A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que é possível a abertura da sucessão definitiva prevista no artigo 38 do Código Civil independentemente de prévia sucessão provisória. Para o colegiado, apenas a hipótese do artigo 37 do CC exige a sucessão provisória para a abertura da definitiva.
Com esse entendimento, por unanimidade, a turma deu provimento ao recurso especial em que a recorrente pleiteava diretamente a abertura de sucessão definitiva de seu irmão, pois ele estava desaparecido havia 20 anos e, se estivesse vivo, teria 80 anos – cumpridos, portanto, os requisitos do artigo 38 do CC para a sucessão definitiva.
Segundo os autos, a recorrente (única herdeira do irmão) ajuizou pedido de declaração de ausência e abertura de sucessão porque ele, nascido em 1940, estava desaparecido desde o ano 2000. O pedido foi concedido e, com a declaração de ausência, ela foi nomeada curadora, motivo pelo qual requereu a abertura de sucessão definitiva.
Artigo 38 do Código Civil é hipótese autônoma de sucessão definitiva
O juiz negou o requerimento por entender que seria imprescindível a abertura de sucessão provisória. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a decisão, sob o fundamento de que, mesmo preenchidos os requisitos do artigo 38 do CC, tal norma não dispensa a abertura de sucessão provisória, mas apenas autoriza a conversão desta em definitiva em período menor que os dez anos previstos no artigo 37.
Relatora do recurso no STJ, a ministra Nancy Andrighi observou que, embora a tese adotada pelo TJSP tenha respaldo na doutrina, essa não é a melhor interpretação dos dispositivos legais que regem a matéria, pois a regra do artigo 38 “é hipótese autônoma de abertura da sucessão definitiva, de forma direta e independentemente da existência, ou não, de sucessão provisória”.
Exigência desarrazoada de sucessão provisória
A magistrada afirmou não ser razoável a exigência de abertura de sucessão provisória quando “é absolutamente presumível a morte do autor da herança”, diante da presença das circunstâncias exigidas pelo Código Civil – 80 anos ao tempo do requerimento e desaparecimento ocorrido há pelo menos cinco anos.
“Não se afigura razoável, com o máximo respeito, o entendimento de que o herdeiro de um octogenário desaparecido há mais de cinco anos precise, obrigatoriamente, passar pela fase da abertura de sucessão provisória, com todos seus expressivos prazos contados em anos”, destacou a ministra.
Interesses do sucedido continuam preservados por dez anos
Nancy Andrighi observou que o artigo 745, parágrafos 2º e 3º, do Código de Processo Civil – também citado como fundamento pelo TJSP – não induz à conclusão de que a sucessão provisória seria sempre obrigatória, mas “somente disciplina, do ponto de vista procedimental, como se dará a conversão da sucessão provisória em definitiva quando aquela se configurar pressuposto lógico desta (artigo 37 do CC)”.
Ao determinar o prosseguimento da sucessão definitiva pleiteada, a relatora lembrou que, embora essa modalidade transmita a propriedade dos bens aos herdeiros, os virtuais interesses de quem teve a morte presumida estarão preservados por mais dez anos, como dispõe o artigo 39 do CC.
“Havendo um improvável regresso, extinguir-se-á a propriedade pela condição resolutória consubstanciada no retorno do ausente”, finalizou a magistrada.
O recurso ficou assim ementado:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA. ABERTURA DE SUCESSÃO PROVISÓRIA OU DEFINITIVA. REGRA DO ART. 37 DO CC⁄2002 QUE PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE SUCESSÃO PROVISÓRIA COMO CONDIÇÃO PARA A DEFINITIVA. REGRA DO ART. 38 DO CC⁄2002, CONTUDO, QUE SE CONSUBSTANCIA EM HIPÓTESE AUTÔNOMA DE SUCESSÃO DO AUSENTE. ABERTURA DA SUCESSÃO DEFINITIVA SE PRESENTES OS REQUISITOS DO ART. 38 DO CC⁄2002. POSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE MORTE DO AUTOR DA HERANÇA DIANTE DO PREENCHIMENTO CUMULATIVO DOS REQUISITOS LEGAIS – SER OCTOGENÁRIO AO TEMPO DO REQUERIMENTO E ESTAR DESAPARECIDO HÁ PELO MENOS 05 ANOS. PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES DO PRESUMIVELMENTE MORTO POR 10 ANOS, DIANTE DA REGRA DO ART. 39 DO CC⁄2002. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE SOB CONDIÇÃO RESOLUTÓRIA.1- Ação ajuizada em 20⁄08⁄2015. Recurso especial interposto em 11⁄08⁄2020 e atribuído à Relatora em 03⁄03⁄2021.2- O propósito recursal é definir se, presentes os requisitos do art. 38 do CC⁄2002, é indispensável a prévia abertura da sucessão provisória ou se, ao revés, é admissível a abertura da sucessão definitiva direta e independentemente da provisória.3- Apenas a regra do art. 37 do CC⁄2002 pressupõe a existência da sucessão provisória como condição para a abertura da sucessão definitiva, ao passo que a regra do art. 38 do CC⁄2002, por sua vez, é hipótese autônoma de abertura da sucessão definitiva, de forma direta e independentemente da existência, ou não, de sucessão provisória.4- A possibilidade de abertura da sucessão definitiva se presentes os requisitos do art. 38 do CC⁄2002 decorre do fato de ser absolutamente presumível a morte do autor da herança diante da presença, cumulativa, das circunstâncias legalmente instituídas – que teria o autor da herança 80 anos ao tempo do requerimento e que tenha ele desaparecido há pelo menos 05 anos.5- Conquanto a abertura da sucessão definitiva transmita a propriedade dos bens aos herdeiros, a regra do art. 39 do CC⁄2002 ainda preserva, por mais 10 anos, os virtuais interesses daquele cuja morte se presume, pois, havendo um improvável regresso, extinguir-se-á a propriedade pela condição resolutória consubstanciada no retorno do ausente.6- Hipótese em que o autor da herança possuiria, hoje, 81 anos de idade e está desaparecido há 21 anos, razão pela qual não há óbice à abertura da sucessão definitiva, nos moldes previstos no art. 38 do CC⁄2002.7- Recurso especial conhecido e provido.
Leia o acórdão no REsp 1.924.451.