A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou humoristas do programa Pânico na TV e a TV Ômega Ltda. (Rede TV!) a pagar indenização de R$ 20 mil por violação dos direitos de imagem e intimidade de uma mulher. A autora do recurso especial teve o corpo e o rosto expostos no quadro “Vô, num vô” divulgado na televisão e na internet.
Ela estava em uma praia em Florianópolis quando foi abordada pelos humoristas Carlos Alberto da Silva e Marcus Vinícius Vieira, os quais, interpretando os personagens Mendigo e Mano Quietinho, gravavam o quadro em que avaliavam os atributos físicos das mulheres, com o intuito de entregar adesivos com os dizeres “Vô” ou “Num vô”.
A autora alegou que, mesmo se recusando a participar do programa, foi surpreendida por pessoas do seu ciclo social que a reconheceram nas gravações. Segundo narrou na ação judicial, as imagens foram usadas sem autorização, em um contexto desrespeitoso e com insinuações de natureza sexual, tendo sido exibidas pela televisão nos programas Pânico na TV e A tarde é sua. Além disso, estavam disponíveis em vídeos na internet e também em um videoclipe de música composta com participação dos dois humoristas.
A ação de indenização por danos morais foi julgada procedente em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento à apelação dos humoristas. Para o tribunal paulista, não houve dano, pois não teria sido possível identificar a autora nas imagens, uma vez que ela havia escondido o rosto.
Direito à imagem
O relator do caso no STJ, ministro Marco Aurélio Bellizze, destacou que, segundo o juiz de primeiro grau, embora o rosto tenha aparecido apenas de perfil e de longe, sua identificação nas imagens é possível. O ministro também considerou o fato incontroverso de que não houve autorização, nem sequer implícita, para a veiculação das imagens, sendo certo que, mesmo escondendo o rosto, a autora teve o corpo filmado e divulgado.
Bellizze ressaltou ainda que, ao contrário do que constou no acórdão do TJSP, “o direito à imagem é muito mais amplo do que apenas a proteção ao rosto da pessoa”, abrangendo todos os atributos que identifiquem o indivíduo.
“A divulgação de todo o corpo da recorrente, a despeito de seu rosto aparecer apenas de perfil, como delineado na sentença, configura manifesta violação ao seu direito de imagem, independentemente de saber se alguém de seu ciclo social a reconheceu ou não na filmagem, bastando que ela própria tenha se identificado, como, de fato, ocorreu”, disse o ministro.
Tempo e local
De acordo com o relator, não prospera o fundamento do acórdão do TJSP de que a indenização não seria devida em razão do curto tempo de transmissão das imagens – pouco mais de cinco segundos. Sem autorização, afirmou ele, a divulgação da imagem do indivíduo não pode ser veiculada nem por um segundo, menos ainda no contexto de “um programa humorístico de caráter significativamente apelativo e, por vezes, vexatório e humilhante”.
Além disso, acrescentou Bellizze, ao contrário do que alegou a emissora, o fato de a recorrente estar em local público não é suficiente para afastar o reconhecimento do dano moral, já que as filmagens foram focadas em seu corpo.
Liberdade de imprensa
Segundo o ministro, diante da recusa da recorrente em participar do quadro humorístico, a Rede TV, cuja estação é a TV Ômega, deveria ter apagado a parte da gravação em que ela aparece. Todavia, ao divulgá-la sem autorização, violou seu patrimônio moral.
“A liberdade de imprensa não pode servir de escusa a tamanha invasão na privacidade do indivíduo, impondo-lhe, como ocorrido no caso concreto, além da violação de seu direito de imagem, uma situação de absoluto constrangimento e humilhação”, declarou o relator.
Seguindo o voto do ministro Bellizze, a Terceira Turma restabeleceu a condenação e fixou o valor da indenização por danos morais em R$ 20 mil, com juros de mora desde a data da filmagem. Além disso, determinou que as imagens da autora não sejam mais exibidas, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO RECORRIDO. QUESTÕES DEVIDAMENTE APRECIADAS. JULGAMENTO ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. PEDIDO EXPRESSO DE IMPROCEDÊNCIA TOTAL DOS PEDIDOS FORMULADOS NA APELAÇÃO DOS RÉUS. VEICULAÇÃO DA IMAGEM DA AUTORA, ORA RECORRENTE, EM PROGRAMA DE TELEVISÃO, EM CONTEXTO DESRESPEITOSO E COM INSINUAÇÕES DE NATUREZA SEXUAL, SEM AUTORIZAÇÃO. PROGRAMA “PÂNICO NA TV”. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DA AUTORA (IMAGEM E PRIVACIDADE). DANO MORAL DEVIDAMENTE CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO PARCIALMENTE.
1. O propósito recursal é definir, a par da adequação da tutela jurisdicional prestada (omissões no acórdão recorrido e julgamento ultra petita), se a veiculação da imagem da recorrente, no programa “Pânico na TV”, afrontou seus direitos da personalidade, a ensejar a condenação por danos morais.
2. Não houve a apontada negativa de prestação jurisdicional, pois o Tribunal de origem analisou todas as questões suscitadas pelas partes e suficientes para o deslinde da controvérsia, inexistindo, assim, qualquer omissão no acórdão recorrido.
3. Havendo pedido expresso dos réus, no recurso de apelação, no sentido da improcedência total dos pedidos formulados pela autora, não há que se falar em julgamento ultra petita.
4. Sempre que houver agressão a algum direito da personalidade do indivíduo estará configurado o dano moral, a ensejar a devida compensação indenizatória.
4.1. Na hipótese, a conduta dos réus em divulgar na mídia (televisão e internet) o corpo da autora em trajes de banho, ainda que o rosto tenha sido parcialmente encoberto, sem a sua autorização, em contexto desrespeitoso e com insinuações de natureza sexual, no quadro “Vô, num vô”, do programa humorístico “Pânico na TV”, com fins comerciais, violou o seu patrimônio moral, notadamente os direitos da personalidade concernentes à imagem e à privacidade da recorrente.
4.2. O fato de a filmagem ter sido feita em local público não é suficiente para afastar, no caso concreto, o reconhecimento do dano moral. Isso porque não foram feitas imagens gerais da praia em que a recorrente estava, mas, sim, na verdade, o propósito da filmagem foi justamente o de explorar a imagem da recorrente, no contexto do respectivo quadro humorístico, em que os repórteres avaliavam os atributos físicos das mulheres, a fim de justificar a entrega do adesivo “Vô” ou “Num vô”, a revelar a existência de dano moral indenizável, independentemente de qualquer prejuízo, nos termos do que proclama a Súmula n. 403/STJ.
4.3. A liberdade de imprensa não pode servir de escusa a tamanha invasão na privacidade do indivíduo, impondo-lhe, além da violação de seu direito de imagem, uma situação de absoluto constrangimento e humilhação.
4.4. Tal o quadro delineado, é de rigor a condenação dos réus em indenização por danos morais, fixada no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), com juros de mora a partir da data do evento danoso, e correção monetária a partir deste julgamento, além da obrigação inibitória fixada na sentença.
5. Recurso especial parcialmente provido.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1728040