SDI-2 mantém decisão que anulou usucapião de imóvel penhorado

 

A Subseção 2 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do Tribunal Superior do Trabalho manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) que anulou o reconhecimento de usucapião de um imóvel da Rami Montagens Industriais S/C Ltda. em benefício da sócia da empresa, que residia no local há mais de 17 anos. O entendimento foi o de que o ato que reconheceu a usucapião e declarou a impenhorabilidade do imóvel violou direito líquido e certo do trabalhador que recebeu o imóvel como pagamento de dívidas trabalhistas.
A reclamação trabalhista originária foi ajuizada por um ex-advogado que trabalhou para a Rami. Sem enviar representantes à audiência de conciliação, a empresa foi condenada à revelia. Na fase de execução, o advogado indicou à penhora o imóvel que servia de residência à sócia e sua família, e foi feita a adjudicação – ato pelo qual se transfere a posse de um bem penhorado ao credor, para pagamento da dívida.
Transcorrido o prazo para embargos à adjudicação sem que houvesse manifestação, a imissão de posse foi determinada em junho de 2008. Em outubro daquele ano, porém, a juíza da 2ª Vara do Trabalho de Araraquara (SP) declarou, de ofício, a nulidade de todos os atos relativos à execução e declarou que o imóvel, como bem de família, era impenhorável.
Usucapião
A decisão de ofício fundamentou-se no fato de o imóvel, de propriedade da empresa, ter sido adquirido para moradia da sócia, e que o credor, como ex-advogado da empresa, tinha conhecimento dessa transação. A juíza afirmou ainda que o advogado tinha meios de subsistência “bem superiores aos da moradora que está sendo desalojada” e considerou, com base no artigo 1.238 do Código de Processo Civil . Finalmente, a declaração de ofício de bem de família também foi considerada abusiva. “Em momento algum houve defesa nesse sentido”, observou o TRT.
Recurso
A sócia recorreu dessa decisão à SDI-2, alegando que a nulidade da execução foi decretada com base em farta documentação jurídica, não sendo, portanto, abusiva. Mas o relator, ministro Caputo Bastos, manteve o fundamento da ilegalidade do ato e da violação do direito líquido e certo do ex-empregado de receber o imóvel para satisfação da dívida trabalhista.
O ministro observou que, naquela ocasião, a execução já se encontrava “perfeita e acabada”: o imóvel já havia sido adjudicado, a carta já havia sido expedida, o seu registro efetuado e o mandado de imissão de posse expedido. Só então a juíza decidiu realizar audiência de conciliação entre o credor e a sócia. Não conseguindo acordo, analisou o problema como “incidente processual para apuração de se tratar ou não de bem de família, portanto impenhorável”, e proferiu a decisão que reconhecia a usucapião. A essa altura, porém, “as questões possessórias envolvendo quem não era parte no processo não poderiam mais ser discutidas pela Justiça do Trabalho, que já havia esgotado sua competência”, afirmou Caputo Bastos.
O relator afastou também a alegação da sócia de não ter sido notificada dos atos de expropriação do imóvel com o entendimento de que ela não era parte do processo nem proprietária do imóvel, que se encontrava em nome da empresa. Quanto à usucapião, seu reconhecimento deveria ser buscado junto à Justiça Comum.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. EXECUÇÃO. ADJUDICAÇÃO. NULIDADE. RECONHECIMENTO INCIDENTAL DA USUCAPIÃO. BEM DE FAMÍLIA.

1. O recorrido impetrou mandado de segurança em face de decisão proferida após a adjudicação do bem, a expedição da respectiva carta e o seu registro, bem como a expedição de mandado de imissão e posse. Isso porque a autoridade coatora declarou incidentalmente a aquisição do bem por usucapião, reconheceu o referido imóvel como bem de família e, por consequência, a sua impenhorabilidade absoluta e declarou a nulidade de todos os atos processuais de execução “ para a plena desconstituição não só da penhora, como ainda da adjudicação, e cancelamento da Carta de Adjudicação, e desfazimento dos atos registrários respectivos ”.

2. Inicialmente, impende destacar que, diferentemente do quanto alegado pela recorrente, todos os elementos necessários ao julgamento do feito podem ser verificados nos documentos trazidos pelo impetrante, os quais se mostram suficientes, de modo que deve ser afastada a incidência da Súmula 415 alegada pelo recorrente.

