A formalidade está prevista em norma interna do órgão
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho considerou nula a dispensa de uma analista do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas do Estado de Goiás (Sebrae-GO) sem os procedimentos e as formalidades previstas para o desligamento. A decisão segue o entendimento do TST de que as normas internas que fixam condições para a dispensa aderem ao contrato de trabalho.
Dispensa
A analista havia sido admitida em 2010, após aprovação em processo seletivo, e dispensada em 2019. Na reclamação trabalhista, ela disse que, de acordo com as normas relativas a pessoal do Sebrae, as dispensas devem ser precedidas de parecer da Unidade de Gestão de Pessoas (UGP). No seu caso, porém, essa norma foi descumprida, o que, a seu ver, torna sua dispensa nula.
Segundo ela, a decisão de demitir 33 pessoas foi tomada em reunião da diretoria em 1º/4/2019, em razão da suposta necessidade de redução de quadro, após ameaças do governo federal de cortes no Sistema S. O parecer só teria sido emitido no dia seguinte, e as dispensas foram formalizadas em 3/4/1029.
Autonomia
Em sua defesa, o Sebrae argumentou que é um serviço social autônomo que não se submete à regra do concurso público. Portanto, não há limitação ao direito de contratar ou dispensar pessoas conforme suas necessidades, por se tratar de atos discricionários de seus gestores.
Parecer
O pedido de reintegração foi rejeitado pelo juízo de primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região (GO). Pra as instâncias ordinárias, embora a lista das pessoas a serem dispensadas tenha sido elaborada antes do parecer, as demissões só se efetivaram no dia posterior à apresentação do documento, o que validaria o ato.
Procedimentos e formalidades
O relator do recurso de revista da analista, ministro Alberto Bastos Balazeiro, observou que o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que os serviços sociais autônomos não precisam motivar a dispensa de seus empregados. Contudo, é incontroversa a existência de norma interna que exige procedimentos e formalidades para o desligamento. E, nesse sentido, o TST entende que essas normas integram o contrato de trabalho, tornando inválida a rescisão contratual que descumpra o normativo.
Tentativa de regularidade
De acordo com o ministro, no dia seguinte à deliberação da diretoria, a unidade de gestão de pessoas emitiu parecer de modo a não criar obstáculos às dispensas já deliberadas. Mas, a seu ver, a elaboração desse documento não atendeu à finalidade da regulamentação interna, pois não subsidiou nem orientou a tomada de decisão: foi apenas uma tentativa de conferir regularidade formal ao procedimento.
O recurso ficou assim ementado:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E Nº 13.467/2017. ARGUIÇÃO DE NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
Diante da possibilidade de julgamento favorável do mérito recursal, deixa-se de examinar a preliminar arguida, forte no art. 282, § 2º, do CPC.
SEBRAE. DISPENSA IMOTIVADA. NORMA INTERNA QUE ESTABELECE PROCEDIMENTO PRÉVIO PARA O DESLIGAMENTO. EMISSÃO DE PARECER PRÉVIO. FINALIDADE DA NORMA. DESCUMPRIMENTO DA PREVISÃO REGULAMENTAR. NULIDADE DA DISPENSA.
Em face da plausibilidade da indigitada afronta ao art. 444 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.
Agravo de instrumento a que se dá provimento, no tópico.
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.467/17. SEBRAE. DISPENSA IMOTIVADA. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL RECONHECIDA. NORMA INTERNA QUE ESTABELECE PROCEDIMENTO PRÉVIO PARA O DESLIGAMENTO. EMISSÃO DE PARECER PRÉVIO. FINALIDADE DA NORMA. DESCUMPRIMENTO DA PREVISÃO REGULAMENTAR. NULIDADE DA DISPENSA.
1. Discute-se a validade da dispensa da reclamante, empregada do SEBRAE . Tratando-se de recurso interposto pela parte trabalhadora em que se discute a manutenção do vínculo empregatício em meio a procedimento de dispensa que afetou uma pluralidade de empregados, reconhece-se a transcendência social da matéria.
2. É certo que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 789.874, firmou entendimento de que os serviços sociais autônomos, como o reclamado, por não integrarem a Administração Pública, não estão obrigados a realizar concurso público para contratação de pessoal, tampouco se exigindo motivação no ato de dispensa de seus empregados.
3. Nada obstante, revela-se incontroverso nos autos a cogência de norma interna do reclamado que exige a adoção de procedimentos e formalidades para o desligamento de empregados. É pacífico o entendimento desta Corte Superior acerca da aderência ao contrato de trabalho de normas internas que fixam condições procedimentais para a dispensa de seus empregados, revelando-se inválida a rescisão contratual que descumpra o quanto previsto no normativo. Julgado da SDI-1.
4. A teor do quadro fático delineado pelo Tribunal Regional, a norma interna estabelece a exigência de parecer prévio à dispensa, emitido pela unidade responsável. Segundo se extrai do acórdão recorrido e seu complemento, a dispensa da reclamante, ocorrida em 03/04/2019, foi precedida de parecer da unidade responsável, datado de 02/04/2019. Nada obstante, o panorama fático igualmente revela que a dispensa da reclamante e demais empregados foi deliberada em reunião da diretoria, de 1º/04/2019 – anteriormente, portanto, à emissão de qualquer parecer técnico pela área competente.
5. Embora uma interpretação cronológica dos eventos autorizasse compreender que o parecer precedeu a dispensa, sobressai do relato regional que o desligamento da reclamante fora determinado antes da manifestação da área técnica, em reunião que, inclusive, já indicara os motivos – econômicos – para a ruptura do vínculo.
6. É certo que, no dia seguinte à deliberação da diretoria, a unidade de gestão de pessoas emitiu parecer de modo a não obstaculizar as dispensa já deliberadas. Contudo, evidencia-se que a elaboração de referido documento não atendeu à finalidade da regulamentação interna, pois não subsidiou ou orientou a tomada de decisão – que já ocorrera – , vindo apenas a consistir em tentativa de conferir regularidade formal ao procedimento que se dera ao arrepio da previsão normativa. Imperativo de interpretação teleológica da norma. Doutrina.
7. Nessa esteira, conclui-se que, ao revés do que estipula a norma interna erigida pelo próprio reclamado, o processo de demissão da reclamante não foi acompanhado de parecer prévio do setor competente, de modo que foi descumprido, maculando a dispensa.
8. Logo, forçoso concluir que o Tribunal Regional do Trabalho, ao considerar válida a dispensa, a despeito da previsão regulamentar de emissão de parecer prévio pelo órgão competente – que não foi cumprida em sua extensão teleológica -, incorreu em violação do art. 444 da CLT.
Recurso de revista conhecido e provido.
Prejudicados os demais tópicos recursais.
Além de reintegrar a analista, o Sebrae deverá pagar os salários do período de afastamento, com reajustes e demais vantagens. A decisão foi unânime.
Processo: RRAg-10723-55.2019.5.18.0012