Uma candidata a vaga de concurso público realizado pela Assessoria em Organização de Concursos Públicos (AOCP) para a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) ganhou na justiça o direito de participar das demais fases para o cargo de Assistente Administrativo, do quadro de pessoal do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG), após ter reconhecida sua condição de pessoa preta/parda. O pedido havia sido negado em recurso administrativo.
A AOCP e a EBSERH apelaram ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). O processo foi distribuído para a relatoria do desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, membro da 5ª Turma.
No recurso, a EBSERH alegou que não teria legitimidade passiva para figurar como ré porque o indeferimento do processo foi praticado pela AOCP, mas esse argumento foi afastado pelo relator. O magistrado verificou que a EBSERH, por ter autonomia para rever os atos referentes ao concurso, além de homologar o resultado final, pode figurar como ré no processo.
Já a AOCP afirmou que o Poder Judiciário não pode substituir a decisão da banca examinadora do concurso e que o método de heteroidentificação que não enquadrou a candidata como pessoa preta ou parda está de acordo com o Supremo Tribunal Federal (STF) e com a legislação.
Analisando a questão principal do processo, Brandão explicou que as políticas afirmativas têm por objetivo realinhar meios de acesso e de competitividade para que grupos raciais, sociais ou étnicos, bem como indivíduos que necessitam da proteção específica do Estado, possam exercer seus direitos.
Segundo o desembargador, conforme jurisprudência do STF, o Poder Judiciário, no controle da legalidade dos atos, não pode substituir a banca examinadora para reavaliar conteúdo de questões e critérios de correção utilizados, mas no que tange à verificação da legalidade dos atos, os certames não estão imunes à apreciação do Judiciário. A Suprema Corte decidiu também que é “legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios de heteroidentificação. Porém, frisou a necessidade de observância aos princípios da dignidade da pessoa humana, do contraditório e da ampla defesa”, argumentou o relator.
Laudo bem elaborado e fundamentado – No caso concreto, prosseguiu, o laudo pericial concluiu que “a examinada tem características raciais de miscigenação negra – parda – com notada ascendência negra por parte de sua avó paterna”, confirmando a autodeclaração da candidata como pessoa parda nos termos da Lei 12.990/2014.
“As conclusões da perícia judicial, pelo fato de serem proferidas por terceiro imparcial e equidistante dos interesses das partes, devem ser acatadas quando apresentadas em laudo bem elaborado e fundamentado”, afirmou Brandão.
Além disso, o magistrado verificou que a candidata já havia sido aprovada na cota de bolsas destinadas a negros do Programa Universidade para Todos (PROUNI) com bolsa de estudos de 100% para seus estudos de graduação em curso superior.
Portanto, deve ser observado o princípio da segurança jurídica porque “a aferição carregada de subjetivismo prejudica a necessária previsibilidade dos certames públicos”, concluiu.
O recurso ficou assim ementado:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCURSO PÚBLICO. EMPRESA BRASILEIRA DE SERVIÇOS HOSPITALARES – EBSERH. ASSISTENTE ADMINISTRATIVO. EXTENSÃO DAS PRERROGATIVAS DE FAZENDA PÚBLICA PARA A EBSERH. IMPOSSIBILIDADE. LEGITIMIDADE PASSIVA DA EBSERH CONFIRMADA. SISTEMA DE COTAS RACIAL. VERACIDADE COMPROVADA PELA PERÍCIA JUDICIAL. POSSIBILIDADE.
1. A isenção de custas concedida à União e suas autarquias não abrange as empresas públicas federais, não havendo como, portanto, dispensar a EBSERH do ressarcimento das custas recolhidas pela impetrante caso eventualmente saia vencida na demanda. (AMS 0074092-75.2014.4.01.3400, Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, Sexta Turma, e-DJF1 12/12/2017).
2. Também não merece prosperar a alegação de ilegitimidade passiva, porquanto a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH possui autonomia para rever os atos referentes ao concurso público em questão, além de ser a responsável pela deflagração do certame, homologação do seu resultado final e provimento dos cargos.
3. No caso dos autos, verifica-se que a autora prestou concurso público para o Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás – HC-UFG, regido pelo Edital nº 03/2015, para o provimento de cargos de Assistente Administrativo pelo sistema de cotas racial, tendo se autodeclarada parda. Aprovada na primeira etapa, ao passar por avaliação pela comissão de heteroidentificação, foi invalidada a sua autodeclaração. Impugnada em recurso administrativo, foi mantida a decisão.
4. O laudo pericial, realizado nos autos, concluiu “que a examinada tem características raciais de miscigenação negra – parda – com notada ascendência negra por parte de sua avó paterna”, confirmando, assim, a autodeclaração da candidata como pessoa parda, nos termos da Lei 12.990/2014 (laudo nas páginas 53/59 da rolagem direta do ID 45514560).
5. É certo que as conclusões da perícia judicial, pelo fato de serem proferidas por terceiro imparcial e equidistante dos interesses das partes, devem ser acatadas quando apresentadas em laudo bem elaborado e fundamentado. Assim, a prova produzida em juízo, que entendeu pela confirmação da autodeclaração da apelada como parda, deve prevalecer em relação à decisão da banca examinadora que realizou o processo de heteroidentificação.
6. Além disso, verifica-se que a apelada foi selecionada para a cota de bolsas destinadas a negros, indígenas e deficientes do Programa Universidade pata Todos – PROUNI, tendo sido aprovada para o recebimento de bolsa integral para frequentar curso de nível superior (páginas 28/30 de rolagem direta do ID 45514561). Destarte, deve-se preservar o princípio da segurança jurídica, porquanto a aferição carregada de subjetivismo prejudica a necessária previsibilidade dos certames públicos.
7. Apelações desprovidas.
A decisão do Colegiado foi unânime no sentido de manter a sentença nos termos do voto do relator.
Processo: 0003417-10.2016.4.01.3500