Pena imposta contra acusado por tráfico internacional de cocaína deve ser atenuada quando ele confessa o crime espontaneamente

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) deu parcial provimento à apelação de um copiloto de um avião proveniente da Bolívia preso em flagrante pelo tráfico internacional de 662,253 kg de cocaína importada da Bolívia, que pediu a redução de sua pena. Ele foi preso junto com o piloto da aeronave que transportava a droga, mas depois confessou o crime espontaneamente.

O réu entrou com recurso contra a sentença que o condenou a 20 anos, 9 meses e 22 dias de reclusão e 1.476 dias-multa. Pelo crime de tráfico de drogas a pena foi fixada em 13 anos, 7 meses e 10 dias de reclusão e 1.360 dias-multa. Já por expor a perigo embarcação ou aeronave ficou em 7 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão e 116 dias-multa.

De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), a aeronave em que estavam não pousou ao ser interceptada pela Força Aérea Brasileira (FAB) e depois teve que fazer um pouso forçado na área rural da cidade de Jussara/GO. Eles foram presos em flagrante.

Ao julgar a apelação, o relator, juiz federal convocado Érico Rodrigo Freitas Pinheiro, considerou que as penas aplicadas merecem ser reformadas. A primeira, pelo crime de importação de drogas prevista no artigo 33 da Lei 11.343/2006, diz que a pena de reclusão é de 5 a 15 anos e o pagamento de 500 a 1.500 dias-multa. Assim, ele considerou que “não se mostra desarrazoada” a fixação da pena-base em 10 anos de reclusão e 1.000 dias-multa.

No caso de o réu ter atentado contra a segurança do transporte aéreo, o magistrado destacou que a pena não pode ser agravada, conforme determina o artigo 62 do Código Penal. Isso porque há a atenuante da confissão espontânea e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que essa agravante é incompatível com o delito de tráfico ilícito de entorpecentes, que tem o intuito de lucro. “Nesse ponto, deve ser reformada a dosimetria para afastar a agravante”, disse.

A 4ª Turma do TRF1, por unanimidade, deu parcial provimento à apelação, para reduzir a pena pelo tráfico de drogas de 13 anos, 07 meses e 10 dias de reclusão e 1.360 dias-multa para 11 anos, 8 meses e 1.167 dias-multas; e por atentar contra a segurança do transporte aéreo de 7 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão e 116 dias-multa para 6 anos e 97 dias-multa, nos termos do voto do relator.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. ART. 33, CAPUT, C/C ART. 40, I, DA LEI 11.343/2006. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE TRANSPORTE AÉREO. ART. 261, §§ 1º E 2º, DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DOSIMETRIA DA PENA. AJUSTE. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

  1. Apelação interposta pelo réu em face de sentença que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condená-lo às penas do art. 33, caput, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006; e art. 261, §§ 1º e 2º, combinado com o art. 29, ambos do CP, por três vezes, na forma do art. 71, do mesmo regramento normativo.

  2. Pela prática do crime de tráfico de drogas a pena ficou definitivamente fixada em 13 (treze) anos, 07 (sete) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 1.360 (mil, trezentos e sessenta) dias-multa; pela prática do crime disposto no art. 261 do CP, a pena ficou definitivamente prevista em 07 (sete) anos, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 116 (cento e dezesseis) dias-multa. Após unificação, a pena ficou definitivamente fixada em 20 (vinte) anos, 09 (nove) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 1.476 (mil, quatrocentos e setenta e seis) dias-multa.

  3. Segundo a denúncia, o réu, na data de 26/06/2017, juntamente com corréu, mediante divisão de tarefas, em desacordo com a determinação legal e regulamentar, de forma livre e consciente, transportavam e traziam consigo em aeronave, após importação do país vizinho (Bolívia/BO), para fins de tráfico, a quantidade de 662,253 kg (seiscentos e sessenta e seis quilogramas e duzentos e cinquenta e três gramas) da substância entorpecente cocaína. O MPF narra também que os acusados, agindo de forma livre e consciente, atentaram contra a segurança do transporte aéreo quando, ao ser a aeronave interceptada pela Força Aérea Brasileira – FAB, desobedeceram ordem de pouso e tentaram se evadir, realizando pouso forçado na área rural da cidade de Jussara/GO.

  4. Materialidade e autoria do delito previsto no art. 261, §§ 1º e 2º, do CP ficaram demonstradas pelo Auto de prisão em flagrante dos acusados; Informação prestada com base em levantamento junto à Infraero/Cuiabá, com fotografias dos acusados, no dia 25/06/2017, no local de embarque de aeronaves particulares, quando o corréu se identificou como sendo o piloto da aeronave PT-IIJ e o réu como copiloto; Laudo de perícia criminal federal (informática), com análise dos receptores GPS, marca GARMIN, modelo AERA 660, e outro da mesma marca, mas modelo AERA 500; Auto de apreensão nº 411/2007, referente ao avião de prefixo PT-IIJ, fabricante PIPER AIRCRAFT, modelo PA-23-250, nº de série 27-4854, categoria de registro TPP; Nota oficial da Força Aérea Brasileira, comunicando que, no dia 25/06/2017, o avião A-29 Super Tucano da Força Aérea Brasileira interceptou o avião bimotor, PT-IIJ, na região de Aragarças/GO, resultando na apreensão da cocaína; assim como pelos depoimentos das testemunhas e interrogatório do réu.

  5. Materialidade e autoria do delito previsto no art. 33, caput, c/c art. 40, inciso I, da Lei 11.343/2006, demonstradas pelo: (i) Auto de prisão; (ii) Auto de apresentação e apreensão nº 379/2017; (iii) Auto de apresentação e apreensão nº 380/2017; (iv) Laudo de perícia criminal federal (química forense); (v) Certidão de inteiro teor do registro aeronáutico de propriedade da aeronave; (vi) Informação prestada com base em levantamento junto à INFRAERO/CUIABÁ, com fotografias dos acusados, no dia 25/06/2017, quando o réu se identificou como sendo o copiloto da aeronave PT-IIJ; (vii) Laudo de perícia criminal federal (informática), com análise dos receptores GPS, marca GARMIN, modelo AERA 660, e outro da mesma marca, mas modelo AERA 500, que atestou que a decolagem da aeronave se deu em território boliviano; (viii) Auto de apreensão nº 411/2007, referente ao avião de prefixo PT-IIJ, fabricante PIPER AIRCRAFT, modelo PA-23-250, nº de série 27-4854, categoria de registro TPP, encontrado com avarias; (ix) Nota da Força Aérea Brasileira comunicando que o avião A-29 Super Tucano da Força Aérea Brasileira interceptou o avião bimotor, PT-IIJ, na região de Aragarças/GO, resultando na apreensão de cerca de 500k (quinhentos quilos) de cocaína; (x) assim como pelos depoimentos das testemunhas e interrogatório do réu.

  6. Dosimetria. O juízo a quo considerou corretamente o concurso material entre as duas condutas, haja vista que o agente, mediante mais de uma ação, praticou dois crimes diferentes, devendo, portanto, aplicar-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido (CP, art. 69).

  7. Crime previsto no art. 33, caput, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006. No caso, considerando que o delito previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006 é apenado com reclusão de 05 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, não se mostra desarrazoada a fixação da pena-base em 10 (dez) anos de reclusão e 1.000 (mil) dias-multa, com base na natureza (cocaína) e quantidade (662,253 kg) previstas no art. 42 da Lei 11.343/2006, e, ainda, com fundamento nas circunstâncias do crime (uso de aeronave, o que dificulta a atuação policial e a repressão ao narcotráfico). Assim, mantém-se a pena-base em 10 (dez) anos de reclusão e 1.000 (mil) dias-multa.

  8. Na segunda fase, presentes as agravantes previstas no art. 62, I e IV, do CP e a atenuante da confissão espontânea disposta no art. 65, III, “d”, do CP, o que resultou na pena de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 1.166 (mil cento e sessenta e seis) dias-multa.

