Sexta Turma reconhece proteção jurídica a profissionais do sexo

Ao conceder habeas corpus a uma garota de programa acusada de roubo, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou, na última terça-feira (17), que profissionais do sexo têm direito a proteção jurídica e que seria possível cobrar em juízo o pagamento por esse tipo de serviço.

Os ministros concluíram que a conduta da acusada, ao tomar à força um cordão folheado a ouro do cliente que não quis pagar pelo sexo, não caracterizou roubo, mas o crime de exercício arbitrário das próprias razões previsto no artigo 345 do Código Penal, cuja pena máxima é de um mês de detenção.

“Não se pode negar proteção jurídica àqueles que oferecem serviços de cunho sexual em troca de remuneração, desde que, evidentemente, essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis e desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes”, afirmou o relator do habeas corpus, ministro Rogerio Schietti Cruz.

Cobrança judicial

O juiz de primeiro grau havia condenado a ré pelo artigo 345 do CP, mas o Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO) reformou a decisão para roubo. Para o TJTO, o compromisso de pagar por sexo não seria passível de cobrança judicial, pois a prostituição não é uma atividade que deva ser estimulada pelo Estado.

De acordo com o Ministério Público do Tocantins, que sustentou a acusação contra a mulher, “não teria o menor cabimento considerar exercício arbitrário das próprias razões – delito contra a administração da Justiça – a atitude do agente que consegue algo incabível de ser alcançado através da atividade jurisdicional do Estado”.

Categoria reconhecida

Em seu voto, o ministro Schietti lembrou que o Código Brasileiro de Ocupações de 2002, do Ministério do Trabalho, menciona a categoria dos profissionais do sexo, o que “evidencia o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo não é ilícita e, portanto, é passível de proteção jurídica”. Além disso, afirmou, a Corte de Justiça da União Europeia considera a prostituição voluntária uma atividade econômica lícita.

Essas considerações, disse o relator, “não implicam apologia ao comércio sexual, mas apenas o reconhecimento, com seus naturais consectários legais, da secularização dos costumes sexuais e da separação entre moral e direito”.

Segundo ele, o processo demonstra que a garota de programa pensava estar exercendo uma pretensão legítima, já que não recebeu os R$ 15,00 prometidos em acordo verbal pelo cliente (o fato ocorreu em 2008). Com a decisão de enquadrar o caso no artigo 345 do Código Penal, a turma reconheceu a prescrição do crime, já que a pena correspondente é bem menor do que na hipótese de roubo.

O recurso ficou assim ementado:

HABEAS CORPUS. ROUBO IMPRÓPRIO. NULIDADE DA SENTENÇA. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. NULIDADE DO ACÓRDÃO. NÃO OCORRÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA EXERCÍCIO ARBITRÁRIO DAS PRÓPRIAS RAZÕES. PRETENSÃO LEGÍTIMA E PASSÍVEL DE DISCUSSÃO JUDICIAL. REGRA. MORAL E DIREITO. SEPARAÇÃO. MUTAÇÃO DOS COSTUMES. SERVIÇO DE NATUREZA SEXUAL EM TROCA DE REMUNERAÇÃO. ACORDO VERBAL. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO. USO DA FORÇA COM O FIM DE SATISFAZER PRETENSÃO LEGÍTIMA. CARACTERIZAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 345 DO CÓDIGO PENAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A matéria atinente à nulidade da sentença não foi submetida à análise pelo colegiado do Tribunal estadual, circunstância que impede seu conhecimento por esta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.
2. Não mais se sustenta, à luz de uma visão secular do Direito Penal, o entendimento do Tribunal de origem, de que a natureza do serviço de natureza sexual não permite caracterizar o exercício arbitrário das próprias razões, ao argumento de que o compromisso assumido pela vítima com a ré – de remunerar-lhe por serviço de natureza sexual – não seria passível de cobrança judicial.
3. A figura típica em apreço relaciona-se com uma atividade que padece de inegável componente moral relacionado aos “bons costumes”, o que já reclama uma releitura do tema, mercê da mutação desses costumes na sociedade hodierna e da necessária separação entre a Moral e o Direito.
4. Não se pode negar proteção jurídica àquelas (e àqueles) que oferecem serviços de cunho sexual em troca de remuneração, desde que, evidentemente, essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis e desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes e não implique violência (não consentida) ou grave ameaça.
5. Acertada a solução dada pelo Juiz sentenciante, ao afastar o crime de roubo – cujo elemento subjetivo não se compatibiliza com a situação versada nos autos – e entender presente o crime de exercício arbitrário das próprias razões, ante o descumprimento do acordo verbal de pagamento, pelo cliente, dos préstimos sexuais da paciente.
6. O restabelecimento da sentença, mercê do afastamento da reforma promovida pelo acórdão impugnado, importa em reconhecer-se a prescrição da pretensão punitiva, dado o lapso temporal já transcorrido, em face da pena fixada.
7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, para restabelecer a sentença de primeiro grau, que desclassificou a conduta imputada à paciente para o art. 345 do Código Penal e, por conseguinte, declarar extinta a punibilidade do crime em questão.

Leia o voto do relator.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): HC 211.888

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