A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) que obrigou um estabelecimento comercial a construir rampa de acesso para pessoas com deficiência e o condenou a indenizar o autor da ação por danos morais.
Na origem, foi ajuizada ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização de dano moral por um homem com deficiência que, devido à falta de adaptações no prédio, não conseguia entrar no estabelecimento comercial em sua cadeira de rodas. Os pedidos foram atendidos nas instâncias ordinárias, que aplicaram as normas do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
No recurso especial dirigido ao STJ, a empresa sustentou que, além de ser inaplicável o CDC ao caso, ela não estaria obrigada a ter rampa de acesso em seu estabelecimento, uma vez que não fez obra ou reforma desde que a Lei 10.098/2000 entrou em vigor.
Falta de rampa configura fato do serviço
A relatora, ministra Nancy Andrighi, confirmou que a ausência da rampa de acesso no estabelecimento comercial configurou fato do serviço, conforme o artigo 14 do CDC, pois vedou a entrada do autor, que é cadeirante, no local. “Fica configurado o fato do serviço quando o defeito ultrapassa a esfera meramente econômica do consumidor, atingindo-lhe a incolumidade física ou moral”, completou.
Quanto ao outro argumento da empresa, a ministra destacou que não existe conflito entre o CDC, a Lei 10.089/2000 e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), pois “todas podem ser compreendidas como partícipes do marco regulatório que visa a inclusão e o respeito às pessoas com deficiência”.
A relatora ressaltou que, independentemente do que foi apontado pela empresa com relação à Lei 10.089/2000, o artigo 57 da LBI determina que as edificações públicas e privadas garantam acessibilidade às pessoas com deficiência.
Limitação de acesso justifica reconhecimento de danos morais
Nancy Andrighi observou que a jurisprudência do STJ considera que o dano moral não deve ser afastado se houve limitação do acesso ao estabelecimento por pessoa com deficiência, criando-se uma situação constrangedora.
“Tem entendido esta Corte Superior que o pedido de reparação por danos morais está logicamente associado ao pedido de obrigação de fazer, consistente na adequação do estabelecimento a fim de torná-lo acessível aos usuários com dificuldade de locomoção”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZATÓRIA POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. ACESSIBILIDADE. RAMPA DE ACESSO. PESSOA COM DEFICIENCIA. CADEIRANTE. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. FATO DE SERVIÇO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSÊNCIA.1. Ação de obrigação de fazer cumulada com indenizatória por danos extrapatrimoniais, ajuizada em 21⁄06⁄2016, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 20⁄05⁄2021 e concluso ao gabinete em 28⁄11⁄2022.2. O propósito recursal, para além da negativa de prestação jurisdicional, consiste em avaliar (I) se o Código de Defesa do Consumidor aplica-se em relação na qual se discute o dever do comerciante de construir rampa de acesso a pessoas com deficiência, (II) se é cabível a determinação judicial para construção de rampa e (III) se este fato enseja a indenização por danos morais ao consumidor que é pessoa com deficiência física motora.3. O art. 57 da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência determina que “as edificações públicas e privadas de uso coletivo já existentes devem garantir acessibilidade à pessoa com deficiência em todas as suas dependências e serviços, tendo como referência as normas de acessibilidade vigentes”.4. O art. 7º do Código de Defesa do Consumidor disciplina que os direitos previstos no CDC não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.5. Conforme a jurisprudência desta Corte, equipara-se à qualidade de consumidor para os efeitos legais, aquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do evento danoso decorrente do defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à sua segurança física e psíquica.6. É dever de todos os fornecedores da cadeia de consumo zelar pela disponibilização de condições adequadas de acesso ao seu interior, a fim de permitir a participação, sem percalços, do público em geral, inclusive dos deficientes físicos, pois é a sociedade quem deve se adaptar, eliminando as barreiras físicas, de modo a permitir a integração das pessoas com deficiência ao seio comunitário. Precedentes.7. O art. 4º, § 1º, da Lei 13.146⁄2015 considera discriminação em razão da deficiência “toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas” .8. Configurado o dano de natureza moral na hipótese em que o estabelecimento comercial não cumpriu com seu dever de garantia de acessibilidade e acabou obstando que pessoa com deficiência tivesse o acesso ao seu interior, o que criou situação constrangedora, conforme delineado no Tribunal de origem.9. A determinação judicial para que o comerciante adeque sua estrutura física às determinações do art. 57, da LBI, a fim de garantir acessibilidade às pessoas com deficiência, está alinhada aos princípios do ordenamento pátrio no que tange aos direitos das pessoas com deficiência.10. Recurso especial conhecido e não provido, com majoração de honorários.
Leia o acórdão no REsp 2.041.463.
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