Restabelecida decisão que considerou abusiva devolução da comissão de corretagem em rescisão contratual

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em ação rescisória, restabeleceu a eficácia de decisão que considerou abusiva a cláusula contratual que exigia da corretora a devolução da comissão de corretagem na hipótese de rescisão da venda do imóvel.

A ação rescisória foi proposta por uma corretora para rescindir acórdão proferido pela Quarta Turma do STJ, segundo o qual, não havendo a conclusão da venda do imóvel por desistência das partes, é indevido o pagamento da comissão de corretagem.

Por maioria, ao acompanhar o voto do ministro Marco Buzzi, a Segunda Seção julgou a rescisória procedente, enfatizando a distinção entre desistência – antes da celebração do contrato – e rescisão por inadimplemento contratual.

Efetiva interm​ediação

Segundo os autos, a corretora foi contratada por uma construtora para intermediar a venda de imóveis residenciais. Porém, segundo a corretora, não houve o pagamento pela concretização dos negócios, o que a levou a entrar na Justiça. A construtora foi condenada a pagar mais de R$ 500 mil a título de comissão de corretagem.

O juiz concluiu que houve a efetiva intermediação dos negócios, ainda que posteriormente rescindidos por falta de pagamento das prestações. A decisão, mantida em segunda instância, foi reformada no STJ.

Na ação rescisória, a corretora sustentou que o acórdão da Quarta Turma, ao entender não ter sido concluída a venda das unidades, incorreu em erro de fato, visto que a concretização dos contratos não era ponto controvertido.

Para a corretora, não houve as apontadas desistências, mas sim a rescisão de contratos em razão da falta de pagamento por parte dos compradores.

Outros con​​tornos

Em seu voto, o ministro Marco Buzzi afirmou que a discussão do processo recebeu “outros contornos” quando do julgamento do recurso especial pela Quarta Turma.

Segundo ele, nas demandas em que construtoras e corretores discutem se é ou não devida a comissão de corretagem, é comum haver controvérsia sobre os contornos fáticos da negociação, na qual se analisam as circunstâncias relativas à intermediação imobiliária – em especial, se essa atividade viabilizou a formação de consenso entre as partes quanto aos elementos essenciais do negócio de compra e venda.

Porém, Marco Buzzi declarou que a controvérsia, no caso analisado, não se estabeleceu em relação ao cumprimento dos objetivos da corretagem, mas sim em torno da validade da cláusula contratual que afastava o direito da corretora às comissões na hipótese de rescisão do contrato por ela viabilizado inicialmente.

“A discussão travada na origem da demanda subjacente se deu, a rigor, sobre a possibilidade de o contrato de corretagem, firmado sob a égide do Código Civil de 1916, estabelecer como motivo para o não pagamento ou a determinação de devolução das comissões eventual rescisão ocorrida, por óbvio, após ultimada a celebração da compra e venda e, acrescente-se, absolutamente alheia a qualquer conduta da corretora”, explicou.

Erro de ​​fato

Como lembrou o ministro, as instâncias ordinárias concluíram que eventual distrato não prejudicaria o pagamento da comissão de corretagem, pois a intermediação já teria alcançado sua finalidade. “Não há que se falar – porque, de fato, nada se disse na sentença e no acórdão – a respeito de suposta desistência na compra dos apartamentos”, assinalou.

De acordo com Marco Buzzi, ao entender que a venda dos imóveis não foi concluída, a Quarta Turma incorreu em erro de fato, visto que não houve desistência dos contratos antes da celebração, mas rescisão por inadimplemento contratual.

“É incontroverso nos autos originários que a concretização dos negócios fora, sim, perfectibilizada, tendo sido considerada existente, apenas nesta instância superior, uma circunstância fática efetivamente não ocorrida, o que viabiliza a rescisão do julgado” – concluiu o ministro.

O recurso ficou assim emetado:

