STJ reconhece presunção de veracidade de cálculos dos credores em ação na qual devedor não apresentou documentos exigidos

Com base no artigo 475-B do Código de Processo Civil de 1973, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, em virtude da não apresentação reiterada, pela parte devedora, de documentos necessários ao cumprimento de sentença, devem ser considerados corretos os cálculos elaborados pelos credores nos autos. Essa presunção de veracidade, contudo, é relativa, admitindo prova em contrário na fase executiva.

“Se é do devedor o ônus de provar, mediante impugnação, eventual erro ou excesso nos cálculos elaborados pelo credor, a fim de afastar a referida presunção, a sua inércia não pode impedir o cumprimento da sentença, devendo ser observado, ainda, o princípio geral do direito de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza”, afirmou a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi.

De acordo com os autos, em primeiro grau, o juiz julgou extinto o cumprimento de sentença sem resolução do mérito, por entender que era ilíquida a sentença proferida na fase de conhecimento. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) anulou a decisão de primeiro grau e determinou a conversão dos autos em liquidação de sentença por arbitramento.

Para o TJMT, é inviável proceder diretamente ao cumprimento da sentença, quando a apuração do valor do crédito exige cálculo complexo, sendo necessária a sua prévia liquidação por arbitramento, a fim de obter o valor devido em razão do direito reconhecido na decisão. No entanto, é possível a conversão do feito em liquidação de sentença, em vez de extinguir o processo, prematuramente, sem resolução de mérito.

No recurso especial, os credores alegaram que, antes de instaurarem a fase de cumprimento de sentença, pediram ao juiz que o banco fosse intimado para exibir os documentos necessários, mas a instituição não os apresentou. Por essa razão é que, segundo eles, foi iniciada a fase do cumprimento de sentença e, mesmo assim, o banco poderia, na fase executória, contrapor os cálculos apresentados pelos credores no cumprimento – o que não aconteceu.

Artigo 475-B do CPC/1973 autoriza presunção de veracidade dos cálculos

Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi explicou que, nos termos do artigo 475-B, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 1973, no cumprimento de sentença, quando a elaboração do cálculo depender de dados em poder do devedor, o juiz, a requerimento do credor, pode requisitá-los, fixando prazo de até 30 dias para o cumprimento da diligência.

Se, de forma injustificada, os dados não forem apresentados pelo devedor, o parágrafo 2º do mesmo artigo prevê que devem ser reputados como corretos os cálculos apresentados pelo credor.

“A norma, assim, objetiva impedir que, quando o ônus de trazer os documentos necessários para o cálculo é do devedor, o silêncio deste impeça o cumprimento da decisão judicial, frustrando a satisfação do crédito perseguido e a efetiva entrega da prestação jurisdicional”, afirmou.

Banco se negou a apresentar os documentos por, pelo menos, 14 anos

No caso dos autos, Nancy Andrighi apontou que “a determinação do valor da condenação depende apenas de cálculo aritmético, uma vez que é necessário, tão somente (I) apurar o valor pago nos termos das cédulas de crédito; (II) calcular o valor que realmente seria devido, após os critérios fixados pela sentença; e (III) subtrair o primeiro pelo segundo, para apurar eventual saldo a ser restituído ao exequente”.

A ministra ressaltou que, diferentemente da conclusão do TJMT, o fato de ser necessária a apresentação de documentos pelo devedor não torna a sentença ilíquida.

“Isso porque, conforme o art. 475-B do CPC/1973, ainda que dependa da apresentação de documentos para a elaboração do cálculo, é possível iniciar desde logo com o cumprimento de sentença, podendo o juízo, a requerimento, requisitar os dados em poder do devedor”, completou.

Além disso, Nancy Andrighi recordou que, no processo, o perito judicial só não conseguiu realizar os cálculos solicitados pelo juiz por culpa exclusiva do banco devedor, que não apresentou os documentos necessários para a execução, não podendo tal conduta impedir a satisfação do crédito dos recorrentes.

Para a ministra, é, ainda, nitidamente contraditório o comportamento do banco de sonegar, por pelo menos 14 anos, os documentos exigidos por ordem judicial e, depois, impugnar o cumprimento de sentença sob a alegação de ausência das provas necessárias para confirmar o cálculo elaborado pelo credor.