  9. Neste ponto, deve ser reformada a dosimetria para afastar a agravante prevista no art. 62, IV, do CP e compensar integralmente a agravante prevista no art. 62, I, do CP com a atenuante da confissão espontânea na segunda fase da dosimetria, mantida a pena em 10 (dez) anos de reclusão e 1.000 (mil) dias-multa.

  10. Não se aplica a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, tendo em vista que ficou demonstrada a ligação do réu com Apoena Índio do Brasil Siqueira Rocha e outras pessoas não identificadas para o tráfico internacional de drogas, além de o volume do carregamento de drogas aliado à compra e ao uso de aeronave para o transporte indicarem que o réu trabalha para organização criminosa com altíssimo poder aquisitivo.

  11. Incide a causa de aumento prevista no art. 40, I, da Lei 11.343/2006 no patamar de 1/6 (um sexto), ficando a pena definitiva em 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 1.167 (mil cento e sessenta e sete) dias-multa.

  12. Crime previsto no art. 261, §§ 1º e 2º, do CP. No caso, o delito é apenado com reclusão de 04 (quatro) a 12 (doze) anos. O magistrado considerou a culpabilidade do réu intensa, em razão “desobedecer à ordem do piloto da Força Aérea Brasileira, provocou o início do protocolo para defesa do espaço aéreo brasileiro. Ainda assim, mesmo com os tiros efetuados para persuadi-lo a cumprir as determinações da defesa aérea, com novo comando para o pouso obrigatório, o acusado não respondeu, vindo a pousar somente na zona rural de Jussara-GO”. Considerou também as consequências do delito, tendo em vista que “(…) os impactos extrapenais negativos foram graves, pois demonstrada elevada ofensa ao bem jurídico tutelado, que transcende práticas hodiernas. Ao realizar o pouso forçado, em área rural, o acusado não apenas expôs a risco e dificultou a navegação aérea, mas também danificou a aeronave e expôs a risco concreto de lesão as pessoas daquela localidade”. Portanto, escorreita a fixação da pena-base em 06 (seis) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa.

  13. Correta a aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “b”, do CP, haja vista que o réu praticou o crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem do crime de tráfico internacional. Presente também a atenuante da confissão, portanto, compensando a agravante com a atenuante, a pena permanece em 06 (seis) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa.

  14. O magistrado aplicou o aumento previsto art. 71 do CP por considerar que o réu praticou por três vezes o delito do art. 261 do CP, em razão de ter apresentado dois planos de voos diversos do que havia registrado junto ao órgão controlador e ter desobedecido à ordem de parada (pouso em local determinado) provocando disparos pelo piloto do caça da Força Aérea Brasileira e, por fim, ter realizado o pouso forçado que destruiu a aeronave.

  15. Em que pese o entendimento do magistrado de primeira instância as condutas descritas foram todas realizadas na consecução de um crime previsto no art. 261, §§ 1º e 2º do CP, tanto que a pena é aumentada se do fato ocorrer a “queda ou destruição de aeronave” e “se o agente pratica o crime com intuito de obter vantagem econômica”. Portanto, tendo sido o réu apenado com a forma qualificada do delito não cabe falar em mais de um crime em continuidade delitiva. Assim, a pena definitiva fica em 06 (seis) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa.

  16. Tendo em vista as penas definitivamente aplicadas ao crime de tráfico internacional de drogas, no patamar de 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 1.167 (mil, cento e sessenta e sete) dias-multas; e ao crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo em 06 (seis) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa, as penas unificadas perfazem o total de 17 (dezessete) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 1.264 (mil duzentos e sessenta e quatro) dias-multa.

  17. Apelação a que se dá parcial provimento para reduzir as penas do réu pela prática do delito previsto no art. 33, caput, c/c art. 40, I, da Lei 11.343/2006 de 13 (treze) anos, 07 (sete) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 1.360 (mil trezentos e sessenta) dias-multa para 11 (onze) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 1.167 (mil cento e sessenta e sete) dias-multa; e pela prática do delito previsto no art. 261, §§ 1º e 2º, do CP, de 07 (sete) anos, 02 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 116 (cento e dezesseis) dias-multa para 06 (seis) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa.

Processo 0032486-53.2017.4.01.3500

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