A Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reconheceu o direito de uma servidora pública ter sua jornada de trabalho reduzida de 40 para 20 horas, sem diminuição da remuneração e sem compensação de horário para acompanhamento do filho, menor de idade, com síndrome de Down.
Foram juntados aos autos elementos suficientes que comprovam que a parte autora tem filho com síndrome de Down, apresentando comprometimento neuropsicomotor, com disfunções cognitivas e motoras, necessitando, assim, de acompanhamento constante da genitora em tempo integral, especialmente para conduzi-lo em tratamentos de reabilitação motora, fisioterapia, atendimento pedagógico e outras atividades terapêuticas, cujos procedimentos são indispensáveis para garantir a melhoria de sua condição de vida pessoal e social.
O relator, desembargador federal Francisco de Assis Betti, destacou que a Constituição Federal de 1988 adotou, no seu art. 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e em decorrência desse princípio consagrou em diversos dispositivos constitucionais, a proteção especial às pessoas com deficiência.
Segundo o magistrado, a Lei nº 8.112/90, no § 2º do art. 98 assegurou o direito à redução da jornada de trabalho do servidor com necessidades especiais, sem compensação. Porém o § 3º do mesmo artigo estendia o mesmo benefício ao servidor com cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, mas exigindo, nesse caso, a compensação de horário.
Para o desembargador, a garantia de horário especial, portanto, foi assegurada tanto na hipótese de ser o próprio servidor o portador de necessidades especiais como também nos casos de cônjuge, filho ou dependente com deficiência. “Esse tratamento se coaduna com os preceitos constitucionais, pois permite que o servidor tenha disponibilidade também para auxiliar o tratamento e a assistência de seu familiar com necessidades especiais”, afirmou o magistrado.
Nesse contexto, com base nas normas e garantias veiculadas na Constituição e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, equiparada a normas de hierarquia constitucional, o Colegiado, acompanhando o voto do relator, manteve a redução da jornada da servidora sem necessidade de compensação e sem alteração em sua remuneração.
O recurso ficou assim ementado:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDORA PÚBLICA. REDUÇÃO DE JORNADA DE TRABALHO, SEM COMPENSAÇÃO E SEM ALTERAÇÃO NA REMUNERAÇÃO. ACOMPANHAMENTO DE FILHO/DEPENDENTE PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. HIERARQUIA DE NORMA CONSTITUCIONAL. ART. 5º, §3º, CF/88 (REDAÇÃO DA EC Nº 45/2004). ART. 98, §3º, DA LEI Nº 8.112/90, COM AS ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.370/2016. POSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA.
1. A sentença foi proferida sob a égide do NCPC e, assim, a hipótese não enseja o reexame obrigatório (art. 496, § 3º, I). De consequência, a controvérsia remanescente nos autos fica limitada à matéria objeto do recurso.
2. A Constituição Federal de 1988 adotou, no seu art. 1º, inciso III, o princípio da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e, em decorrência desse princípio, consagrou, em diversos dispositivos constitucionais, a proteção especial aos portadores de deficiência. Nessa diretriz, o Brasil também ratificou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi o primeiro tratado internacional sobre direitos humanos aprovado nos termos do art. 5º, §3º, da CF/88, com a redação dada pela EC nº 45/2004, tendo sido conferido às suas disposições o status de direitos fundamentais.
3. A Lei nº 8.112/90, no § 2º do art. 98, assegura o direito à redução da jornada de trabalho para o servidor portador de necessidades especiais, sem necessidade de compensação, mas o §3º do mesmo artigo estendia o mesmo benefício ao servidor com cônjuge, filho ou dependente portador de deficiência física, com a exigência de compensação de horário.
4. A Lei nº 13.370/2016 atribuiu nova redação ao § 3º do art. 98 da Lei nº 8.112/90, para estender o direito a horário especial ao servidor público federal que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência de qualquer natureza, afastando a exigência anterior de compensação de horário, cujo regramento se coaduna com os preceitos constitucionais, pois permite que o servidor tenha disponibilidade também para auxiliar o tratamento e a assistência de seu familiar portador de necessidades especiais.
5. A prova dos autos demonstra que a parte autora possui filho portador de Síndrome de Down, apresentando comprometimento neuropsicomotor, com disfunções cognitivas e motoras, necessitando, assim, de acompanhamento constante da genitora em tempo integral, especialmente para conduzi-lo em tratamentos de reabilitação motora, fisioterapia, atendimento pedagógico e outras atividades terapêuticas, cujos procedimentos são indispensáveis para garantir a melhoria de sua condição de vida pessoal e social, , o que evidencia a necessidade de acompanhamento constante por parte servidora.
6. Com base nas normas e garantias veiculadas na Constituição e na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, equiparada a normas de hierarquia constitucional, a parte autora faz jus à redução de sua jornada de trabalho para 20 (vinte) horas semanais, sem necessidade de compensação e sem alteração em sua remuneração, conforme decidido na sentença.
7. Mantidos os honorários sucumbenciais arbitrados pelo juízo a quo, majorando-os em 2% (dois por cento), a teor do disposto no art. 85, §11, do NCPC.
8. Apelação desprovida.
Processo nº: 0013387-77.2015.4.01.3400