Recuperandas poderão apresentar novo plano.
A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em sessão realizada nesta quarta-feira (22), anulou plano de recuperação judicial do Grupo Rodrimar. Foi facultado às recuperandas apresentação de novo plano, desde que em consolidação substancial com as sociedades Master, GRCMAC e LAC WorldWide do Brasil. O colegiado, por maioria de votos, determinou também que prossiga a apuração em primeira instância de possíveis crimes falimentares.
Consta nos autos que os autores do recurso são titulares de 98% do crédito quirografário e de 70% dos créditos totais envolvidos na recuperação. Em Assembleia Geral votaram contra o plano de recuperação judicial apresentado, mas decisão de 1º grau homologou o plano, flexibilizando os requisitos para homologação por quórum alternativo (“cram down”) e declarando abusos os votos dos agravantes.
O relator designado do agravo de instrumento, desembargador Cesar Ciampolini, considerou que não houve má-fé ou ilegalidade no voto dos agravantes, bem como os requisitos para o cram down (quando o juiz concede a recuperação judicial mesmo havendo recusa de credores com potencial para rejeitá-lo) não foram alcançados. “Não é exagero dizer que, no caso em julgamento, suprimir o voto dos agravantes seria suprimir a própria recuperação judicial, pois 70% da crise das devedoras é causada apenas pelo débito para com eles”, afirmou.
De acordo com o magistrado estão presentes os requisitos para a consolidação substancial obrigatória de ativos e passivos das recuperandas com as sociedades Master, GRCMAC e LAC Worldwide do Brasil, já que ficou comprovado que “há identidade parcial de quadro societário, relação de controle confessada, confusão patrimonial injustificada e, mais grave, a migração de atividades das recuperandas para as terceiras”. Por exemplo, a GRCMAC está sediada no mesmo endereço do Grupo Rodrimar e participou de licitação para atividade que, não muito tempo atrás, era desempenhada pelas recuperandas, e no caso da Master “há confusão patrimonial entre sociedades do mesmo grupo: uma exerce atividade empresarial, no caso, a Master, mas outra aufere os lucros dela advindos, no caso as recuperandas, em detrimento de credores”.
O recurso ficou assim ementado:
Recuperação judicial. Decisão que homologou plano, flexibilizados os requisitos para homologação por quórum alternativo(“cram down”), e não conheceu pedido para consolidação substancial, por inadequação de via eleita. Agravo de instrumento de credores, alegadas ausência de abusividade em seu voto e ilegalidade na flexibilização realizada, além de estarem presentes os requisitos para consolidação substancial obrigatória.
Licitude do voto dos agravantes, que não são acionistas (portanto, não havia impedimento),excluídos que foram das sociedades por decisão no ponto transitada em julgado, pendente recurso perante o Superior Tribunal de Justiça que tão só pode, se acolhido, importar em tênue alteração no quanto dos haveres que têm a receber.
Abuso de direito de voto, antes das alterações promovidas pela Lei 14.112/2020 na Lei 11.101/2005, balizados pelos conceitos abertos do art. 187 do Código Civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Hipótese em que os agravantes não tiveram seus pleitos acolhidos em assembleia. Insurgência contra cláusula ilegal, que previa a possibilidade de alienação de ativos sem necessidade de autorização judicial. Violação aos arts. 60 e 66 da Lei 11.101/05. A supressão de cláusula ilegal não importa concessão a credor, até por ser poder-dever do Magistrado afastá-la “ex officio” em controle de legalidade. Enunciado 44 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho de Justiça Federal. Precedentes.
Insurgência dos credores contra modificação de versão anterior do plano que agravou a situação da classe em que inseridos. Plano que previa destinação de parte do produto de venda de bens para pagamentos dos credores. Objeção dos agravantes, pleiteada a destinação integral para tanto. Aditivo que passou a prever, ao contrário, destinação integral para o giro das recuperadas. Recuperadas, em assembleia, que apenas voltaram o plano à disposição originária (destinação parcial).
Impossibilidade de flexibilização do quórum alternativo para homologação de plano de recuperação judicial, previsto no § 1º do art. 58 da Lei 11.101/2005. As hipóteses de flexibilização apoiam-se no fato de o credor que rejeita o plano ser maioria na classe, o que impossibilita o atingimento do quórum necessário previsto no inciso III do dispositivo (“na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3(um terço) dos credores, computados na forma dos§§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.”), mas minoria em relação ao passivo total sujeito à recuperação judicial. Doutrina e jurisprudência
Hipótese em que os agravantes são titulares de 98% do crédito quirografário e de 70% dos créditos totais. Impossível, assim, suprimir seu voto validamente manifestado em assembleia.
Hipótese dos autos em que a consolidação substancial, em tese, se justifica, dada a ausência de autonomia jurídica das devedoras, a demonstração de confusão patrimonial e a existência de movimentação de recursos entre as empresas. Identificada “disfunção societária na condução dos negócios das sociedades grupadas, normalmente identificada em período anterior ao pedido de recuperação judicial.”(SHEILACEREZETTI).
Falência que não se decreta por haver pedido dos agravantes de apresentação de novo plano de recuperação judicial, em consolidação substancial entre as recuperandas e terceiras, bem assim em atenção ao princípio da preservação da empresa e à vontade dos credores que votaram favoravelmente à recuperação. Facultada, assim, a apresentação pelas devedoras, de novo plano, desde que em consolidação substancial.
Questão levantada pela Procuradoria Geral de Justiça em sessão de julgamento acerca do escoamento do prazo do Enunciado I do Grupo de Câmaras Empresariais deste Tribunal. Questão rejeitada, posto que o prazo ainda não se escoou por inteiro.
Decisão agravada reformada. Agravo de instrumento provido, com determinação de apuração em primeira instância de crimes falimentares em tese.
O julgamento teve a participação dos desembargadores J. B. Franco de Godoi, Alexandre Lazzarini, Azuma Nishi e Fortes Barbosa.
Agravo de Instrumento nº 2059599-98.2021.8.26.0000