3. Conforme se depreende dos autos, a reclamação trabalhista foi ajuizada em face da empresa Rami Montagens Industriais S/C Ltda., pertencente ao Sr. Roberto Rodrigues, que a representou nos autos da reclamação trabalhista e Iracema Rodrigues, ora recorrente, que culminou com a condenação ao pagamento de verbas trabalhistas e, já em fase de execução, a adjudicação do bem imóvel que ensejou a impetração do mandado de segurança em questão.

4. De acordo com o apontado ato coator, a adjudicação do imóvel pelo impetrante ocorreu em 19.02.2003, a expedição da respectiva carta se deu em 26.05.2003 e o seu registro foi efetuado em 02.10.2007. Consta ainda da decisão atacada, que a Srª. Iracema Rodrigues “ não figurava no pólo passivo da execução no momento da adjudicação, nem da penhora. Nem agora. Ela é terceiro para fins formais processuais ”, a qual apenas foi notificada da ordem de desocupação do imóvel em 01.04.2008.

5. Verifica-se, desse modo, que a litisconsorte não era parte no processo, razão pela qual não havia sido notificada da penhora, tampouco da adjudicação, a fim de que lhe fosse oportunizada a apresentação de defesa, mas tão-somente a pessoa jurídica da qual era sócia, representada pelo Sr. Roberto Rodrigues. Registre-se, inclusive, que nem mesmo era proprietária do imóvel, já que este se encontrava em nome da reclamada.

6. In casu , constata-se que, por ocasião da prolação do ato coator, a execução já se encontrava perfeita e acabada, tendo em vista que o imóvel já havia sido adjudicado, a carta expedida, o seu registro efetuado e expedido o mandado de imissão e posse, razão pela qual as questões possessórias, envolvendo quem não era parte no processo, não mais poderiam ser discutidas nesta Justiça Especializada, a qual já havia esgotado a sua competência.

7. A autoridade coatora, após a expedição do mandado de imissão na posse, realizou audiência de conciliação entre o impetrante e a litisconsorte – que não era parte no processo -, restando infrutífera, razão pela qual decidiu analisar tais questões como “ incidente processual para apuração da condição de se tratar ou não de bem de família, portanto impenhorável ”, proferindo decisão reconhecendo a usucapião e a qualidade de bem de família do imóvel, tal como acima já registrado.

8. Desse modo, é flagrante a ilegalidade do ato apontado como coator e a violação do direito liquido e certo do impetrante, porquanto proferido quando já exaurida a competência desta Justiça Especializada para analisar questões possessórias que, repita-se, envolviam pessoa estranha à lide, que nem mesmo era proprietária do imóvel.

9. De acordo com o artigo 685-B do CPC, plenamente aplicável nesta Justiça Especializada, a “ adjudicação considera-se perfeita e acabada com a lavratura e assinatura do auto pelo juiz, pelo adjudicante, pelo escrivão e, se for presente, pelo executado, expedindo-se a respectiva carta, se bem imóvel, ou mandado de entrega ao adjudicante, se bem móvel ”.

10. Assim, tendo em vista que a referida decisão foi proferida quando a adjudicação se encontrava perfeita e acabada e, por consequência, encerrada a execução, já que satisfeito o crédito exequente, plenamente cabível o mandado de segurança em análise, face à inexistência de recurso cabível para atacar a decisão impugnada. Saliente-se que o fato da d. autoridade coatora ter mencionado que somente caberia agravo de petição não vincula o egrégio Tribunal Regional, tampouco esta Corte.

11. Afasta-se, desse modo, a alegação da recorrente de que a ausência de notificação dos atos expropriatórios não configura qualquer irregularidade processual, a justificar o reconhecimento da nulidade, tal como alegado nas razões recursais, já que não há qualquer alegação de irregularidade quanto à notificação daquela que efetivamente figurava no pólo passivo da ação principal.

12. Não se pode olvidar que a adjudicação consiste num meio originário de aquisição da propriedade, de modo que ao adjudicante podem ser opostas todas as questões possessórias que poderiam se dar em face do anterior proprietário. Assim, caberia à recorrente ajuizar a ação de usucapião perante a Justiça Comum, a fim de ter reconhecido, ou não, o seu direito.

13. De mais a mais, constata-se que diferentemente do quanto alegado pela recorrente, esta tomou ciência da adjudicação em período anterior àquele em que foi notificada para desocupar o imóvel (01.04.2008), tendo em vista que consta dos autos cópia do julgamento da apelação proferida em ação de arbitramento de aluguel ajuizada pelo impetrante em 2003 (ação 777/03), cuja causa de pedir é a adjudicação de imóvel de propriedade da empresa reclamada, ocorrido em 16.04.2008.

14. Recurso ordinário a que se nega provimento.

Processo: RO-27900-04.2009.5.15.0000

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