Reconhecida validade de escrituras de dação em pagamento de empresas controladas pelo grupo Encol

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reformou acórdão do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) e, por unanimidade, afastou a decretação de nulidade absoluta de dações em pagamento realizadas em favor do Banco do Brasil por empresas controladas pela construtora Encol, cuja falência foi decretada em 1999.

Para o colegiado, a decretação judicial da desconsideração da personalidade jurídica após as dações não poderia resultar, de forma automática, na imposição retroativa de requisitos à validade de atos e negócios concluídos pelas regras vigentes à época da transação, a exemplo da exigência de certidão de débitos tributários da Encol.

O recurso julgado pela Terceira Turma teve origem em ação proposta pela Associação Nacional dos Clientes da Encol, objetivando a declaração de nulidade de dações em pagamento de imóveis realizadas pelas empresas controladas pela Encol. As escrituras públicas de dação foram lavradas em 1996 e 1997.

Segundo a associação, a transação seria nula devido à não apresentação de certidões negativas de débitos tributários pela construtora, como consequência da desconsideração da personalidade jurídica das empresas controladas.

Apresentação obrigatória

Em primeiro grau, o magistrado julgou procedente o pedido da associação para declarar a nulidade das escrituras públicas de dação em pagamento, com a determinação de inclusão do crédito do banco no quadro geral de credores da falência da Encol, além da classificação do banco como credor com direito real de garantia.

A nulidade foi mantida pelo TJGO. De acordo com o tribunal, a transferência de bens imóveis integrantes do ativo permanente das empresas dadoras, e por consequência também da Encol, tornava obrigatória a apresentação de certidão negativa de débitos expedida pela construtora.

Interferência judicial

O relator no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que a desconsideração da pessoa jurídica é um instituto gradativamente construído pela doutrina e pela jurisprudência como forma de enfrentar os problemas decorrentes do reconhecimento de ampla autonomia às personalidades coletivas, especialmente nas hipóteses de confusão das esferas jurídicas, subcapitalização e de prejuízos sofridos por terceiros em virtude da utilização abusiva da personalidade jurídica.

No âmbito do procedimento de falência, prosseguiu o relator, a aplicação da desconsideração tem por finalidade estender a responsabilidade para aqueles que legalmente estariam, a princípio, excluídos da responsabilização, mas que, no momento do levantamento da autonomia da sociedade, são “identificados na fotografia da realidade empresarial”.

“Essa observação, por si só, tem o condão de inviabilizar a desconstituição de atos praticados entre a pessoa alcançada em razão da desconsideração e terceiros, ocorridos antes do ato da desconsideração, bem como antes do decreto de quebra e do termo legal de falência judicialmente fixado, ressalvada a desconstituição do ato ou negócio jurídico por reconhecimento de fraude”, afirmou Bellizze.

No caso dos autos, o relator apontou que, por via oblíqua, buscou-se a desconstituição do negócio sem que houvesse a caracterização de fraude ou qualquer outro vício de consentimento.

“Convém ainda notar que a dação em pagamento foi realizada para cumprimento de contrato, no qual os bens já estariam vinculados a título de garantia e cujas dívidas são também judicialmente reconhecidas, tanto que a sentença mantida pelo acórdão recorrido determina, em decorrência da declaração de nulidade da dação, a inclusão da dívida no rol dos credores falimentares”, concluiu o ministro ao afastar a decretação de nulidade das escrituras de dação em pagamento.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSOS ESPECIAIS. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE DOCUMENTO ESSENCIAL. 1. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973. RAZÕES DE DECIDIR APONTADAS DE FORMA CLARA E COERENTE. OMISSÃO NÃO CARACTERIZADA. 2. LEGITIMIDADE ATIVA E INTERESSE DE AGIR. CREDORES QUIROGRAFÁRIOS. RECONHECIMENTO QUE SE HARMONIZA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. 3. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. RESPONSABILIDADE PESSOAL E OBJETIVA DOS REGISTRADORES. DESNECESSIDADE. CASO EM QUE SE DISCUTE A NULIDADE POR ATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. CAUSA EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE OBJETIVA. 4. NEGÓCIOS PRATICADOS ANTES DO PERÍODO DE SUSPEIÇÃO. CUMPRIMENTO DAS FORMALIDADES ESSENCIAIS AO TEMPO DO ATO. RECONHECIMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. 5. APRESENTAÇÃO DE CND DE SÓCIA CONTROLADORA. EXIGÊNCIA DECORRENTE DE POSTERIOR DECRETO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXTENSÃO DOS EFEITOS DA FALÊNCIA DA SÓCIA CONTROLADORA. RETROATIVIDADE LIMITADA À EXTENSÃO DOS EFEITOS DA QUEBRA. 6. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. RECURSO ADESIVO PREJUDICADO.
1. Não configura violação do art. 535 do CPC/1973 a solução da lide por fundamentos diversos dos apontados pelas partes, desde que o decisum decline, de forma clara e coerente, as razões que formaram seu convencimento. 2. Os credores quirografários, bem como qualquer credor habilitado, é parte legítima e interessada para propor ação de anulação de negócio em benefício da massa falida. Precedentes.
3. Não configura hipótese de litisconsórcio passivo necessário a impugnação de validade de negócio jurídico que se funda em ato exclusivo de terceiro, que é causa de exclusão da responsabilidade pessoal e objetiva do registrador cartorário.
4. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de extensão dos efeitos da quebra objetiva ampliar a responsabilização civil dos sócios e empresas de um mesmo grupo empresarial, incluindo no procedimento falimentar o patrimônio existente no momento do decreto de falência e impondo a eles a suspeição decorrente da fixação judicial do termo legal de falência.
5. O levantamento temporário e momentâneo do véu da autonomia empresarial não acarreta alteração dos atos praticados, tampouco resulta na imposição retroativa de requisitos essenciais à validade de atos e negócios concluídos pelas regras vigentes a seu tempo, salvo nas hipóteses de alegada fraude.
6. Recurso especial provido. Recurso adesivo prejudicado.

Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1455636

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