“Trata-se de comportamento que, de igual modo, é repudiado pelos princípios gerais do direito, na figura da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium)”, concluiu a relatora ao determinar o retorno dos autos ao juízo de primeiro grau, reconhecendo a presunção de veracidade dos cálculos apresentados pelos credores.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL C⁄C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL PREJUDICADA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 141 E 492 DO CPC⁄2015. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. SÚMULA 284⁄STF. VIOLAÇÃO DO ART. 475-B, § 2º, DO CPC⁄1973. CONFIGURAÇÃO. APURAÇÃO DO VALOR DEVIDO. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DE DADOS PELO DEVEDOR. CÁLCULO ARITMÉTICO. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA PELO ART. 475-B DO CPC⁄1973. POSSIBILIDADE. DOCUMENTOS EM PODER DO DEVEDOR. NÃO APRESENTAÇÃO. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DO CÁLCULO ELABORADO PELO CREDOR. CONFIGURAÇÃO. OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR DE JUNTAR DOCUMENTOS DECORRENTE DE DECISÃO PROFERIDA HÁ 20 ANOS EM AÇÃO DE EXIBIÇÃO. DESCUMPRIMENTO REITERADO. NINGUÉM PODE SE BENEFICIAR DA PRÓPRIA TORPEZA. NEMO AUDITUR PROPRIAM TURPITUDINEM ALLEGANS. PROVA DE EVENTUAL EXCESSO NO CÁLCULO. ÔNUS DO DEVEDOR.
1. Ação de revisão contratual c⁄c repetição de indébito, ajuizada em 21⁄9⁄2011, atualmente em fase de cumprimento de sentença, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 17⁄9⁄2021 e concluso ao gabinete em 19⁄4⁄2022.
2. O propósito recursal é dizer sobre a presunção de veracidade do cálculo apresentado pelos credores, quando o devedor não apresenta os documentos necessários requisitados pelo Juízo, na específica hipótese, em que o devedor tinha o dever de apresentá-los desde decisão proferida em prévia ação de exibição de documentos.
3. A necessidade de apresentação de documentos pelo devedor para a elaboração do cálculo aritmético não torna a sentença ilíquida, podendo ser iniciada a fase de cumprimento de sentença, na forma do art. 475-B do CPC⁄1973.
4. Conforme a jurisprudência desta Corte, a teor do art. 475-B, § 2º, do CPC⁄1973, se o devedor não fornece os documentos necessários para a confecção dos cálculos executivos, serão presumidos como corretos os cálculos apresentados pelo credor.
5. A norma, assim, objetiva impedir que, quando o ônus de trazer os documentos necessários para o cálculo é do devedor, o silêncio deste impeça o cumprimento da decisão judicial, frustrando a satisfação do crédito perseguido e a efetiva entrega da prestação jurisdicional.
6. Na hipótese dos autos, (I) o ônus de apresentar os documentos foi imposto ao BANCO recorrido não apenas em razão do art. 475, § 2º, do CPC⁄1973, mas também por força de decisão transitada em julgado em prévia ação de exibição de documentos, com medida liminar deferida em 2003; (II) o fato de que todas as cédulas de crédito foram liquidadas em 22⁄6⁄1992 está abrangido pela coisa julgada; (III) o próprio BANCO recorrido, em 2017, juntou documentos, alegando comprovar o valor devido, em quantia menor ao cálculo dos exequentes, pedindo nova manifestação do perito contábil, mas o Juízo optou por extinguir o processo.
7. Não se pode admitir que o descumprimento de ordem judicial pelo devedor desde 2003 tenha o condão de impedir a satisfação do crédito dos recorrentes, por força do princípio geral do direito de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans).
8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido, para (I) determinar o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau, a fim de que prossiga na fase de cumprimento da sentença, nos termos do art. 475-B do CPC⁄1973; e (II) reconhecer a presunção de veracidade dos cálculos apresentados pelos recorrentes, que pode ser afastada apenas mediante a comprovação de excesso pelo recorrido, a quem cabe apresentar os documentos necessários para o cálculo, na espécie.

Leia o acórdão no REsp 1.993.202.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1993202

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar