A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) reformou decisão e recebeu integralmente uma denúncia de porte e transporte de ouro sem autorização legal. Dessa forma, o processo penal continuará seguindo normalmente.
Na 1ª instância, a 4ª Vara Federal de Roraima (SJRR) havia rejeitado a denúncia do crime de posse e transporte de cerca de 9kg de ouro por entender que o Ministério Público Federal (MPF) falhou na exposição do fato criminoso, em todas as circunstâncias, ao não indicar que norma extrapenal complementa o art. 2º da Lei 8.176/1991 (crime contra a ordem econômica).
O MPF recorreu ao TRF1 sob o argumento de que “o réu se defende dos fatos e não da capitulação legal e o julgador não deve se prender a formalismos exagerados”. Sustentou o ente público que a ausência da norma não deve causar a inépcia da petição inicial, invocando o princípio geral do direito iura novit curia (o juiz conhece o direito).
Indícios de autoria e materialidade – Coube ao desembargador federal Olindo Menezes a relatoria do processo. Na análise do caso, o relator verificou que a rejeição da petição inicial ocorreu por não conter os atos normativos que configuram o que seria a “autorização legal”. Sendo o ouro uma matéria-prima pertencente à União (art. 22, X, da Constituição Federal), exige-se comprovação documental da autorização para posse de matéria-prima pertencente à União, de acordo com a lei, explicou o magistrado.
A previsão da comprovação documental da origem lícita do ouro não exige identificação de uma norma secundária específica para a configuração do crime, mas apenas a demonstração de que o possuidor tem ou não autorização para ter e transportar o ouro, destacou.
De acordo com a petição inicial, nenhuma documentação autorizativa foi apresentada, observou, completando que “a denúncia descreve a conduta supostamente delituosa, em termos de tempo, lugar e circunstâncias, com apontamento de indícios suficientes de autoria e materialidade, o que justifica o seu recebimento, nos termos do art. 41 do Código de Processo Penal”.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA A ORDEM ECONÔMICA (LEI 8.176/91). POSSE E TRANSPORTE DE OURO (8.971 GRAMAS), SEM A RESPECTIVA AUTORIZAÇÃO LEGAL. DENÚNCIA. REQUISITOS MÍNIMOS DO ART. 41. PRESENTES. DESNECESSIDADE DE INDICAÇÃO EXPLICÍTA DA LEGISLAÇÃO COMPLEMENTADORA DO TIPO PENAL DEFINIDO NO ART. 2º DA LEI 8.176/91. REFORMA DA DECISÃO. INTEGRAL RECEBIMENTO DA DENÚNCIA (NA FASE DO ART. 397 DO CPP).
1. Não deve ser rejeitada a denúncia que, em princípio, preenche os requisitos do art. 41 – CPP e está acompanhada de prova da materialidade e de indícios de autoria do crime, ainda que submetidos à confirmação na instrução.
2. Sendo o ouro uma matéria-prima pertencente à União Federal nos termos do art. 22, IX da CF/88, exige-se da pessoa surpreendida na sua posse que demonstre documentalmente a sua origem lícita, circunstância que, independentemente de norma penal secundária, configura, em tese, a prática do delito do art. 2º da Lei 8.176/91.
3. A norma penal do art. 2º da Lei 8.176/1991, ao descrever a necessidade de autorização legal para a posse de matéria prima pertencente à União, não exige a identificação de uma norma secundária específica que lhe complemente para a configuração do tipo penal, mas apenas a demonstração de que o possuidor da matéria prima pertencente à União tem ou não autorização para tê-la, não havendo que se falar em norma penal em branco.
4. Recurso em sentido estrito provido. Recebimento integral da denúncia.
Com essas considerações, o magistrado votou no sentido de reformar a decisão para receber integralmente a denúncia e dar continuidade ao processo penal, sendo acompanhado pela 4ª Turma.
Processo: 0002150-32.2019.4.01.4200