O Ministério Público Federal (MPF) recorreu ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) da sentença que absolveu um homem pela prática dos crimes de tráfico internacional de drogas e disparo de arma de fogo por entender não haver provas suficientes de autoria.
Conforme denúncia oferecida pelo MPF, o acusado tentou matar três policiais militares para assegurar a execução de tráfico de drogas em região limítrofe com a Bolívia. Como argumento do recurso, o MPF sustentou que a autoria foi comprovada por meio dos Termos de Reconhecimento por Fotografia, pelo Auto de Apresentação e Apreensão e pelos testemunhos prestados em juízo.
Inutilidade da prova – A relatora, juíza federal convocada pelo TRF1 Olívia Mérlin Silva, afirmou que o reconhecimento realizado pelos policiais militares envolvidos no ocorrido confere relevante valor probatório apresentado na tese do MPF. Contudo, explicou a magistrada que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) sustenta que mesmo realizado em conformidade legal o reconhecimento pessoal, embora válido, não tem força de prova absoluta, não podendo, por si só, estabelecer com certeza a autoria, sendo esse também o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme consta nos autos, não existem outros elementos que comprovem a autoria do crime, exceto o reconhecimento fotográfico, complementou a relatora. Desse modo, somente a apreensão da motocicleta pertencente ao acusado não é suficiente para vinculá-lo automaticamente ao ilícito, somado ao fato de que o MPF não apresentou outros elementos comprobatórios convincentes, impondo-se a absolvição do acusado, afirmou.
A juíza destacou, ainda, que as circunstâncias amplamente desfavoráveis de visibilidade e o relevante lapso temporal entre o fato e o reconhecimento também colaboraram para descredibilizar o testemunho dos policiais quanto à capacidade de identificação do autor do ilícito.
De acordo com a magistrada, considerando que o reconhecimento promovido pelos policiais no caso em questão não atendeu às formalidades dispostas no Código de Processo Penal, ficou determinada a nulidade e inutilidade como meio de prova.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS (ARTIGOS 33, § 1°, III C/C ART. 40, I, LEI 11.343/2006). DISPARO DE ARMA DE FOGO (ART. 15, CAPUT, LEI 10.826/2003). RECONHECIMENTO PESSOAL. EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. VIOLAÇÃO AO ART. 226 DO CPP. AUTORIA DELITIVA. INEXISTÊNCIA DE OUTRAS PROVAS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DO MPF DESPROVIDA. 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL interpôs Apelação em face da sentença que julgou improcedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, por inexistir prova suficiente para a condenação, e ABSOLVEU o acusado da imputação dos delitos previstos nos artigos 33, § 1°, III c/c art. 40, I, ambos da Lei 11.343/2006 c/c art. 15, caput da Lei 10.826/03. A tese recursal confere relevante valor probatório ao reconhecimento do acusado realizado pelos policiais militares envolvidos no episódio. 2. O Superior Tribunal de Justiça promoveu marcante alteração em seu entendimento, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC, conferindo nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento até então vigente de que referido o artigo constituiria “mera recomendação” e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos. Na ocasião, foram apresentadas quatro conclusões, destacando-se: o reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime. À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo; 3. Por ocasião do julgamento HC 712.781, o STJ avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n. 598.886/SC e decidiu que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica. O Supremo Tribunal Federal comunga do mesmo posicionamento. 4. O só reconhecimento da nulidade absoluta do dito reconhecimento não possui alcance de infirmar, automaticamente, na medida em que o decreto condenatório subsistirá caso esteja alicerçado em outros elementos de prova. Precedentes do STJ e STF. Ocorre, porém, que na hipótese dos autos, excluído o reconhecimento fotográfico por ausência de preenchimento dos requisitos legais, não subsiste qualquer elemento de prova que comprove a autoria delitiva. Parece evidente que a só apreensão da motocicleta de propriedade do acusado como instrumento do crime não é suficiente para vinculá-lo automaticamente, notadamente quando a tese defensiva desde o primeiro momento é no sentido de que teria alugado o veículo para terceira pessoa. 5. Não se verifica do exame atento da prova produzida standard probatório condizente com juízo de certeza que exclua qualquer dúvida razoável quanto à autoria delitiva. O Ministério Público Federal deixou de apresentar elementos probatórios convincentes, acima de dúvida razoável, para impor uma condenação. Deve-se aplicar ao caso o princípio in dúbio pro reo, mantendo-se a absolvição. 6. Apelação do MPF desprovida.
Assim, conforme o voto da relatora, a 3ª Turma do TRF1 decidiu manter a sentença absolutória.
Processo:0000090-45.2016.4.01.3601