O 6º Juizado Especial Cível de Brasília condenou a TAM Linhas Aéreas S/A ao pagamento de danos morais e materiais a um passageiro que, por falha no serviço prestado pela empresa, perdeu conexão em virtude de atraso em voo.
O autor conta que comprou as passagens aéreas da ré para fazer uma visita à família na Itália. Narra que o voo estava programado para ir de Brasília a Milão, em 19/01/2018, com conexão de 1h55min em São Paulo. Porém, após o primeiro embarque, o piloto informou que, devido ao tráfego aéreo, o voo chegaria somente às 21h, com 30 minutos de atraso. No entanto, a chegada ocorreu às 22h10, o que ocasionou a perda do voo seguinte, para o destino final dos passageiros.
A empresa forneceu bilhete para o fornecimento de alimentação e hospedagem. O hotel, contudo, ficava a mais de 60km do aeroporto e, quando os hóspedes chegaram, a cozinha estava fechada, o que deixou o autor e a esposa sem alimentação até o dia seguinte. Em complemento a todos os transtornos narrados, no voo remarcado, o marido teve que ficar em assento distante da companheira.
A ré limitou-se a alegar, em sua defesa, que no dia do referido voo, as condições climáticas para pouso e decolagem não estavam favoráveis, motivo pelo qual houve a suspensão temporária das decolagens. Destacou, como dito pelo autor, que forneceu alimentação, hospedagem e transporte ao passageiro e sua esposa.
Na sentença, a juíza pontuou que, de acordo com o Código de defesa do Consumidor, o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços. Explicou, ainda, que o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, como o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam.
“Embora a empresa aérea justifique o cancelamento do voo em razão de más condições climáticas, o fato é desinfluente à solução da controvérsia, haja vista que integrante do risco da atividade comercial das empresas aéreas, caracterizando assim fortuito interno, não podendo recair nos consumidores os riscos advindos da atividade desenvolvida pela empresa aérea”, explicou a magistrada.
Oportunamente, acrescentou que “muitas empresas que conseguem lucros consideráveis em determinados ramos de atividade deixam de lado a qualidade dos serviços, buscando atender um maior número de consumidores, entretanto, fazem isso em prejuízo de alguns, que saem lesados em razão de falhas na prestação do serviço oferecido”.
Dessa maneira, condenou a ré a ressarcir o autor em R$ 54,50, valor que ele conseguiu comprovar como prejuízo material, e R$ 3 mil a título de danos morais. “Não resta a menor dúvida de que da má prestação de serviços decorreram fatos outros que extrapolam os meros aborrecimentos do cotidiano e causam abalo psíquico aos consumidores, notadamente quando perdeu um dia de viagem”, considerou, por fim, a juíza.
Coleciono parte importante da sentença.
Verifico que o feito comporta julgamento antecipado da lide (Art. 355, inciso I, CPC), pois não há necessidade de produção de outras provas além das que constam nos autos.
Não vislumbro a existência de nenhum vício que macule o andamento do feito. Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação.
Passo à análise do mérito.
A relação jurídica estabelecida entre as partes é de natureza consumerista, devendo a controvérsia ser solucionada sob o prisma do sistema jurídico autônomo instituído pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990).
A legislação consumerista é aplicável aos contratos de transporte aéreo, porquanto os passageiros inserem-se no conceito de consumidores, enquanto destinatários finais, e, a ré, por seu turno, enquadra-se como fornecedora, na medida em que oferece o serviço (artigos 2º e 3º, do CDC).
Deve-se frisar que a responsabilização civil nas relações de consumo assenta-se na teoria da qualidade do serviço ou do produto.
É o que se extrai da análise do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer que “Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.§ 1º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam(…)”.
Nesse sentido, por se tratar de responsabilidade civil objetiva é dispensável a análise do elemento volitivo, mas a norma exige a análise do elemento objetivo, qual seja a falha de prestação de serviços. Portanto, a requerida responde objetivamente pelos danos causados pela falha na prestação do serviço, bastando à parte autora comprovar o dano e o nexo causal.
Encontra-se incontroverso nos autos – porque narrado pela parte autora e confirmado ou não negado pela empresa ré – o fato relevante à solução da questão jurídica subjacente, qual seja, o atraso do voo adquirido pelo requerente, o que ocasionou a perda do voo de conexão, sendo o autor realocado para voo com diferença de aproximadamente 24 horas de seu voo original, resultando em longo período de espera.