AÇÃO RESCISÓRIA – COMISSÃO DE CORRETAGEM – ACÓRDÃO RESCINDENDO QUE REPUTOU NÃO PERFECTIBILIZADOS OS NEGÓCIOS JURÍDICOS DE COMPRA E VENDA ANTE SUPOSTA DESISTÊNCIA DOS ADQUIRENTES – MODIFICAÇÃO SUBSTANCIAL DOS CONTORNOS FÁTICOS CONFERIDOS À LIDE – ERRO DE FATO CARACTERIZADO – PROCEDÊNCIA DA RESCISÓRIA.
A questão controvertida cinge-se à ocorrência de erro de fato no julgamento do acórdão rescindendo que concluiu que a compra e venda dos imóveis não foi perfectibilizada dada a suposta desistência dos compradores, em sentido oposto ao quanto estabelecido na origem.
1. É incontroverso dos autos originários que os negócios de compra e venda foram concretizados, tendo sido apenas no âmbito desta Corte Superior considerada existente uma circunstância fática efetivamente não ocorrida (desistência).
1.1 Diversamente do referido no julgado rescindendo, a discussão travada na origem da demanda subjacente fora limitada à possibilidade de o contrato de corretagem, firmado sob a égide do Código Civil de 1916, estabelecer como motivo para o não pagamento ou determinação de devolução de comissões de corretagem, eventual rescisão contratual dos ajustes imobiliários, por circunstâncias absolutamente alheias à conduta da corretora, após já ultimada a celebração da compra e venda.
1.2 O erro de fato está demonstrado, pois o acórdão rescindendo considerou ocorrente a desistência dos pactos para, a contar desse entendimento, afastar a comissão de corretagem, quando, em verdade, segundo o apurado pelas instâncias ordinárias, na hipótese sub judice já estava exitosamente cumprida a obrigação da corretora, dever este que se esgotou na bem sucedida aproximação das partes interessadas ante a inequívoca celebração dos contratos de compra e venda.
1.3 Na hipótese, portanto, ressoa inegável o equívoco de premissa (erro de fato) no acórdão rescindendo, uma vez que afastou o direito ao percebimento da comissão de corretagem como se os negócios imobiliários não tivessem sido perfectibilizados, ao passo que nitidamente o foram, caso contrário, a discussão, na origem, não se daria à luz da rescisão desses contratos.
2. Em juízo rescisório, o recurso especial da construtora sequer ultrapassa a admissibilidade recursal.
2.1 Dada a circunstância de ter sido expressamente afastada pela Corte local a possibilidade de incidência do artigo 722 do Código Civil de 2002, nos exatos termos do quanto pretendido pela parte insurgente, absolutamente incoerente a postulação recursal nesse ponto, não havendo falar em retroatividade indevida da norma do Código Civil de 2002, o que atrai, por analogia, o óbice da Súmula nº 284⁄STF.
2.2 O fundamento principal do acórdão então recorrido não foi o art. 722 do CC⁄2002, cuja aplicação restou por ele expressamente afastada, mas a abusividade de determinada cláusula do contrato de intermediação imobiliária, fundamento esse que, a despeito de central ao deslinde da controvérsia não foi devidamente impugnado nas razões do especial, fazendo incidir o óbice da  súmula 283⁄STF.
2.3 Mesmo que assim não fosse, para que essa Corte Superior pudesse compreender em sentido diverso do quanto estabelecido pelo Tribunal de origem no concernente à alegada ausência de abusividade contratual por onerosidade excessiva, ou mesmo acerca de suposta desistência dos negócios antes da sua celebração, seria imprescindível promover a reanálise dos aspectos fático-probatórios dos autos, notadamente quanto à qualificação e conduta das partes, procedimento que não se coaduna à competência desta Corte Superior ante o óbice da Súmula n. 7⁄STJ.
3. Ainda que considerados ultrapassados os óbices afetos ao conhecimento do reclamo e pudesse esta Corte Superior proceder a um reexame da tese adotada na origem (in abstracto), melhor sorte não socorreria a parte ora insurgente.
3.1 Carece de razoabilidade, em uma contratação vinculada à percepção de comissão de corretagem decorrente de venda de unidades habitacionais – consideradas perfectibilizadas mediante o trabalho de aproximação e intermediação empreendido pela corretora – seja reputada válida uma cláusula contratual que estabelece como motivo para o não pagamento ou determinação de devolução das comissões, eventual rescisão ocorrida, após já ultimada a concretização dos negócios e, absolutamente alheia a qualquer conduta da corretora.
3.2 Tal como referido pela Corte local, disposição contratual nesse sentido viola a boa-fé, a equidade, enseja o enriquecimento indevido e vincula o direito a evento futuro e incerto, acabando por modificar, inclusive, os prazos prescricionais estabelecidos pelo legislador, em uma completa desnaturação do negócio jurídico de corretagem, com desequilíbrio e ampliação de álea contratual que afrontam o princípio da comutatividade dos contratos.
4. Ação Rescisória procedente dado o erro de fato autorizador da rescisão do julgado. Em juízo rescisório, dá-se provimento ao agravo regimental interposto pela autora no AgRg no REsp nº 1.066.792⁄MS e não se conhece do recurso especial interposto pela parte ré (construtora).
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): AR 5812

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