STF derruba normas da Reforma Trabalhista que restringiam acesso gratuito à Justiça do Trabalho

A cobrança de custas caso o trabalhador falte à audiência inaugural sem justificativa foi mantida.

O Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou regras da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) que determinavam o pagamento dos honorários periciais e advocatícios por beneficiários da justiça gratuita, caso perdessem a ação, mas obtivessem créditos ​suficientes para o pagamento dessas custas em outra demanda trabalhista. Também por maioria, foi considerada válida a imposição do pagamento de custas pelo beneficiário da justiça gratuita que faltar à audiência inicial e não apresentar justificativa legal no prazo de 15 dias.

A questão foi discutida na Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Para a PGR, as normas violam as garantias processuais e o direito fundamental dos trabalhadores pobres à gratuidade judiciária para acesso à justiça trabalhista.

Honorários e justiça gratuita

O primeiro ponto em discussão foi o artigo 790-B da CLT (caput e parágrafo 4º) da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que responsabiliza a parte vencida (sucumbente) pelo pagamento de honorários periciais, ainda que seja beneficiária da justiça gratuita. Na redação anterior da norma, os beneficiários da justiça gratuita estavam isentos; com a nova redação, a União custeará a perícia apenas quando ele não tiver auferido créditos capazes de suportar a despesa, “ainda que em outro processo”.

O outro dispositivo questionado é o artigo 791-A, parágrafo 4º, da CLT, que considera devidos os honorários advocatícios de sucumbência sempre que o beneficiário de justiça gratuita tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa.

Correntes

Na retomada do julgamento na sessão desta quarta-feira (20), havia duas correntes. A primeira, apresentada pelo relator, ministro Luís Roberto Barroso, considera que as regras são compatíveis com a Constituição e visam apenas evitar a judicialização excessiva das relações de trabalho e a chamada “litigância frívola”. Essa corrente, integrada, também, pelos ministros Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luiz Fux (presidente), defendeu a procedência parcial da ação para limitar a cobrança de honorários, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias, a até 30% do valor excedente ao teto do Regime Geral de Previdência Social.

No outro campo, o ministro Edson Fachin votou pela declaração de inconstitucionalidade de todas as normas impugnadas. Segundo ele, as regras introduzidas pela Reforma Trabalhista restringem os direitos fundamentais de acesso à Justiça e o direito fundamental e da assistência judiciária gratuita. Esse entendimento foi seguido pelo ministro Ricardo Lewandowski e pela ministra Rosa Weber.

Obstáculos

Contudo, prevaleceu a proposta apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, que julgou inconstitucionais os dispositivos relativos à cobrança dos honorários de sucumbência e periciais da parte perdedora, mas admitiu a cobrança de custas caso o trabalhador falte à audiência inaugural sem apresentar justificativa legal no prazo de 15 dias.

De acordo com o ministro, a lei estipula condições inconstitucionais para a gratuidade da Justiça, ao partir da presunção absoluta de que um trabalhador, ao vencer determinado processo, já se tornou autossuficiente. A seu ver, as normas apresentam obstáculos à efetiva aplicação da regra constitucional que determina que o Estado preste assistência judicial, integral e gratuita, às pessoas que comprovem insuficiência de recursos (artigo 5º, inciso LXXIV).

Em relação à cobrança de honorários de sucumbência dos que faltarem à audiência inaugural sem justificativa, o ministro Alexandre considera que se trata apenas de mais um requisito para a gratuidade judicial.

Cidadãos pobres

Em voto pela inconstitucionalidade de todas as normas impugnadas, a vice-presidente do STF, ministra Rosa Weber, observou que a desestruturação da assistência judiciária gratuita, que considera elemento central para o acesso à Justiça, não irá resolver o problema da litigância excessiva. Para a ministra, a pretexto de perseguir resultados econômicos e estímulos comportamentais de boa-fé processual, que poderiam ser alcançados de outras formas, “as medidas legais restringem a essência do direito fundamental dos cidadãos pobres de acesso gratuito à Justiça do Trabalho em defesa dos seus direitos”.

Resultado

Por maioria de votos, o colegiado considerou inconstitucionais os dispositivos que estabelecem a necessidade de pagamento de honorários periciais e advocatícios pela parte derrotada (honorários de sucumbência), mesmo que esta seja beneficiária da Justiça gratuita (artigo 790-B, caput e parágrafo 4º, da CLT) e o que autoriza o uso de créditos trabalhistas devidos ao beneficiário de justiça gratuita, em outro processo, para o pagamento desses honorários (artigo 791-A, parágrafo 4º). Integraram essa corrente os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Também por maioria, foi considerada válida a regra (artigo 844, parágrafo 2º da CLT) que impõe o pagamento de custas pelo beneficiário da justiça gratuita que faltar à audiência inicial de julgamento e não apresente justificativa legal no prazo de 15 dias. Esse entendimento foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Roberto Barroso, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luiz Fux (presidente) e pela ministra Cármen Lúcia.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 13.467/2017. REFORMA TRABALHISTA. REGRAS SOBRE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE ÔNUS SUCUMBENCIAIS EM HIPÓTESES ESPECÍFICAS. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO, ACESSO À JUSTIÇA, SOLIDARIEDADE SOCIAL E DIREITO SOCIAL À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA. MARGEM DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CRITÉRIOS DE RACIONALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. É inconstitucional a legislação que presume a perda da condição de hipossuficiência econômica para efeito de aplicação do benefício de gratuidade de justiça, apenas em razão da apuração de créditos em favor do trabalhador em outra relação processual, dispensado o empregador do ônus processual de comprovar eventual modificação na capacidade econômica do beneficiário. 2. A ausência injustificada à audiência de julgamento frustra o exercício da jurisdição e acarreta prejuízos materiais para o órgão judiciário e para a parte reclamada, o que não se coaduna com deveres mínimos de boa-fé, cooperação e lealdade processual, mostrando-se proporcional a restrição do benefício de gratuidade de justiça nessa hipótese. 3. Ação Direta julgada parcialmente procedente.

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