Terceira Turma confirma que doação inoficiosa é verificada no momento da liberalidade

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou que é na data da liberalidade que se determina se a doação realizada avançou sobre o patrimônio correspondente à legítima dos herdeiros necessários – o que a tornaria nula.

Para o colegiado, o excesso caracterizador da doação inoficiosa – que ultrapassa a metade do patrimônio do doador, incidindo na parte dos herdeiros necessários – não pode ser considerado no momento da morte do doador e da abertura da sucessão, conforme precedentes da corte.

Na origem do caso, os herdeiros do falecido ajuizaram ação de nulidade de doação de imóvel contra a donatária. O juiz considerou a ação procedente e decretou a nulidade integral da doação, sob o fundamento de que o falecido, ao dispor de seu patrimônio, não observou o valor que deveria ser reservado aos herdeiros necessários.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu parcial provimento ao recurso da donatária para limitar a nulidade à parte que teria excedido a porção disponível do patrimônio.

Ao interpor recurso especial, a beneficiária da doação sustentou que, seja ao tempo da liberalidade, seja ao tempo do falecimento, o bem doado pelo falecido era muito inferior aos ativos financeiros que ele possuía no exterior, os quais seriam capazes de garantir a legítima dos herdeiros.

É irrelevante se os outros bens foram revertidos em favor dos herdeiros

A relatora no STJ, ministra Nancy Andrighi, destacou que o tema deve ser analisado conforme o disposto no artigo 549 do Código Civil (CC), ressaltando que há entendimento consolidado da corte no sentido de que o excesso caracterizador desse tipo de doação deve ser considerado no momento da liberalidade, e não no momento do falecimento do doador.

A ministra apontou, como fatos incontroversos no processo, que a doação ocorreu na época em que o falecido possuía mais de 2 milhões de dólares em ativos financeiros no exterior, e que o imóvel em discussão não valia mais do que 50% de tais ativos.

A relatora ressaltou que “é irrelevante saber se os demais bens existentes ao tempo do ato de liberalidade foram, ou não, efetivamente revertidos em favor dos herdeiros necessários após o falecimento do doador ou se os referidos bens compuseram, ou não, o acervo hereditário”.

Para Nancy Andrighi, o destino dos demais bens nada tem a ver com a controvérsia sobre a doação. “Importa, no contexto em exame, apenas definir se em 2004, ano da doação, o bem imóvel doado à recorrente era representativo de mais de 50% do patrimônio total do doador – e isso, conforme se viu, não ocorreu”, concluiu a ministra.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. NULIDADE DE DOAÇÃO. MOMENTO DA AFERIÇÃO DO AVANÇO SOBRE A LEGÍTIMA. DATA DA LIBERALIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 549 DO CC⁄2002. EXISTÊNCIA DE BENS NA DATA DO FALECIMENTO DO DOADOR, REVERSÃO DOS BENS EXISTENTES AOS HERDEIROS E INCLUSÃO DOS BENS NO ACERVO HEREDITÁRIO. IRRELEVÂNCIA.
1- Ação distribuída em 31⁄03⁄2008. Recurso especial interposto em 03⁄08⁄2021 e atribuído à Relatora em 21⁄07⁄2022.
2- O propósito recursal consiste em definir se é a data da liberalidade ou a data do falecimento do doador que determina se a doação por ele realizada avançou sobre a legítima dos herdeiros necessários e se, na hipótese, a doação realizada é nula.
3- Na esteira da sólida jurisprudência desta Corte, firmada tanto sob a ótica do art. 1.176 do CC⁄1916, quanto também sob a égide do art. 549 do CC⁄2002, o excesso caracterizador da doação inoficiosa deve ser considerado no momento da liberalidade e não no momento do falecimento do doador e da abertura da sucessão. Precedentes.
4- No contexto do exame da doação inoficiosa, é irrelevante saber se os demais bens existentes ao tempo do ato de liberalidade foram, ou não, efetivamente revertidos em favor dos herdeiros necessários após o falecimento do doador ou se os referidos bens compuseram, ou não, o acervo hereditário.
5- Hipótese em que são absolutamente incontroversos os fatos: (i) de que a doação do imóvel ocorreu no ano de 2004; (ii) de que, entre os anos de 2003 e 2005, o doador possuía ativos financeiros no exterior em quantia superior a US$ 2.000.000,00 (dois milhões de dólares); (iii) de que o doador veio a falecer apenas no ano de 2007; (iv) de que o imóvel doado à parte não possuía valor superior a 50% dos ativos financeiros existentes ao tempo da doação.
6- Recurso especial conhecido e provido, para julgar improcedente o pedido de nulidade da doação, invertendo-se a sucumbência fixada na sentença.
 

Leia o acórdão no REsp 2.026.288.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 2026288

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar