Shopping de Campina Grande (PB) terá de criar creche para filhos de comerciárias

Segundo a decisão, a obrigação cumpre o princípio da função social da iniciativa privada.

Por maioria, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal  Superior do Trabalho, órgão responsável pela uniformização da jurisprudência do TST, rejeitou recurso do Condomínio do Partage Shopping, de Campina Grande (PB), contra a condenação ao fornecimento de creches para os filhos de empregadas das lojas que estejam em período de amamentação. Para o relator dos embargos, ministro Alberto Bresciani, o shopping, que recebe parte dos lucros das lojas, também deve cumprir sua função social em relação às funcionárias que ali trabalham.

Creches

A ação foi proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) ao juízo da 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande, com base no artigo 389 da CLT. O parágrafo 1º do dispositivo prevê que os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade devem ter local apropriado onde as empregadas possam guardar e dar assistência a seus filhos no período de amamentação. O parágrafo 2º permite substituir essa exigência por convênios.

Na visão do MPT, o shopping é responsável por essa obrigação, em razão de seu poder de ingerência sobre a atividade empresarial desempenhada pelos lojistas locatários. “Tanto poder exige uma contrapartida: a responsabilidade”, sustentou.

Vínculo de emprego

Por sua vez, o shopping sustentou que não se poderia confundir a obrigação de fornecimento da estrutura física necessária para fazer funcionar o empreendimento com obrigações típicas de empregador. Segundo seu argumento, o artigo da CLT se direciona “às empregadas, ou seja, exige a necessidade de vínculo de emprego, o que não é o caso”.

Condenação

O juízo de primeiro grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região (PB) acolheram o pedido do MPT e determinaram a criação de local adequado para os filhos das comerciárias. O condomínio recorreu ao TST, mas a Segunda Turma manteve a condenação, levando-o a opor embargos à SDI-1.

Sobreestabelecimento

Para o relator dos embargos, ministro Alberto Bresciani, a norma da CLT que obriga apenas o estabelecimento ou empresa com mais de 30 empregadas ao fornecimento de creches deve ser interpretada de forma extensiva e atual. Ele lembrou que a obrigação foi introduzida em 1967, “período em que sequer existiam shoppings no país”. A seu ver, a lei deve se adaptar aos tempos, “incluindo figuras que vão surgindo na sociedade e que não podiam ser antevistas pelo legislador”.

Segundo o relator, os shoppings centers devem ser compreendidos como “um sobreestabelecimento, um ente aglutinador de empregadores em torno de interesse comum, que tem por obrigação fornecer a estrutura física necessária para fazer funcionar o empreendimento”, com ingerência, inclusive, no aproveitamento e na padronização do espaço interno das lojas. “Entre lojas e shopping existe cooperação e interesses comuns”, afirmou.

Nessa linha, segundo Bresciani, o artigo 389 da CLT deveria ser adaptado aos comandos da Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata do amparo à maternidade, e da Constituição da República, que protege a família e o nascituro. São, segundo ele, avanços civilizatórios que precisam ser compreendidos sobre a ótica do princípio da função social da iniciativa privada. “Como responsável pelas áreas de uso comum, compete ao shopping incluir no projeto ou disponibilizar, diretamente ou por outros meios, local apropriado para essa finalidade”, concluiu.

Divergência

Ficaram vencidos os ministros Márcio Amaro (aposentado), Breno Medeiros e Alexandre Ramos e as ministras Dora Maria da Costa e Maria Cristina Peduzzi, presidente do TST. A corrente divergente entende que o shopping center não tem ingerência na gestão dos negócios dos lojistas ou locatários nem é beneficiado diretamente pelos serviços prestados pelas empregadas das lojas. “Ele funciona como um locador e administrador desses espaços, e as empregadas das lojas não têm vinculação formal com a administração do shopping”, afirmou o ministro Alexandre Ramos, que abriu a divergência.

No mesmo sentido, o ministro Breno Medeiros ressaltou que a relação comercial/civil estabelecida entre os lojistas e os condomínios de shoppings impõe obrigações de natureza consumerista, como impostos, água, luz, segurança e prestação de serviços de limpeza, e não trabalhista.

O recurso ficou assim ementado:

I – AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROVÉRSIA ACERCA DA RESPONSABILIDADE DOS SHOPPING CENTERS NA CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO DOS FILHOS DE EMPREGADAS DE LOJAS. ARTIGO 389 DA CLT. Considerando a controvérsia existente acerca da obrigação do Condomínio do Shopping Center no cumprimento da obrigação contida no artigo 389 da CLT, necessário se faz o afastamento do óbice apontado na decisão agravada, permitindo-se o exame do agravo de instrumento. Agravo conhecido e provido.

II – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO EM ESPAÇOS DE SHOPPING CENTERS. APLICABILIDADE DO ARTIGO 389 DA CLT. Cinge-se o debate em se definir se a obrigação contida nos parágrafos 1º e 2º do artigo 389 da CLT (construção e manutenção de creches para os filhos de empregadas de lojas) deve ser estendida aos condomínios de Shopping Centers. A matéria é indiscutivelmente controvertida, razão pela qual o agravo de instrumento deve ser provido para propiciar um debate mais acurado acerca do tema. Agravo de instrumento provido para melhor exame da tese sustentada pelo agravante .

III – RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRIGAÇÃO DE FAZER CONSISTENTE NA CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE CRECHES DESTINADAS À AMAMENTAÇÃO EM ESPAÇOS DE SHOPPING CENTERS. APLICABILIDADE DO ARTIGO 389 DA CLT. 1. Hipótese em que o TRT condenou o Condomínio do Shopping Center à obrigação de fazer consistente no fornecimento de espaço adequado para que as mães (empregadas de lojas) possam amamentar seus filhos . 2. É fato notório que um lactente precisa mamar nos primeiros estágios de sua vida (art. 374 do NCPC). Ademais, as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece apontam para o prejuízo à saúde e à vida do lactente que se vê privado do aleitamento materno (art. 375 do NCPC). 3 . Ao subscrever e ratificar a Convenção n . º 103, o Brasil assumiu o compromisso solene perante organismo internacional do qual é membro integrante de assegurar a amamentação dos filhos das empregadas lactantes. Por isso, qualquer medida que tenha por escopo a substituição da obrigação contida no art. 389, §1º, da CLT deve se compatibilizar com o direito assegurado no art. V da Convenção n . º 103 da OIT, promulgada pelo Decreto nº. 58.820, de 14.7.1966. 4 . Também não prospera o argumento de que as empregadas dos lojistas não possuem vínculo de emprego com o Shopping em razão da atividade econômica desse último estabelecimento. Extrai-se do escólio do Ministro Alexandre Agra Belmonte ( in Natureza Jurídica dos Shopping Centers, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 1989) que a atividade econômica dos shopping centers consiste na organização de um espaço privado conveniente ao exercício da atividade do comércio. 5 . Já Ives Gandra da Silva Martins ressalta que os “shopping centers atuam em verdadeira atividade de supracomércio , porquanto, ao organizar o espaço convenientemente pensado ao exercício da atividade comercial, “permitem aos estabelecimentos mercantis sua melhor desenvoltura, assim como superiores resultados, de difícil obtenção sem a colaboração de suas estruturas” (A Natureza Jurídica das Locações dos “Shopping Centers”. in Shopping Centers: Questões Jurídicas, Editora Saraiva, 1991, p. 79-95). Esclarece, ademais, que “os shopping centers são, em verdade, um sobreestabelecimento comercial, cuja estrutura permite que os estabelecimentos comerciais que neles se instalem existam e nele tenham sua principal razão de ser e força” . O doutrinador identifica , com precisão cirúrgica , a atividade econômica desses centros de compra ao concluir que “são, portanto, os ‘ shopping centers’ , para todos os estabelecimentos que os compõem, uma espécie de sobreestabelecimento de onde recebem o principal fator de força mercantil, mesmo que sejam famosas as marcas ou renomadas as sociedades que se unam em suas dependências” . 6 . Disso tudo se extrai que a administração e organização dos espaços que compõem os shopping centers consistem, em si, no exercício de sua atividade econômica. Realmente, as empresas que neles se instalam não possuem poder decisório acerca da destinação e administração dos locais que ultrapassem o limite da respectiva loja, ainda que tudo isso esteja dentro de mesmo conjunto arquitetônico. Cabe, assim, exclusivamente ao shopping center atender normas de direito sanitário, de acessibilidade e de direito urbanístico, por exemplo. Percebe-se que, no tocante à infraestrutura necessária ao exercício da atividade mercantil em shopping centers, a participação de cada lojista é praticamente nula , mesmo porque, do contrário, o conjunto convenientemente organizado de espaços comerciais tenderia à desagregação e aos caos. Não seria possível falar em “sobre estabelecimento” , porquanto cada lojista, por deliberação própria, cumpriria como bem entendesse as normas relativas ao meio ambiente de trabalho (sanitários, conforto térmico, etc.) comprometendo, inclusive a organicidade e integridade do shopping center. 