O entendimento de que a pena de 10 a 15 anos era desproporcional se aplica, também, a quem vende, armazena e distribui o produto.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) estendeu os efeitos da decisão que considerou desproporcional a punição de 10 a 15 anos de reclusão para pessoas que importam medicamentos sem registro sanitário a quem vende, armazena ou distribui esses produtos. A decisão foi tomada no julgamento de recurso (embargos de declaração) da Defensoria Pública da União (DPU) no Recurso Extraordinário (RE) 979962.
Em março de 2021, o STF havia declarado inconstitucional a pena prevista no artigo 273 do Código Penal, com a redação da Lei 9.677/1998, e restabelecido a redação anterior do dispositivo, que previa pena de um a três anos de reclusão para o crime de importação de medicamentos sem registro.
Desproporcionalidade
Nos embargos, a DPU argumentou que não houve manifestação sobre a inconstitucionalidade da aplicação da pena aos casos equivalentes ao de “importar” previstos no mesmo dispositivo legal – vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo produto sem registro sanitário. Para a DPU, essas condutas equivalem à importação, e a limitação da declaração de inconstitucionalidade apenas a quem importa acabou por criar nova desproporcionalidade.
Ao acolher o recurso, o relator, ministro Luís Roberto Barroso, observou que o ato de importar medicamento sem registro está no mesmo dispositivo e tem a mesma reprovabilidade e gravidade, do ponto de vista penal, que as demais condutas. Por isso, a tese que reconhece a desproporcionalidade da sanção de 10 a 15 anos e multa deve ser aplicada também a elas.
Ficou vencido o ministro Edson Fachin, que rejeitou os embargos.
Tese reformulada
A tese de repercussão geral foi readequada nesses termos: “É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal, com redação dada pela Lei nº 9.677/98 (reclusão, de 10 a 15 anos, e multa), à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar produto sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para estas situações específicas, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na sua redação originária (reclusão, de 1 a 3 anos, e multa)”.
O recurso ficou assim ementado:
Direito constitucional e penal. Recurso extraordinário. Importação de medicamentos sem registro sanitário (CP, art. 273, 273, § 1º-B, I, do Código Penal). Inconstitucionalidade da pena abstratamente prevista. 1. O art. 273, § 1º-B, do CP, incluído após o “escândalo das pílulas de farinha”, prevê pena de dez a quinze anos de reclusão para quem importar medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária competente. 2. Como decorrência da vedação de penas cruéis e dos princípios da dignidade humana, da igualdade, da individualização da pena e da proporcionalidade, a severidade da sanção deve ser proporcional à gravidade do delito. 3. O estabelecimento dos marcos penais adequados a cada delito é tarefa que envolve complexas análises técnicas e político-criminais que, como regra, competem ao Poder Legislativo. Porém, em casos de gritante desproporcionalidade, e somente nestes casos, justifica-se a intervenção do Poder Judiciário, para garantir uma sistematicidade mínima do direito penal, de modo que não existam (i) penas exageradamente graves para infrações menos relevantes, quando comparadas com outras claramente mais reprováveis, ou (ii) a previsão da aplicação da mesma pena para infrações com graus de lesividade evidentemente diversos. 4. A desproporcionalidade da pena prevista para o delito do art. 273, § 1º-B, do CP, salta aos olhos. A norma pune o comércio de medicamentos sem registro administrativo do mesmo modo que a falsificação desses remédios (CP, art. 273, caput), e mais severamente do que o tráfico de drogas (Lei nº 11.343/2006, art. 33), o estupro de vulnerável (CP, art. 217-A), a extorsão mediante sequestro (CP, art. 159) e a tortura seguida de morte (Lei nº 9.455/1997, art. 1º, § 3º). 5. Mesmo a punição do delito previsto no art. 273, § 1º-B, do CP com as penas cominadas para o tráfico de drogas, conforme propugnado por alguns Tribunais e juízes, mostra-se inadequada, porque a equiparação mantém, embora em menor intensidade, a desproporcionalidade. 6. Para a punição da conduta do art. 273, § 1º-B, do CP, sequer seria necessária, a meu ver, a aplicação analógica de qualquer norma, já que, com o reconhecimento da sua inconstitucionalidade, haveria incidência imediata do tipo penal do contrabando às situações por ele abrangidas. 7. A maioria do Plenário, contudo, entendeu que, como decorrência automática da declaração de inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, I, deve incidir o efeito repristinatório sobre o preceito secundário do art. 273, caput, na redação original do Código Penal, que previa pena de 1 a 3 anos de reclusão. 8. Recurso do Ministério Público Federal desprovido. Recurso de Paulo Roberto Pereira parcialmente provido. Tese de julgamento: É inconstitucional a aplicação do preceito secundário do art. 273 do Código Penal à hipótese prevista no seu § 1º-B, I, que versa sobre a importação de medicamento sem registro no órgão de vigilância sanitária. Para esta situação específica, fica repristinado o preceito secundário do art. 273, na sua redação originária.
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Processo relacionado: RE 979962