A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que o Judiciário brasileiro é competente para processar e julgar uma ação sobre rescisão de contrato de prestação de serviços hoteleiros celebrado no México para ali produzir seus efeitos.
Ao reconhecer que se trata de relação de consumo, o colegiado decidiu que a demanda pode ter seguimento na Justiça brasileira, porque o foro eleito contratualmente no exterior dificulta o exercício dos direitos do consumidor domiciliado no Brasil.
“Em contratos decorrentes de relação de consumo firmados fora do território nacional, a Justiça brasileira pode declarar nulo o foro de eleição diante do prejuízo e da dificuldade de o consumidor acionar a autoridade judiciária estrangeira para fazer valer o seu direito”, afirmou o relator, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.
Na origem do processo, um casal firmou contrato de hospedagem, pelo sistema time sharing, com um hotel localizado em Cancún. Sob o argumento de dificuldades financeiras, ajuizaram ação – contra a representante do grupo econômico da rede hoteleira no Brasil – para rescindir o contrato.
O pedido foi julgado procedente, o que resultaria na rescisão contratual com devolução dos valores pagos, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) deu provimento à apelação e reconheceu a incompetência da Justiça brasileira para decidir o caso.
Justiça brasileira atua em relações de consumo se o consumidor mora no Brasil
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva apontou que o artigo 25 do Código de Processo Civil (CPC) admite a possibilidade de eleição de foro internacional, mediante a inclusão de cláusula em contrato escrito, mas ressaltou que o artigo 22, inciso II, do mesmo código estabelece a competência da Justiça brasileira para julgar demandas de relação de consumo quando o consumidor tiver domicílio ou residência no país.
Ele observou que o contrato discutido no processo é de adesão – tipo em que o consumidor não tem ingerência sobre as cláusulas – e que o casal residente no Brasil é o consumidor final dos produtos e dos serviços ofertados pelo resort, o que atrai a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Além disso, Villas Bôas Cueva lembrou que o artigo 6º, inciso VIII, e o artigo 51, inciso I, ambos do CDC, buscam garantir e facilitar ao consumidor a defesa dos seus direitos, o que permite ao juiz declarar a nulidade de cláusulas consideradas abusivas.
Sobre a questão discutida no processo – destacou o relator –, “o STJ orienta no sentido da nulidade de cláusula de eleição de foro a partir da demonstração do prejuízo ao direito de defesa e de acesso ao Judiciário”.
Por fim, o ministro registrou que, devido à Súmula 7 do STJ, não cabe rediscutir em recurso especial a decisão da instância originária que considerou que a ré atua como representante da empresa mexicana no Brasil, motivo pelo qual se aplica o artigo 21, inciso I, do CPC.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOTELEIROS. PEDIDO DE RESCISÃO. NEGÓCIO. CELEBRAÇÃO NO EXTERIOR. PESSOAS FÍSICAS. DOMICÍLIO. BRASIL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AUTORIDADE JUDICIÁRIA BRASILEIRA. COMPETÊNCIA. ART. 22, II, DO CPC/2015. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. ABUSIVIDADE. AFASTAMENTO. ARTS. 25, § 2º, E 63, § 3º, CPC/2015. RÉU. DOMICÍLIO NO BRASIL. GRUPO ECONÔMICO. TEORIA DA APARÊNCIA. SÚMULAS Nº 5 E 7/STJ.
1. A controvérsia resume-se a saber se a Justiça brasileira é competente para processar e julgar a ação de rescisão de contrato de negócio jurídico celebrado em território mexicano para ali produzir os seus efeitos, tendo como contratadas pessoas físicas domiciliadas no Brasil.
2. Compete à autoridade judiciária brasileira processar e julgar as ações decorrentes de relações de consumo, quando o consumidor tiver domicílio ou residência no Brasil.
3. Em contratos decorrentes de relação de consumo firmados fora do território nacional, a justiça brasileira pode declarar nulo o foro de eleição diante do prejuízo e da dificuldade de o consumidor acionar a autoridade judiciária estrangeira para fazer valer o seu direito.
4. A justiça brasileira é competente para apreciar demandas nas quais o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil.
5. A revisão das matérias referentes à legitimidade da parte ré diante da existência de grupo econômico e à aplicação da teoria da aparência demandam a análise do conjunto fático-probatório e da interpretação de cláusulas contratuais, atraindo a incidência dos óbices das Súmulas nºs 5 e 7/STJ.
6. Na hipótese, os autores pactuaram contrato de prestação de serviços hoteleiros com sociedade empresária domiciliada em território estrangeiro, para utilização de Clube/Resort sediado em Cancun, no México. Houve a celebração de contrato de adesão, sendo os aderentes consumidores finais, com residência e domicílio no Brasil, permitindo à autoridade judiciária brasileira processar e julgar a ação de rescisão contratual.
7. Recurso especial provido.
Leia o acórdão no REsp 1.797.109.