6 . É sob tal perspectiva que as normas tutelares acerca do meio ambiente de trabalho dos empregados que atuam em shopping centers devem ser encaradas. A legislação concernente à adequação do meio ambiente do trabalho às necessidades das lactantes somente pode ser dirigida ao “sobre – estabelecimento” comercial, para utilizar, novamente, a expressão de Ives Gandra da Silva Martins. 7 . O art. 389, §1º, da CLT determina que “os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade terão local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação”. Sobressai a conclusão de que a expressão “os estabelecimentos” contida no dispositivo legal deve ser interpretada de forma consentânea com a realidade atual. A interpretação evolutiva do mencionado dispositivo legal conduz à conclusão de que a obrigação relativa ao meio ambiente de trabalho das mulheres que atuam em lojas instaladas em shopping centers deve ser atendidas, no que couber, pelos próprios centros de compra. 8 . Há precedente de Turma dessa Corte Superior nesse sentido (AIRR – 127-80.2013.5.09.0009, Redator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 03/12/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/03/2015). 9 . Importante consignar, ainda, que os direitos sociais assegurados às crianças (e aqui se está tratando de lactentes nos primeiros meses de vida) realmente impõem relevante ônus financeiro à sociedade. Contudo, a realização de direitos desse jaez, ainda que inquestionavelmente onerosa, consiste em escolha fundamental da sociedade brasileira , definitivamente plasmada na redação do art. 227 da Carta Magna. O princípio da absoluta prioridade dos direitos das crianças e adolescentes previsto no referido dispositivo constitucional não consiste em norma programática, de menor valor jurídico, mas possui força normativa e caráter cogente que não pode ser ignorado pelo Estado-Juiz. A norma em destaque, além de, por si só, impor obrigações aos seus destinatários, conforma a interpretação daquelas outras de caráter infraconstitucional, tal como o art. 389, §1º, da CLT. 1 0. Repise-se que o dever de assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde e à alimentação das crianças lactentes não é somente da sua família. Não é somente do Estado. E não é somente da sociedade. Todos, inclusive o empresariado, devem, obrigatoriamente , e com absoluta prioridade, concorrer para assegurar esses direitos. 12 . Assim sendo, correta a decisão que conferiu efetividade ao artigo 389, §§ 1º e 2º da CLT, que tem por finalidade proteger as condições de trabalho da coletividade de mulheres que atuam no Shopping Center e, em especial, dos lactentes envolvidos na medida. Recurso de revista não conhecido.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS. O entendimento jurisprudencial predominante desta Corte Superior é o de que a prática de atos antijurídicos, em desvirtuamento do que preconiza a legislação, além de causar prejuízos individuais aos trabalhadores, configura ofensa ao patrimônio moral coletivo, sendo, portanto, passível de reparação por meio da indenização respectiva, nos termos dos artigos 186 do Código Civil, 5º, inciso V, da Constituição Federal e 81 da Lei 8.078/1990. No caso, a Corte Regional conferiu a correta aplicação dos artigos 186, 188, I , e 927 do Código Civil, na medida em que verificou o ilícito (não fornecimento de espaço adequado para que as mães possam amamentar seus filhos) e condenou o Condomínio a pagar indenização por danos morais coletivos. Recurso de revista não conhecido.

TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA INCIDENTAL. ARTIGO 294 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PERDA DE OBJETO. O Condomínio requer que seja concedido efeito suspensivo ao recurso interposto, determinando-se a imediata e urgente suspensão da execução provisória. Diante do presente julgamento do recurso de revista, resta prejudicada a pretensão deduzida, por perda superveniente do objeto . Pedido de tutela provisória que se julga prejudicado.

Processo: E-RR-131651-27.2015.5.13.0008

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