos de Minas (MG). A titulação do quilombo tramita no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) desde 2014. Desde então, as terras reivindicadas pela comunidade foram alvo de acirrados conflitos agrários.
Inicialmente, a Subseção Judiciária de Patos de Minas havia indeferido o pedido de tutela antecipada do MPF, que recorreu. No TRF1, o desembargador Souza Prudente entendeu que houve mora na regularização fundiária e deferiu o pedido do MPF. A União, no entanto, apresentou agravo interno, agora negado pela 5ª Turma do Tribunal. Além do prazo para a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território quilombola, está prevista multa no valor de mil reais por dia de atraso no cumprimento da ordem.
Para Souza Prudente, “o requerimento de regularização fundiária remonta há mais de 2 anos, sem que sequer tenha sido concluído do aludido relatório, que consiste em uma das primeiras fases do respectivo procedimento administrativo, e sem qualquer perspectiva quanto à sua conclusão, o que não se admite, em casos que tais, em manifesta violação aos princípios da eficiência, da moralidade e da razoável duração do processo”.
Segundo o procurador regional da República Silvio Amorim, durante o procedimento de regularização fundiária da Comunidade de São Sebastião, não houve avanços por parte do Incra, que sequer comprovou ter iniciado os estudos requeridos para a elaboração do RTID.
“A mora da Autarquia é injustificada e traz graves consequências aos quilombolas, já que a ausência de regularização fundiária, além da forte situação de conflito na localidade, coloca em risco a existência da comunidade, com a possibilidade de dispersão de seus membros e, consequentemente, perda da memória de seus usos e costumes”, argumentou o procurador em parecer ao TRF1.
Histórico – A Comunidade de São Sebastião habitou terras situadas no distrito de Boassara, em Patos de Minas. A certidão de auto-reconhecimento foi emitida pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em 2014 e, em seguida, foi instaurado no Incra o processo visando à titulação do território. Em novembro de 2014, os integrantes da comunidade foram expulsos do local após ordem judicial proferida em Ação Reintegratória de Posse. Contudo, tal ação, que tramitava perante a Justiça Estadual, foi posteriormente declinada para a Justiça Federal.
Nesse período, os conflitos pela posse do território acirraram-se. Além das pessoas que supostamente detêm a titularidade das terras, membros do Movimento dos Sem Terra (MST) também chegaram ao local e passaram a disputá-las.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DE TERRAS OCUPADAS POR COMUNIDADES QUILOMBOLAS. DEMORA NA CONCLUSÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA, MORALIDADE E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO. RESPONSABILIDADE DO PODER PÚBLICO. CONTROLE JURISDICIONAL. LEGALIDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. PRELIMINAR REJEITADA. I – Não obstante as eventuais dificuldades de ordem operacional, por parte da Administração, possam inviabilizar a elaboração, a tempo e modo, do Relatório Técnico de Identificação e Demarcação – RTID da área de remanescentes de quilombolas descrita nos autos, na hipótese em comento, o requerimento de regularização fundiária remonta há mais de 2 (dois) anos, sem que sequer tenha sido concluído o aludido Relatório, que consiste numa das primeiras fases do respectivo procedimento administrativo, e sem qualquer perspectiva quanto à sua conclusão, o que não se admite, em casos que tais, em manifesta violação aos princípios da eficiência, da moralidade e da razoável duração do processo, impondo-se, na espécie, a intervenção do Poder Judiciário Republicano, para assegurar o direito à demarcação das terras que ocupam, que se encontram constitucionalmente tuteladas (CF, arts. 5º, XXXV e LXXVIII e 37, caput, da Constituição Federal e art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, regulamentado pelo Decreto nº 4.887/2003, na determinação de que “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. II – Agravo de instrumento provido, para deferir a antecipação dos efeitos da tutela, determinando que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, a contar da ciência desta decisão, elabore e conclua o “Relatório Técnico de Identificação e Delimitação – RTID, relativo à comunidade remanescente de quilombo São Sebastião, inclusive com os estudos antropológicos necessários à identificação do grupo”, com a respectiva publicação na imprensa oficial. Agravo interno prejudicado.
AI nº 0042541-24.2016.4.01.0000