Embora a empresa aérea justifique o cancelamento do voo em razão de más condições climáticas que impossibilitaram o pouso da aeronave, o fato é desinfluente à solução da controvérsia, haja vista que integrante do risco da atividade comercial das empresas aéreas, caracterizando assim fortuito interno, não podendo recair nos consumidores os riscos advindos da atividade desenvolvida pelo requerido, e nessa ordem não possui habilidade técnica para a aplicação da pretendida excludente do art. 14, § 3º, inc. I e II do CDC. (Precedente: Acórdão n.874254, 20140710318775ACJ, Relator: SANDRA REVES VASQUES TONUSSI, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 16/06/2015, Publicado no DJE: 24/08/2015. Pág.: 315).
Como é cediço, muitas empresas que conseguem lucros consideráveis em determinados ramos de atividade deixam de lado a qualidade dos serviços, buscando atender um maior número de consumidores, entretanto, faz isso em prejuízo de alguns, que saem lesados em razão de falhas na prestação do serviço oferecido.
Analisando o pedido de ressarcimento por danos materiais, oportuno ressaltar que as perdas e danos, nos moldes do que preconiza o art. 402 do CC/02, incluem os danos emergentes, estes caracterizados pelo efetivo decréscimo patrimonial experimentado pela vítima. Assim, o prejuízo material somente pode ser ressarcido se comprovado. No caso dos autos, o autor pleiteia o recebimento de R$ 140,00, porém os comprovantes de ID n° 32851014 (páginas 1 e 7) somente evidenciam o gasto de R$ 54,50, devendo a requerida devolver o prejuízo material documentalmente comprovado.
No que tange ao pedido de reparação por danos morais, é inegável o direito da autora à indenização. Essas falhas no serviço inegavelmente obrigam o fornecedor a indenizar os prejuízos delas decorrentes. Não resta a menor dúvida, portanto, de que da má prestação de serviços decorreram fatos outros que extrapolam os meros aborrecimentos do cotidiano e causam abalo psíquico aos consumidores, notadamente quando perdeu um dia de viagem.
Os fatos narrados na inicial ocasionaram abalos físicos e emocionais, desconforto, aborrecimentos, constrangimentos, que atingiram direitos da personalidade da parte requerente. Suas sinceras expectativas de chegarem a seu destino no dia e hora programados foram injusta e consideravelmente prejudicadas por obra da conduta da empresa aérea, pela qual responde objetivamente.
Portanto, uma vez comprovada a ocorrência do evento danoso, bem como o dano moral experimentado pelos autores, em decorrência do nexo de causalidade acima declinado, exsurge a obrigação de indenizar. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6°, inciso VI, prevê a “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”, de tal sorte que a indenização pelos danos morais sofridos pelo demandante é medida que se impõe. Ademais, para que se configure a lesão não há se cogitar da prova do prejuízo, porquanto o dano moral produz reflexos interiores à pessoa lesada, sendo impossível a demonstração objetiva do dano causado, em razão da dificuldade de se aferir esfera tão íntima do ser humano.
Neste particular, há que se tecer as seguintes considerações: a fixação do quantum devido a título de danos morais deve ser feita mediante prudente arbítrio do juiz, que se vale dos seguintes critérios objetivos: a) existência do evento danoso; b) existência do prejuízo, seja ele material ou moral; c) natureza do dano; d) a condição econômico-financeira das partes. Aliados a tais critérios, merecem também detida análise o caráter punitivo da indenização, tendo como limite evitar-se que a indenização consubstancie enriquecimento sem causa ao autor.
É de se registrar ainda que a empresa ré forneceu um minimo de assistência ao autor, o que deve ser levado em consideração no momento da fixação do quantum indenizatório. Assim, procedida a compatibilização da teoria do valor do desestímulo com o princípio que veda o enriquecimento sem causa e consideradas as condições econômicas das partes e o grau de responsabilidade, arbitro a indenização no valor de R$ 3.000,00(três mil reais).
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido para condenar a empresa ré ao pagamento, em favor do autor, da importância de R$ 3.000,00 (três mil reais), a título de indenização pelos danos morais, corrigida monetariamente a partir desta data e acrescida de juros legais, desde o evento danoso. Condeno ainda a requerida ao pagamento de R$ 54,50 (cinquenta e quatro reais e cinquenta centavos), referente ao comprovado prejuízo material, valor que deverá ser corrigido desde o desembolso, com juros desde a citação.
Resolvo o processo, com julgamento do mérito, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Incabível a condenação em custas processuais e honorários advocatícios, conforme determinação do artigo 55, “caput”, da Lei 9.099/95.
Após o trânsito em julgado, intime-se a requerida para pagar o montante a que foi condenada no prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10%, nos termos do art. 523, § 1º do CPC.
Por fim, não havendo novos requerimentos, arquivem-se os autos com as cautelas de estilo.
Sentença registrada eletronicamente, nesta data. Publique-se. Intimem-se.
Cabe recurso da sentença.
Não ocorreu o recurso, e sim , o pagamento do valor da condenação.