Para Terceira Turma, multa prevista em acordo homologado judicialmente tem natureza de cláusula penal

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, entendeu que a multa prevista em acordo homologado judicialmente tem natureza jurídica de multa contratual (cláusula penal), e não de astreintes. Assim, a sua redução se submete às normas do Código Civil (CC).

O colegiado negou provimento ao recurso especial de uma imobiliária que sustentou que a multa por atraso no cumprimento de obrigação, pactuada em transação homologada judicialmente, caracteriza astreinte, e, por isso, poderia ser revisada a qualquer tempo, por força do artigo 537, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil (CPC), a partir da interpretação conferida a esse dispositivo pela jurisprudência do STJ.

Um grupo de pessoas ajuizou ação de obrigação de fazer contra a imobiliária, e as partes acabaram fazendo acordo que foi homologado em juízo. Ficou acertado que a imobiliária promoveria os atos tendentes à instituição de condomínio, com apresentação de minuta da convenção, e foi fixada multa diária para o caso de descumprimento da obrigação.

Para o TJMG, coisa julgada impediria alteração do acordo homologado

Alegando que a outra parte não fez o prometido, os autores da ação deram início à fase de cumprimento de sentença e pediram o pagamento da multa. Na impugnação, a imobiliária requereu a redução do valor da multa, sustentando que se trataria de astreintes, o que permitiria sua revisão pelo juízo a qualquer tempo.

Rejeitada a impugnação, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) decidiu que o instituto da coisa julgada impede a redução ou a modificação da multa fixada em acordo que, pactuado livremente entre as partes, foi homologado em juízo.

Cláusula penal pode ser reduzida nas hipóteses do Código Civil

A relatora do recurso no STJ, ministra Nancy Andrighi, observou que a transação é um contrato típico (artigo 840 e artigo 842 do CC), de modo que a multa discutida no caso, por decorrer do acordo formulado entre as partes, tem natureza jurídica de multa contratual: é a chamada cláusula penal, regulamentada nos artigos 408 a 416 do CC.

A magistrada ressaltou que o artigo 413 do CC prevê expressamente que a multa deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo em vista a natureza e a finalidade do negócio.

“Trata-se de norma cogente e de ordem pública, de modo que, a despeito da formação de coisa julgada pela decisão que homologa a transação entabulada entre as partes, a cláusula penal nela prevista deve ser reduzida pelo juiz se caracterizada uma das hipóteses do artigo 413″, declarou a ministra.

A relatora explicou que, como a multa prevista em transação homologada judicialmente tem natureza de cláusula penal, e não de astreinte, a imobiliária deveria ter fundamentado o pedido de revisão do valor com base no artigo 413 do CC, e não no artigo 537, parágrafo 1º, do CPC. Além disso, ela comentou que a análise de eventual desproporcionalidade da cláusula penal só ocorre excepcionalmente em recurso especial, em razão da Súmula 5 e da Súmula 7 do STJ.

O recurso ficou assim ementado:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSAÇÃO HOMOLOGADA JUDICIALMENTE. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC⁄2015. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 632 E 633 DO CPC⁄1973. RECONHECIMENTO DA PRECLUSÃO PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. FUNDAMENTO NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283⁄STF. MULTA CONVENCIONADA PELAS PARTES EM TRANSAÇÃO JUDICIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE ASTREINTE. NATUREZA JURÍDICA DE CLÁUSULA PENAL. REDUÇÃO A QUALQUER TEMPO. DEVER DO JUIZ. ART. 413 DO CC⁄2002. NORMA COGENTE E DE ORDEM PÚBLICA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA E JURÍDICA. AUSÊNCIA.
1. Ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido de compensação por danos morais, ajuizada em 7⁄1⁄2010, na qual houve homologação judicial de transação formulada entre as partes, atualmente em fase de cumprimento de sentença, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 7⁄6⁄2021 e concluso ao gabinete em 24⁄3⁄2022.
2. O propósito recursal é decidir (I) qual é a natureza jurídica da multa convencionada pelas partes em transação homologada judicialmente; e (II) se é possível reduzir o seu valor a qualquer tempo.
3. A astreinte não deriva de convenção entre as partes, mas sim de imposição pelo Juízo, independentemente da vontade daquelas, a fim de assegurar o cumprimento de uma determinada ordem judicial.
4. A transação, mesmo quando homologada judicialmente, é um contrato típico (arts. 840 e 842 do CC⁄2002) e a fixação de multa em contratos é expressamente regulamentada pelo Código Civil, que prevê a possibilidade de se estipular cláusula penal conjuntamente com a obrigação ou em ato posterior, referindo-se à inexecução completa desta, à alguma cláusula especial ou à mora (art. 409).
5. A multa prevista em transação homologada judicialmente tem natureza jurídica de multa contratual (cláusula penal) e não de astreinte, porquanto esta tem caráter processual e decorre de imposição pelo Judiciário e aquela configura instituto de direito material e tem origem na vontade das partes.
6. Nas hipóteses do art. 413 do CC⁄2002, o abrandamento do valor da cláusula penal é norma cogente e de ordem pública, consistindo em dever do juiz e direito do devedor que lhe sejam aplicados os princípios da boa-fé contratual e da função social do contrato. Precedentes.
7. Assim, a despeito da formação de coisa julgada pela decisão que homologa a transação entabulada entre as partes, a cláusula penal nela prevista deve ser reduzida pelo juiz, mediante o princípio da equidade, se a obrigação tiver sido parcialmente cumprida ou se o valor for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio, por força do art. 413 do CC⁄2002, bem como em observância à origem eminentemente contratual da transação.
8. A conclusão de que a multa é manifestamente excessiva não decorre do simples fato de seu valor ser elevado, mas do cotejo entre o seu montante e as circunstâncias da hipótese concreta, de modo que a análise de eventual desproporcionalidade na cláusula penal fixada entre as partes tem caráter excepcional em sede de recurso especial, diante da incidência das Súmulas 5 e7 do STJ.
9. Hipótese em que (I) a recorrente sustenta a possibilidade de redução da multa exclusivamente sob o fundamento de que se trata de astreinte, incidindo, segundo alega, o art. 537, § 1º, do CPC⁄2015; (II) todavia, a multa foi pactuada pelas partes em transação homologada judicialmente, de modo que tem natureza jurídica de cláusula penal e não de astreinte, sendo suas hipóteses de redução aquelas previstas no CC⁄2002; (III) ademais, no particular, o mero fato de a multa ter ultrapassado R$ 85.000,00 não demonstra a sua excessividade, sobretudo considerando que o descumprimento da obrigação foi reconhecido por decisão transitada em julgado.
10. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.

Leia o acórdão no REsp 1.999.836.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1999836

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