A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento, por unanimidade, ao recurso especial no qual se disputavam direitos autorais das obras do escultor ítalo-brasileiro Victor Brecheret, falecido em 1955. O autor da demanda pedia indenização a sua irmã por apropriação de direitos autorais, bem como por danos materiais e morais, alegando prejuízos decorrentes da administração do acervo artístico deixado pelo genitor.
O autor alegou, na petição inicial, que a reprodução e a venda de certas obras comuns teriam de ser autorizadas por ambos os herdeiros, o que não era atendido pela irmã, que se apresentaria publicamente como única herdeira e detentora dos direitos autorais. Segundo o filho do artista, a coerdeira teria encaminhado notificações com essa informação a vários museus com o intuito de impedir projetos e direitos do irmão.
Os pedidos de indenização patrimonial e moral por apropriação de direitos autorais foram julgados improcedentes nas instâncias de origem, conclusão mantida pela Terceira Turma.
Segundo o relator do recurso especial, ministro Villas Bôas Cueva, com o falecimento do artista, o exercício dos direitos autorais inerentes à obra cabe aos herdeiros, o que “não é uma carta em branco para a dilapidação do patrimônio ou o uso indevido das obras pelos sucessores”. Ele lembrou, ainda, que herdeiro algum pode limitar o direito do outro, porém, no caso analisado, “não há provas concretas a respeito das irregularidades imputadas aos réus e dos danos alegados pelo autor”.
Importância artística
Em seu voto, o ministro retomou as considerações do acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que afirmou que entre os sucessores “não há verdadeira preocupação com as obras do artista Brecheret, e sim uma disputa de caráter pessoal entre os herdeiros”. Para ele, a desavença foi potencializada por não ter sido feito o inventário dos direitos autorais nem das esculturas herdadas, que seria o meio adequado para regulação e partilha da herança.
O relator apontou que não existem indícios de que tenha ocorrido violação de direitos ou prejuízos entre os herdeiros e negou provimento ao recurso especial.
Salientou que “o homem médio, ao contemplar as esculturas de Brecheret, situadas permanentemente em logradouros públicos, como o monumento ao Duque de Caxias ou o extraordinário Monumento às Bandeiras, no Parque Ibirapuera, em São Paulo”, por certo não imaginaria “a miudeza de uma disputa entre irmãos-herdeiros sobre obras de um ícone da Semana de Arte Moderna de 1922”. Tal circunstância, para o relator, seria desproporcional diante da magnitude da obra do criador intelectual, artista engajado e preocupado com o próprio destino das artes no Brasil.
Domínio público
O ministro Villas Bôas Cueva registrou que o direito de representação de obras expostas em locais públicos está assegurado a todos pelo artigo 48 da Lei 9.610/1998, que dispõe sobre direitos autorais. Uma das esculturas mais importantes de Brecheret é o Monumento às Bandeiras, localizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo.
Em seu voto, o relator afirmou que a transmissão de direitos autorais pode se explicitar tanto no âmbito patrimonial, cujo regramento está no direito de propriedade, como no aspecto moral, que assegura a dignidade do artista visando proteger os seus direitos de personalidade.
Por fim, recordou a limitação temporal do artigo 41 da Lei dos Direitos Autorais, que estabelece o prazo de 70 anos, contados do dia 1º de janeiro do ano seguinte à morte do autor, para a obra cair em domínio público. Desse modo, considerando que Victor Brecheret faleceu em 17 de dezembro de 1955, toda sua obra cairá em domínio público a partir de 2026.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. PATRIMÔNIO MATERIAL E IMATERIAL. CRIAÇÃO DO ESPÍRITO HUMANO. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL. ARTISTA FAMOSO. SUCESSÃO CAUSA MORTIS. INTENSA BELIGERÂNCIA. REPRODUÇÃO DE OBRAS. AUTORIZAÇÃO. AUSÊNCIA. ATOS ILÍCITOS. INEXISTÊNCIA DE PROVA. SÚMULA Nº 7⁄STJ. INVENTÁRIO. INDISPENSABILIDADE. ARTIGOS 41 E 48 DA LEI Nº 9.610⁄1998.1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3⁄STJ).2. A proteção do patrimônio material e imaterial das criações do espírito humano tem previsão constitucional (art. 5º, incisos XXVII e XXVIII) e infraconstitucional (Lei nº 9.610⁄1988).3. Os herdeiros têm legitimidade para a defesa, em prol do artista,de sua memória, imagem pública e obra, seu maior patrimônio.4. A alta beligerância entre os filhos do falecido artista, irmãos bilaterais, tem protelado por décadas a indispensável abertura de inventário.5. O Tribunal local concluiu que o presente imbróglio interessava a ambas as partes, prejudicando o acervo artístico objeto da sucessão causa mortis.6. Rever as conclusões da Corte local quanto à inexistência dos supostos atos prejudiciais de disposição das obras e eventual desvirtuamento ou irregularidades demandaria o reexame de matéria fático-probatória, cuja análise é obstada nos termos da Súmula nº 7⁄STJ.7. No Brasil, o fomento cultural deve ser incentivado, não sendo razoável conferir-se indefinidamente o privilégio de herdeiros viverem em função da exploração patrimonial de obra artística de familiar, um dos motivos da previsão legal no sistema do denominado domínio público.8. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos para o deleite e fruição do público em geral podem ser representadas livremente por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.9. Recurso especial não provido.
Leia o acórdão.