Pena de multa pode ser convertida em prestação de serviços nos casos de guarda doméstica de pássaros silvestres

A 6ª Turma do TRF 1ª Região, de forma unânime, confirmou sentença que coverteu a multa pecuniária imposta à parte autora em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. Segundo os autos, a autora foi autuada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a pagar multa de R$ 3,5 mil por manter em sua posse sete pássaros da fauna silvestre brasileira.

Contra a citada autuação, a autora ajuizou ação anulatória na Justiça Federal requerendo a declaração de nulidade do procedimento administrativo, bem como da multa dele proveniente, ou, alternativamente, o reconhecimento de ausência de lesão ao ambiente, na conduta de guarda doméstica, sem captura ou maus-tratos aos animais.

Em primeira instância o pedido foi julgado parcialmente procedente para que fosse convertida a multa a multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente, mediante a assunção de obrigações, por intermédio de termo de compromisso. Autora e Ibama recorreram ao TRF1 contra a sentença.

A autora defendeu que houve desrespeito ao prazo de 30 dias para a homologação do auto de infração e que sua condenação ao pagamento de multa somente poderia ter sido tomada em âmbito de processo criminal, empreendidas pelo magistrado competente. Argumentou que, em se tratando de autuação decorrente de infração ambiental que impôs, há regra específica que exige a indicação dos fatos sopesados para a fixação do montante da sanção pecuniária. Pontuou que os animais mantidos em cativeiro não podem ser considerados silvestres, mas, sim, domesticados, não se configurando, portanto, lícita a imputação de multa ou a apreensão dos animais.

O Ibama, por sua vez, sustentou que a legislação impõe como regra a imposição de multa, configurando a conversão medida excepcional. “A possibilidade de conversão da multa, quando requerida pelo interessado, deve ser apreciada discricionariamente no âmbito do processo administrativo punitivo. Não cabe ao Poder Judiciário substituir o administrador no momento de avaliar a conveniência e oportunidade da conversão”, apontou. Por fim, advertiu que a conversão da multa em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente possui a natureza de transação, ato bilateral, exigindo manifestação positiva da Administração, o que não ocorreu no prazo em apreço.

Decisão – “A alegação de que a domesticação dos pássaros afasta risco à função ecológica da fauna não impressiona. A lesão ao meio ambiente consiste na subtração dos pássaros. Uma vez retirados da natureza, a norma sancionadora incide. Não faria qualquer sentido isenção de pena para o caso de animais que não mais ostentassem condição de voltar ao habitat”, disse o relator, juiz federal convocado Roberto Carlos de Oliveira, em seu voto.

O magistrado acrescentou que, na apelação, a autora tece considerações genéricas sobre o que considera fundamento para a aplicação da pena de advertência em lugar à de multa. “A desconstituição da decisão consistiria em substituição de um juízo por outro, porquanto discussão, por si só, não torna inadequada, no caso concreto, a pena de multa”, esclareceu.

Com relação aos argumentos apresentados pelo Ibama, o relator citou precedente do TRF1 segundo o qual “as normas sobre a matéria permitem a conversão da multa em prestação de serviços, sendo medida mais adequada ao panorama fático-probatório trazido aos autos, tendo em vista a guarda doméstica de animais, as condições do infrator e as circunstâncias do evento que não apontam para a intenção de obter vantagens financeiras”.

O recurso ficou assim ementado:

AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO. GUARDA DOMÉSTICA DE PÁSSAROS DA FAUNA SILVESTRE. PENA DE MULTA CONVERTIDA EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. POSSIBILIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS EM FAVOR DA DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO. CABIMENTO. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA EM PARTE. APELAÇÃO DO IBAMA NÃO PROVIDA. 1.Trata-se de apelações interpostas pela parte autora, representada pela Defensoria Pública da União, e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) de sentença em que se julgou parcialmente procedente o pedido (subsidiário) para converter “a multa pecuniária simples imposta à parte autora em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”. 2. Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, encontra-se que “ultrapassar o prazo limite de trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração ambiental não ocasiona por si só a nulidade do processo administrativo, principalmente quando não houver alegação nem demonstração de prejuízo.” (REsp 1420708/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2014, DJe 10/11/2014.). No mesmo sentido, da jurisprudência desta Corte, colhe-se APELAÇÃO 00083524720084013800, DESEMBARGADOR FEDERAL JIRAIR ARAM MEGUERIAN, TRF1 – SEXTA TURMA, e-DJF1 DATA:23/04/2018. 3. “4. A Lei n. 9.605 /98 traz não só normas e infrações de natureza penal, mas também de natureza administrativa. A conjunção de ambas confere base legal à imposição da pena administrativa, sem prejuízo das sanções penais, conforme já decidiu o STJ, sob a relatoria da Ministra Denise Arruda, no julgamento do REsp 1.091.486/RO: “(…) a norma em comento (art. 46 da Lei n. 9.605/98), combinada com o disposto no art. 70 da Lei 9.605/98, anteriormente mencionado, confere toda a sustentação legal necessária à imposição da pena administrativa, não se podendo falar em violação do princípio da legalidade estrita (…)”. (AC 0002621-36.2009.4.01.3800/MG, Rel. JUIZ FEDERAL EVALDO DE OLIVEIRA FERNANDES, filho, QUINTA TURMA, e-DJF1 de 15/03/2016). 4. Examinando o auto de infração, verifica-se que foi feita a descrição da infração e a tipificação dada pela lei, pormenorizadamente, incluindo a base de cálculo da multa, prevista no Decreto n. 3.179/99. Conforme bem lançado na sentença, a autuação foi objeto de parecer jurídico. Intimada da homologação do auto, a autora apresentou defesa. E, após a homologação do auto, manifestou-se novamente sobre o quanto lhe era imputado. Não se vislumbra, pois, em que estaria a alegada “ausência de individualização das sanções administrativas aplicadas”, nem prejuízo, para a defesa, que decorresse dessa alegada “ausência de individualização”. 5. O raciocínio jurídico que busca desqualificar a lesão ao meio ambiente baseado na quantidade de espécimes envolvida carece de dimensionamento. Sabe-se que há animais em extinção, cujo número de espécimes pode ser contado nos dedos. A apreensão de um único espécime desse quantitativo pode significar a consumação da extinção da espécie. 6. Nesta Corte, já se decidiu que, na verdade, “II – A proteção que se dispensa à fauna só pode ser efetiva se estendida a cada um de seus exemplares, pois a agressão a cada indivíduo é que põe em risco a própria espécie.” (TRF 1ª Região – Terceira Turma – RCCR 199701000610023/GO – Rel. juiz Cândido Ribeiro – publicado no DJ de 30.09.1999, p. 90). 7. A alegação de que a “domesticação” dos pássaros afasta “risco à função ecológica da fauna” também não impressiona. A lesão ao meio ambiente consiste na subtração dos pássaros. Uma vez retirados da natureza, a norma sancionadora incide. Não faria qualquer sentido isenção de pena para o caso de animais que não mais ostentassem condição de voltar ao habitat. Desafiando a lógica, bastaria que o infrator lesionasse o espécime para escapar da sanção. 8. Poder-se-ia cogitar de perdão, previsto na Lei n. 9.605/98, aplicável às infrações administrativas conforme previsão do Decreto n. 3.179/99 (vigente à época). Ocorre que não se trata de superar mera tipificação legal. Relevar a norma protetiva, mesmo com base em considerações de eloquente base filosófica, confronta, na verdade, a matriz constitucional de proteção ao meio ambiente, a que todos, incluída a autora, estão jungidos. No ponto: REsp 1637841/MG. 9. Não há, tecnicamente, como ver na base de cálculo da multa interferência no juízo sobre adequação das penas. São fases distintas. Primeiro, decide-se se é o caso ou não de aplicação de pena e qual pena é adequada. Depois, se a pena for a de multa, é considerada a base de cálculo. Seria o caso de se discutir se o coeficiente definido pela lei, em si mesmo, é exacerbado, mas, à míngua de apontamento de relevância sobre a expressão monetária, afastar a disposição legal consistiria apenas em substituir um juízo por outro, sem justificativa (em afronta ao princípio da motivação/fundamentação das decisões administrativas e judiciais). 10. É firme a jurisprudência no sentido de que a autoridade não está obrigada à gradação de penas: “6. Não constitui dever da Administração Pública primeiramente advertir para somente depois aplicar a multa simples. A escolha do tipo de sanção para o caso concreto é verificada de acordo com o grau de gravidade da conduta infracional, os antecedentes do infrator e a situação econômica, conforme previsto no artigo 6º da Lei 9.605/1998. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.141.100/PE, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 19.10.2017; AgInt no AREsp 938.032/MG, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 15.12.2016; REsp 1.318.051/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 12.5.2015. (…)”. REsp 1710683/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 25/05/2018. 11. A autora tece considerações genéricas sobre o que considera fundamento para a aplicação da pena de advertência em lugar à de multa. Contudo, a desconstituição da decisão consistiria em substituição de um juízo por outro, porquanto discussão, por si só, não torna inadequada, no caso concreto, a pena de multa. 12. “O Supremo Tribunal Federal, por meio de seu Plenário, concluiu pela possibilidade de condenação da União ao pagamento de honorários de sucumbência em favor da Defensoria Pública da União, afastando a aplicação do entendimento constante do enunciado nº 421 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça” (AC n. 0002587-71.2017.401.38063/MG – Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian – Sexta Turma Ampliada – DJ de 01.12.2017). 13. O princípio da inafastabilidade da jurisdição implica que controle do ato administrativo na esfera judicial, especialmente pela via ordinária, independente sequer de prévio recurso administrativo. Não há se falar em preclusão para o juiz de matéria não suscitada no processo administrativo. 14. As normas sobre a matéria permitem a conversão da multa em prestação de serviços, sendo medida mais adequada ao panorama fático-probatório trazido aos autos, tendo em vista a guarda doméstica de animais, as condições do infrator e as circunstâncias do evento que não apontam para a intenção de obter vantagens financeiras. (AC 0042500-11.2013.4.01.3800/MG, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 de 5/9/2016); (AC 0021112-28.2008.4.01.3800/MG, Rel. Juiz Federal Evaldo de Oliveira Fernandes, filho, Quinta Turma, e-DJF1 de 12/11/2015). 15. Apelação da autora provida, em parte, apenas para condenar o IBAMA a lhe pagar honorários no importe de R$ 2.000,00 (dois mil reais), nos termos do CPC/73, art. 20, § 4º. 16. Apelação do IBAMA não provida.

Processo nº: 0065810-51.2010.4.01.3800

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