A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que uma seguradora poderá reter parte do pagamento da indenização do seguro de responsabilidade civil D&O, por haver expressa previsão contratual. O colegiado afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) no caso, tendo em vista que o segurado é pessoa jurídica com capacidade técnica suficiente.
Na origem, houve a contratação de uma apólice de seguro D&O, com o propósito de cobrir os riscos de eventuais prejuízos que os administradores da empresa, no exercício de suas funções, causassem a terceiros. Embora essa modalidade de seguro seja destinada, em regra, à proteção apenas dos executivos, a empresa negociou sua inclusão no contrato, mediante condições específicas, para o caso de reclamações no âmbito do mercado de capitais.
Após acordo em ação coletiva, a empresa pagou valores referentes a prejuízos causados a seus acionistas e ao mercado, mas não recebeu da seguradora o repasse do valor integral. Por isso, acionou a companhia de seguros na Justiça, requerendo a complementação da indenização securitária, no valor de R$ 6,3 milhões.
Cláusula estabelecia desconto no valor da indenização
Em primeira e segunda instâncias, o pedido foi julgado improcedente, ao fundamento de que, com o endosso realizado no contrato, foi admitida a participação proporcional da empresa no sinistro. No recurso dirigido ao STJ, a empresa sustentou que, à luz do direito do consumidor, deveria receber o valor integral da indenização.
O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, observou que houve um endosso no contrato do seguro, a fim de incluir na cobertura o risco relativo a perdas e danos originados no mercado de capitais. Conforme ressaltou, uma das cláusulas específicas negociadas estabelecia o desconto de 10% no valor da indenização securitária devida à pessoa jurídica no caso de sinistro.
O ministro ressaltou que a cláusula de participação foi redigida de forma clara, ficando nítida a anuência da contratante com a retenção de parte da indenização a que teria direito.
Ausência de vulnerabilidade impede incidência do CDC
Bellizze apontou que o artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) trouxe a possibilidade de se considerar consumidora uma pessoa jurídica, desde que seja a destinatária final do produto. No entanto – disse o magistrado –, o STJ adota a teoria finalista mitigada, que privilegia a análise da vulnerabilidade do adquirente do produto ou do serviço em cada caso, a fim de verificar eventual superioridade do fornecedor que justifique a incidência das regras protetivas do CDC.
“Considerar a segurada como hipossuficiente técnica não se mostra plausível, principalmente quando levadas em conta as atividades por ela exercidas e o seu porte econômico, possuindo assessoria e consultoria adequadas para a celebração de contratos de tamanha monta”, comentou. O ministro também afirmou que, no caso, não se pode falar em contrato de adesão (artigo 54 do CDC), pois a negociação de cláusulas entre as partes afasta essa hipótese.
Além disso, Bellizze destacou o fato de que, embora possa haver relação de consumo no seguro empresarial quando a pessoa jurídica contrata a proteção do próprio patrimônio, o seguro D&O busca proteger a atuação dos administradores, servindo, assim, como um insumo à atividade da empresa.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSOS ESPECIAIS. CONTRATO DE SEGURO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. SEGURO RC D&O. INAPLICABILIDADE DO CDC. CLÁUSULA DE PARTICIPAÇÃO. RETENÇÃO DE 10% DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA. REVISÃO DAS CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULAS N. 5 E 7/STJ. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. INCIDÊNCIA DO CPC/1973. MARCO TEMPORAL. SENTENÇA. EQUIDADE. POSSIBILIDADE. RECURSOS ESPECIAIS DESPROVIDOS.
1. Verifica-se que o Tribunal de origem analisou todas as questões relevantes para a solução da lide de forma fundamentada, não havendo falar em negativa de prestação jurisdicional.
2. No âmbito desta Corte Superior se consolidou Teoria Finalista Mitigada acerca da aplicação da legislação consumerista, segundo a qual se prestigia o exame da vulnerabilidade no caso concreto, isto é, se existe, na hipótese analisada, uma evidente superioridade de uma das partes da relação jurídica capaz de afetar substancialmente o equilíbrio da relação.
3. Prevalece o entendimento de haver relação de consumo no seguro empresarial se a pessoa jurídica contrata a proteção do próprio patrimônio, com destinação pessoal, sem o integrar nos produtos ou serviços que oferece, pois, nessa hipótese, atuaria como destinatária final dos serviços securitários.
4. Entretanto, no Seguro RC D&O, o objeto é diverso daquele relativo ao seguro patrimonial da pessoa jurídica, pois busca garantir o risco de eventuais prejuízos causados em consequência de atos ilícitos culposos praticados por executivos durante a gestão da sociedade, o que acaba fomentando administrações arrojadas e empreendedoras, as quais poderiam não acontecer caso houvesse a possibilidade de responsabilização pessoal delas decorrente. Assim, a sociedade empresária segurada não atua como destinatária final do seguro, utilizando a proteção securitária como insumo para suas atividades e para alcançar melhores resultados societários.
5. Ao analisar a questão referente ao montante da indenização securitária, as instâncias ordinárias consignaram que houve um “endosso de cobertura à sociedade” para reclamações de mercado aberto de capitais e que tal endosso introduziu como segurados a pessoa jurídica ora recorrente e os seus conselheiros e diretores, ficando estabelecida a participação proporcional dos segurados no montante de 10% sobre o valor indenizatório, estando tal cláusula redigida de forma clara, sem nenhuma dúvida ou obscuridade. Desse modo, infirmar as conclusões do acórdão recorrido demandaria o reexame de provas e a interpretação de cláusulas contratuais, o que atrai a incidência das Súmulas n. 5 e 7 do Superior Tribunal de Justiça.
6. Conforme a jurisprudência desta Corte, a sentença é o marco temporal para delimitação do regime jurídico aplicável à fixação de honorários advocatícios, de maneira que é indiferente a data do ajuizamento da ação e a data do julgamento dos recursos eventualmente interpostos. Hipótese em que a sentença foi proferida ainda na vigência do CPC/1973, aplicando-se, portanto, as regras nele previstas.
7. Recursos especiais desprovidos.
Leia o acórdão no REsp 1.926.477.