A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que um proprietário rural pague 10 minutos, como extras, a cada 90 minutos de prestação de serviço a um trabalhador da lavoura canavieira. A decisão resulta do entendimento de que, embora a norma que obriga a concessão de pausas para os trabalhadores rurais não estabeleça como serão esses descansos, os empregadores não podem se eximir de respeitá-la.
A Norma Regulamentadora 31 (NR 31) do Ministério do Trabalho, que trata da segurança e da saúde no trabalho na agricultura e pecuária, exige a concessão de pausas nas atividades realizadas em pé ou que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica. Porém, não estabelece a duração nem a regularidade em que devem ser deferidas essas pausas e não trata das consequências em caso de descumprimento.
Ao requerer o pagamento dos intervalos como hora extra, o cortador de cana afirmou que a Norma Regulamentadora 15 (NR 15) caracteriza o trabalho na lavoura canavieira como pesado, exaustivo, forçado, penoso e fatigante por sua própria natureza. Sustentou que a concessão das pausas é obrigatória e que a supressão obriga ao pagamento acrescido do adicional extraordinário. Também argumentou que o intervalo intermitente do trabalhador rural pode ser concedido com base no artigo 72 da CLT, que prevê pausas de 10 minutos a cada 90 minutos de trabalho consecutivo para os que trabalham permanentemente com serviços de mecanografia.
O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) manteve a sentença que julgou improcedente o pedido do cortador. Para o TRT, a não concessão das pausas definidas na NR 31 constituiria infração meramente administrativa, “contra a qual a lei não prevê a pena pretendida pelo cortador de cana (pagamento de horas extras referentes à pausa não concedida, e que, por se tratar de sanção, não pode ser aplicada por analogia)”.
TST
Com entendimento diverso do TRT, a relatora do recurso de revista, ministra Kátia Magalhães Arruda, destacou que o fato de a NR 31 não estabelecer como serão concedidos os descansos não exime os empregadores de respeitá-la nem o juiz de deferir a reparação por seu descumprimento. Ela frisou que, de acordo com o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. E lembrou que o artigo 8º da CLT prevê a analogia como fonte de integração do direito.
Para a relatora, o disposto no artigo 72 da CLT se aplica ao caso em julgamento, por analogia. Ela enumerou decisões da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), responsável pela uniformização das decisões do TST, que levam em conta situações similares à examinada e demonstram, a seu ver, o entendimento do Tribunal sobre a matéria.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DOS RECLAMADOS. RECURSO DE REVISTA. ANTERIOR A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014, DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST, E DA LEI Nº 13.467/2017. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO PRIMEIRO DE ADMISSIBILIDADE E DE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA.
1 – O juízo primeiro de admissibilidade do recurso de revista exercido no TRT está previsto no § 1º do art. 896 da CLT, de modo que não há violação constitucional, quando o recurso é denegado em decorrência do não preenchimento de pressupostos extrínsecos ou intrínsecos, procedimento que não se confunde com juízo de mérito, e, portanto, não configura cerceamento de defesa.
2 – Preliminar rejeitada.
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CALOR EXCESSIVO.
1 – O Tribunal Regional consignou que o reclamante exercia a função de trabalhador rural na lavoura canavieira na região do Município de Paraguaçu Paulista-SP (local onde formam prestados os serviços em sítios próprios e arrendados do reclamado), espaço geológico no qual predominam as temperaturas quentes, o que inclusive foi apurado nas medições feitas pelo perito.
2 – Constou, ainda, na decisão recorrida que o reclamante trabalhava exposto a calor excessivo, razão pela qual faz jus ao adicional de insalubridade, visto que o agente está catalogado no Anexo 3 da NR-15, do Ministério do Trabalho, acrescentando que, mesmo que se considere o uso de EPIs, esses não reduzem a incidência do agente agressor.
3 – Nesse sentido, a decisão do TRT está de acordo com a OJ n° 173, II, da SBDI-1 do TST, que assim dispõe: “Tem direito ao adicional de insalubridade o trabalhador que exerce atividade exposto ao calor acima dos limites de tolerância, inclusive em ambiente externo com carga solar, nas condições previstas no Anexo 3 da NR 15 da Portaria nº 3214/78 do MTE” . Há julgados.
4 – Incidência do art. 896, § 4º, da CLT.
5 – Agravo de instrumento a que se nega provimento.
HORAS EXTRAS. INTERVALO INTRAJORNADA. FALTA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. SÚMULA N° 422 DO TST.
1 – Quanto ao tema “HORAS EXTRAS”, o juízo primeiro de admissibilidade do recurso de revista denegou-lhe seguimento com base em dois fundamentos jurídicos autônomos, quais sejam: a) porque a decisão do TRT está em consonância com a disposição da Súmula n° 338, I, do TST, motivo pelo qual aplicou a Súmula n° 333 do TST; e, b) em face do óbice da Súmula n° 126 do TST.
2 – Contudo, nas suas razões de agravo de instrumento, a parte não impugna o fundamento jurídico autônomo pelo qual o TRT negou seguimento ao recurso de revista quanto ao tema “HORAS EXTRAS”, qual seja, o óbice da Súmula n° 126 do TST. A parte se limita a afirmar que a Sumula n° 338 do TST é inaplicável ao caso dos autos, porque “não houve determinação judicial para a juntada dos cartões de ponto”.
3 – No tocante ao tema “INTERVALO INTRAJORNADA”, o juízo primeiro de admissibilidade do recurso de revista denegou-lhe seguimento com base em dois fundamentos jurídicos autônomos, quais sejam: a) porque a decisão do TRT está em consonância com a disposição da Súmula n° 437, I, do TST, motivo pelo qual aplicou a Súmula n° 333 do TST; e, b) em face do óbice da Súmula n° 126 do TST.
4 – No entanto, nas suas razões recursais, a agravante não impugna nenhum dos fundamentos pelos quais o seu recurso de revista teve seguimento denegado, quanto ao tema “INTERVALO INTRAJORNADA”, o que não se admite.
4 – A não impugnação específica, nesses termos, leva à incidência da Súmula nº 422 do TST, que em seu inciso I estabelece que “Não se conhece de recurso para o Tribunal Superior do Trabalho se as razões do recorrente não impugnam os fundamentos da decisão recorrida, nos termos em que proferida” (interpretação do art. 514, II, do CPC/73 correspondente ao art. 1.010, II e III, do CPC/2015).
5 – Ressalte-se que não está configurada a exceção prevista no inciso II da mencionada súmula ( “O entendimento referido no item anterior não se aplica em relação à motivação secundária e impertinente, consubstanciada em despacho de admissibilidade de recurso ou em decisão monocrática” ).
6 – Agravo de instrumento a que se nega provimento.
TEMPO À DISPOSIÇÃO. TROCA DE EITO. CORTE DE CANA. TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR.
1 – O Tribunal Regional, com base no conjunto fático-probatório, consignou que “no que se refere ao tempo a disposição deferido pela Vara na razão de 15 minutos, entendo que os depoimentos testemunhais colhidos nas provas emprestadas acima transcritas comprovam que os empregados permaneciam este tempo aguardando a distribuição dos eitos” .
2 – Nos termos do art. 4º da CLT, “considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada” . Assim, compõe a jornada de trabalho o tempo à disposição do empregador no centro de trabalho, com ou sem a efetiva prestação de serviços.
4 – A troca de eito é inerente ao trabalho do cortador de cana-de-açúcar, e não há dúvida de que esse período constitui tempo à disposição do empregador, motivo pelo qual deve integrar sua jornada para todos os efeitos. Há julgados.
5 – Incidência da Súmula nº 333 do TST, e do art. 896, § 4º, da CLT.
6 – Agravo de instrumento a que se nega provimento.
II – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E DA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. INTERVALO INTERMITENTE. TRABALHADOR RURAL. PAUSAS PREVISTAS NA NR-31 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 72 DA CLT.
1 – A Norma Regulamentar nº 31 do MTE dispõe sobre a obrigatoriedade de concessão de pausas para os trabalhadores rurais, em atividades realizadas em pé, ou que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica. Porém, não consigna o tempo, qual a quantidade e com qual regularidade devem ser deferidas essas pausas, muito menos a consequência para o não cumprimento da norma.
2 – O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal prevê como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Há previsão, ainda, no art. 13 da Lei nº 5.889/73, que estatui normas reguladoras do trabalho rural, de que “nos locais de trabalho rural serão observadas as normas de segurança e higiene estabelecidas em portaria do ministro do Trabalho e Previdência Social” e, nesse sentido, foi aprovada a mencionada NR-31.
3 – O fato da NR-31 não estabelecer como serão concedidos esses descansos (tempo, quantidade e consequência de descumprimento) não exime os empregadores de respeitar a norma, e o juiz de deferir a reparação de seu descumprimento. Isso porque o art. 4º da LINDB dispõe que, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. No mesmo sentido o art. 8º da CLT, ao prever a analogia como fonte de integração do direito.
4 – Assim, ao caso deve ser aplicado, por analogia, o disposto no art. 72 da CLT. Julgados da SBDI-I do TST.
5 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
HORAS IN ITINERE . FIXAÇÃO POR NORMA COLETIVA.
1 – No caso, verifica-se que, quanto ao referido tema, o recurso de revista fundado unicamente em divergência jurisprudencial.
2 – Contudo, os arestos colacionados, nas razões do recurso de revista, não atendem ao comando do art. 896, a , da CLT, pois são provenientes de Turmas do TST.
3 – Recurso de revista de que não se conhece.
HORAS IN ITINERE . BASE DE CÁLCULO.
1 – O Tribunal regional firmou tese no sentido de que, quanto às horas in itinere, “a fixação do piso salarial com adicional de 50% como base de cálculo do pagamento (…) por seu turno, não se qualifica como abusiva, pois durante esse interregno o empregado não está produzindo” .
2 – A SBDI-1 desta Corte já firmou entendimento de que a base de cálculo das horas in itinere deve ser a mesma aplicada às horas extras, por representarem verdadeiro tempo à disposição do empregador, conforme estabelecido nos arts. 4° e 58, §2°, da CLT. Há julgados.
3 – Nesse contexto, deve ser reformada a decisão do TRT que manteve o cálculo das horas in itinere com base no piso.
4 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.
A decisão foi unânime.
Processo: ARR-1891-25.2011.5.15.0100