O uso de paródia em campanha publicitária com fins comerciais não viola os direitos autorais da obra originária. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento a recurso especial em que a Universal Music do Brasil pedia a retirada de propaganda que parodiava o verso inaugural da música “Garota de Ipanema”.
A campanha de uma empresa de hortifrutigranjeiros tinha como mote a alteração do verso “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça” para “Olha que couve mais linda, mais cheia de graça”. A propaganda foi divulgada no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, em formato digital e impresso.
Na ação ajuizada contra a empresa e a agência de publicidade, a Universal – que detém 50% dos direitos patrimoniais da canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes – pedia a suspensão da divulgação das peças publicitárias, além de indenização por danos materiais e morais pelo uso não autorizado da obra. Ela alegou que a propaganda não configuraria paródia, uma vez que a ressalva às paródias e às paráfrases do artigo 47 da Lei 9.610/98 não se aplicaria quando houvesse finalidade comercial.
Censura
Em seu voto, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, lembrou que a Lei de Direitos Autorais exige que a paródia não constitua verdadeira reprodução da obra originária. Além disso, não pode ter conotação depreciativa ou ofensiva, implicando descrédito à obra de referência ou, por extensão, ao seu autor. “Não se extrai da lei, pois, o requisito de que a criação possua finalidade não lucrativa ou não comercial, conforme defendido pela recorrente”, afirmou.
“Assim, compreende-se que impedir o uso de paródias em campanhas publicitárias apenas porque esse tipo de obra possui como finalidade primeva o uso comercial implicaria, por via transversa, negar o caráter inventivo de uma campanha publicitária, inibindo a liberdade de criação e, em última análise, censurando o humor”, esclareceu o ministro em seu voto.
Subjetividade
Para Villas Bôas Cueva, o juízo acerca da licitude da paródia depende das circunstâncias fáticas de cada caso e envolve um certo grau de subjetivismo do julgador ao aferir a presença dos requisitos de comicidade, distintividade e ausência de cunho depreciativo, conforme exigido pela legislação.
“O limite a separar a paródia da violação de direitos autorais é tênue e está estritamente relacionado com as circunstâncias fáticas de cada caso concreto”, ressaltou.
Para o relator, o conteúdo da campanha em análise não deprecia a obra originária, ficando claro que “possui intuito irreverente, caricatural, humorístico”. Além disso, observou o ministro, por terem sido veiculadas em formato impresso e digital, as peças não reproduziram a melodia, limitando-se a fazer mera alusão a um dos versos que compõem a letra, alterando a versão original da poesia de forma satírica.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. DIREITOS AUTORAIS. OBRA LITEROMUSICAL. ALTERAÇÃO DE LETRA. CAMPANHA PUBLICITÁRIA. PARÓDIA. CARACTERIZAÇÃO. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO CONFIGURAÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A paródia é lícita e consiste em livre manifestação do pensamento, desde que não constitua verdadeira reprodução da obra originária, ou seja, que haja uma efetiva atividade criativa por parte do parodiador, e que não tenha conotação depreciativa ou ofensiva, implicando descrédito à criação primeva ou ao seu autor. O art. 47 da Lei nº 9.610/1998 não exige que a criação possua finalidade não lucrativa ou não comercial. 3. Na hipótese, o acórdão recorrido consignou que a campanha publicitária, promovida em formato impresso e digital, fez mera alusão a um dos versos que compõem a letra da canção “Garota de Ipanema”, alterando-o de forma satírica e não depreciativa, sem reproduzir a melodia de coautoria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.
4. A publicidade é técnica de comunicação orientada à difusão pública de produtos, empresas, serviços, pessoas e ideias, que também envolve a atividade criativa.
5. O juízo acerca da licitude da paródia depende das circunstâncias fáticas de cada caso concreto e envolve um certo grau de subjetivismo do julgador ao aferir a presença dos requisitos de comicidade, distintividade e ausência de cunho depreciativo, conforme exigido pela legislação de regência.
6. A divergência jurisprudencial pressupõe a existência de similitude fática entre os arestos confrontados, o que não ocorre na espécie.
7. Recurso especial não provido.
Leia o acórdão.