Prefeito que deixou dívida para sucessor pagar ficará inelegível por 8 anos, diz TJSC

A 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, em apelação sob relatoria do desembargador Sérgio Rizelo, condenou ex-prefeito de município do meio-oeste à pena de um ano de reclusão, perda de eventual cargo público que ocupe atualmente e inelegibilidade para disputas eleitorais pelo prazo de oito anos.

Chefe do Executivo na gestão 2009-2012, o então prefeito ordenou e/ou autorizou, nos últimos dois quadrimestres de seu mandato, a assunção de obrigações que integraram posteriormente restos a pagar, sem que existisse contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa. Em resumo, assumiu compromissos e ordenou despesas que sabidamente não honraria e, mais que isso, deixou a conta para ser quitada pelo sucessor.

“(O prefeito) contraiu obrigações que deixou a descoberto, fez com que seu sucessor assumisse a posição de chefe do Poder Executivo municipal já com débito decorrente do mau uso das verbas públicas, e transferiu a ele o ônus de comprometer parte do orçamento para suprir o prejuízo deixado pelo apelante – e não para levar a efeito os projetos que, eventualmente, propagandeou durante a campanha”, analisou o desembargador Rizelo em seu voto.

Ele ainda defendeu e foi acompanhado pela câmara no sentido de que o ex-prefeito, em seu modo de agir, praticou o delito previsto no artigo 359-C do Código Penal, e não aquele previsto na parte final do artigo 1º, V, do Decreto-Lei 201/67. A decisão foi unânime e promoveu pequenas adequações em sentença da comarca de Tangará.

O recurso ficou assim ementado:

APELAÇÃO CRIMINAL. REALIZAÇÃO DE DESPESAS EM DESCONFORMIDADE COM NORMA FINANCEIRA (DECRETO-LEI 201/67, ART. 1º, V) E ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO NO ÚLTIMO ANO DO MANDATO (CP, ART. 359-C). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DO ACUSADO. 1. PRESCRIÇÃO. REALIZAÇÃO DE DESPESAS EM DESCONFORMIDADE COM NORMA FINANCEIRA (DECRETO-LEI 201/67, ART. 1º, V). PENA INFERIOR A UM ANO. 2. LEGITIMIDADE PASSIVA. ANÁLISE EM ESTADO DE ASSERÇÃO. 3. CERCEAMENTO DE DEFESA. 3.1. TESE DE DEFESA NÃO ANALISADA NA SENTENÇA. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE. IMPROPRIEDADE NA CONFECÇÃO DA PRELIMINAR. 3.2. CERTIDÃO DE ANTECEDENTES CRIMINAIS. JUNTADA APÓS AS ALEGAÇÕES FINAIS. COMPLEMENTAÇÃO DE DOCUMENTO JÁ CONSTANTE NOS AUTOS. 4. BIS IN IDEM. ACUSAÇÃO DE ORDENAÇÃO DE DESPESAS NÃO AUTORIZADAS POR LEI E ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO NO ÚLTIMO ANO DO MANDATO. 5. ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÃO NO ÚLTIMO ANO DO MANDATO (CP, ART. 359-C). 5.1. PROVA DA MATERIALIDADE. LAUDO PERICIAL. PROCEDIMENTO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. 5.2. PROVA DA AUTORIA. DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA. INTERROGATÓRIO DO ACUSADO. NOTA DE EMPENHO ASSINADA PELO ACUSADO. 5.3. ELEMENTO SUBJETIVO. ASSUNÇÃO DE OBRIGAÇÕES. ASSINATURA DE NOTAS DE EMPENHO. 5.4. DESCLASSIFICAÇÃO. REALIZAÇÃO DE DESPESAS EM DESCONFORMIDADE COM NORMA FINANCEIRA. ESPECIALIDADE. TAXATIVIDADE. 6. ANTECEDENTES CRIMINAIS. CONDENAÇÃO COM PENA EXTINTA HÁ MAIS DE DEZ ANOS. 7. CONFISSÃO ESPONTÂNEA (CP, ART. 65, III, “D”). ADMISSÃO PARCIAL DE AUTORIA. UTILIZAÇÃO NA FUNDAMENTAÇÃO. 8. PERDA DE CARGO PÚBLICO E INABILITAÇÃO (DECRETO-LEI 201/67, ART. 1º, § 2º). PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. IMPOSIÇÃO DE REPRIMENDAS ACESSÓRIAS. 9. EFEITO DA CONDENAÇÃO. PERDA DE CARGO PÚBLICO. QUANTUM DE PENA. VIOLAÇÃO DE DEVER PARA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CP, ART. 92, I, “A”). 10. INELEGIBILIDADE. CRIME CONTRA AS FINANÇAS PÚBLICAS (LEI COMPLEMENTAR 64/90, ART. 1º, I, “E”, 1). 1. O prazo prescricional, com base na pena aplicada de 4 meses de detenção, é de 3 anos. Se tal lapso transcorreu entre a data do recebimento da denúncia e a da publicação da sentença condenatória, está extinta a punibilidade do denunciado. 2. Se a denúncia imputa ao acusado, prefeito municipal à época dos fatos, a conduta consistente em ordenar a assunção de obrigação nos dois últimos quadrimestres do mandato sem que exista saldo em caixa suficiente para o adimplemento no exercício seguinte, o alcaide é parte legítima para figurar no polo passivo de ação penal. 3.1. Não é nula a sentença que deixa de analisar tese de ilegitimidade passiva formulada em alegações finais se a preliminar foi erroneamente confeccionada (por não tratar de condição da ação, e sim do mérito). 3.2. A juntada de certidão de antecedentes criminais após as alegações finais, quando mera complementação de certidão já constante nos autos, não constitui violação à ampla defesa. 4. Não há dupla acusação pelo mesmo fato no oferecimento de denúncia que atribui ao acusado as condutas de ordenar a assunção de obrigação nos dois últimos quadrimestres do mandato, sem que exista saldo em caixa suficiente para o adimplemento no exercício seguinte, e de liquidar despesa sem prévio empenho. 5.1. São provas suficientes da materialidade do delito positivado no art. 359-C do Código Penal o laudo pericial e o parecer, efetuado por auditores fiscais do Tribunal de Contas em procedimento de prestação de contas, que constatam o comprometimento, mediante obrigações assumidas nos dois últimos quadrimestres do mandato, de quantia superior àquela deixada em caixa no final da administração com relação a despesas que têm fonte de recurso vinculada, ainda que o balanço final da gestão tenha sido superavitário. 5.2. O depoimento do contador municipal, no sentido de que receava que as contas do exercício financeiro não fossem aprovadas, e de que, ao procurar o prefeito para tratar do tema, foi informado de que este “acreditava” que no decorrer do exercício “se fechariam as contas sem dívida”; aliado ao interrogatório do acusado, no qual ele afirmou que deixou de fazer convênios porque “nós não íamos ter disponibilidade de caixa”; e ao teor de notas de empenho firmadas pelo denunciado, nas quais foi autorizado o pagamento de montante que, ao final do exercício, integrou restos a pagar, sem que a contrapartida de caixa fosse repassada à administração seguinte, são provas suficientes da autoria do delito pormenorizado no art. 359-C do Código Penal. 5.3. Age com dolo o prefeito municipal que ordena a assunção de obrigações nos últimos dois quadrimestres do mandato e que firma, pessoalmente, notas de empenho autorizando a liquidação de despesas sem que exista contrapartida de caixa disponível para pagamento no exercício seguinte. 5.4. Pratica o delito do art. 359-C do Código Penal, e não aquele previsto na parte final do art. 1º, V, do Decreto-Lei 201/67, o prefeito municipal que, nos últimos dois quadrimestres do mandato, ordena ou autoriza a assunção de obrigações que integram restos a pagar sem que exista contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa. A especialidade, como critério de resolução de conflito aparente de normas penais, favorece a taxatividade, de modo que o tipo mais objetivo deve ter incidência em detrimento do tipo mais aberto. 6. É indevido o emprego de condenação definitiva pretérita, cuja pena foi extinta há mais de 10 anos antes da prática do novo delito, para valoração negativa dos antecedentes criminais do acusado. 7. É devida a incidência da atenuante da confissão espontânea se o prefeito acusado da prática do delito previsto no art. 359-C do Código Penal admite ter tido influência na gestão daquele exercício financeiro, e se suas palavras são utilizadas para formação da convicção a respeito da autoria. 8. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva estatal com relação à pena privativa de liberdade pela prática de crime de responsabilidade de prefeito, é inviável a imposição das sanções de perda de cargo público e de inabilitação para exercício de cargo ou função pública decorrentes da prática desse crime. 9. Deve ser decretada a perda de eventual cargo ou função pública, ou de mandato eletivo, de acusado a quem foi imposta pena igual a 1 ano de privação de liberdade, que, enquanto prefeito, ordenou ou autorizou, nos últimos dois quadrimestres do mandato, a assunção de obrigações que integram restos a pagar, sem que exista contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa. 10. É inelegível, pelo prazo de 8 anos a contar do cumprimento da pena, o indivíduo condenado em segunda instância pela prática de crime contra as finanças públicas. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Apelação Criminal n. 0000332-80.2015.8.24.0071

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