Ao negar provimento a recurso da Fazenda Nacional, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegal a cobrança da alíquota de 0,38% de IOF nos Adiantamentos sobre Contrato de Câmbio (ACCs), instituída pelo Decreto 6.339/2008 no período de 3 de janeiro de 2008 a 12 de março de 2008.
O recurso teve origem em ação na qual uma empresa requereu o afastamento da exigência trazida pelo Decreto 6.339/2008, que alterou o Decreto 6.306/2007 para estabelecer em seu artigo 8º, parágrafo 5º, a alíquota de 0,38% sobre operações de ACC.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve o entendimento da primeira instância de que o contrato de adiantamento de câmbio não é hipótese de incidência do tributo, a despeito da determinação do decreto.
Operação de câmbio na exportação tem alíquota zero
O relator no STJ, ministro Gurgel de Faria, afirmou que, embora a Lei 8.894/1994 estabeleça em 25% a alíquota máxima de IOF sobre operações de câmbio, atualmente, por força do artigo 15-B do Decreto 6.306/2007, a alíquota nessas operações é de 0,38%. Porém, nas operações de câmbio relativas ao ingresso de receitas de exportação, a alíquota é zero, conforme o inciso I desse dispositivo.
Segundo o ministro, o Decreto 6.306/2007 sofreu alterações ao longo do tempo: de início, a alíquota que incidia sobre operação de ACC era igual a zero; durante a vigência do Decreto 6.339/2008 (entre 3/1/2008 e 12/3/2008), foi majorada para 0,38%, tendo retornado a zero com o Decreto 6.391/2008.
Gurgel de Faria lembrou que o artigo 63, II, do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece como fato gerador de IOF a liquidação do contrato de câmbio, de modo que somente seria cabível a incidência do tributo na efetiva troca de moeda.
Antecipação na compra de moeda estrangeira
O ministro ressaltou que a controvérsia, no caso em discussão, estava em definir se o imposto incide no momento em que o exportador fecha, com instituição financeira, o ACC vinculado à exportação de bens e serviços. Em seu voto, ele mencionou precedente da Primeira Turma (REsp 365.778) em que foram analisadas as características do ACC.
Os adiantamentos são concedidos a exportadores por bancos que operam com câmbio, e consistem na antecipação parcial ou total dos reais equivalentes à quantia em moeda estrangeira que a instituição financeira compra a termo desses exportadores.
De acordo com o ministro, a exportação de mercadorias e serviços é formalizada mediante um contrato entre a empresa nacional e o adquirente estrangeiro, sendo o pagamento feito na moeda do país importador. Todavia, o exportador brasileiro recebe em moeda nacional, por meio de operação de câmbio intermediada por instituição financeira. De acordo com o seu interesse, pode fazer um ACC para receber antecipadamente esse valor em reais.
ACC não é operação de crédito
Para o relator, há um vínculo indissociável entre o ACC e a operação de câmbio, na medida em que se antecipa para o exportador nacional uma importância que irá se concretizar com o recebimento da moeda estrangeira, advinda da efetiva exportação de bens ou serviços.
“Nesse contexto, o ACC não representa uma operação de crédito, a despeito das alegações da Fazenda Nacional, embora não se negue a antecipação de numerário que ela representa. Trata-se de uma operação de câmbio de forma antecipada, pois vinculada a compra a termo de moeda estrangeira”, afirmou.
Em se tratando de operação de câmbio vinculada às exportações, o ministro observou que sempre se aplicou a alíquota zero de IOF, seguindo a orientação constitucional de que não se exportam tributos (artigos 149, parágrafo 2º, I; 153, parágrafo 3º, III; e 155, parágrafo 2º, X, “a”), de modo que não se pode admitir a pretensão da Fazenda Nacional de cobrar o imposto sobre crédito no momento da formalização do adiantamento, como previsto na vigência do Decreto 6.339/2008.
O REsp 365778, citado como precedente ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL E FALÊNCIA. PEDIDO DE SOBRESTAMENTO FORMULADO PELO BANCO CREDOR DE ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO. ALEGAÇÃO DE PREFERÊNCIA NA RESTITUIÇÃO. INDEFERIMENTO.1. A execução fiscal não fica paralisada em face da decretação da quebra no juízo, soi disant, universal. O juízo da execução fiscal é privilegiado, por isso que a Fazenda Pública não se sujeita ao concurso de credores nem à habilitação. Exegese dos artigos 5º e 29 da LEF (Lei 6.830⁄80).2. O Banco credor por adiantamento de contrato de câmbio não tem legitimidade para intervir na execução fiscal pleiteando a sua sustação, porquanto ingressa por interesse próprio e econômico, motivações que desamparam a intromissão na qualidade de assistente simples. Deveras, o assistente simples não deduz direito próprio e tampouco formula pedido. A pretensão de recebimento prioritário de crédito ou restituição de dinheiro compete única e exclusivamente ao juízo falimentar quando formulado por suposto credor do falido.3. Contrato de câmbio. Adiantamento. Através do contrato de câmbio “os bancos que operam com câmbio concedem aos exportadores os Adiantamentos sobre os Contratos de Câmbio (ACC), que consistem na antecipação parcial ou total dos reais equivalentes à quantia em moeda estrangeira comprada a termos desses exportadores, pelo Banco. O ACC poderá ocorrer e desdobrar-se em duas fases. Primeira fase: concessão do adiantamento pelo banco em até 180 (cento e oitenta dias antes) do embarque da mercadoria, caracterizando-se como um financiamento à produção, embora perdendo a desvalorização cambial posterior que possa ocorrer. Segunda fase: a mercadoria já está pronta e embarcada, até 60 após o embarque. Entretanto, poderá o exportador (vendedor) requerer o adiantamento da obrigação do banco – antecipação do pagamento em moeda nacional, que deverá, obrigatoriamente, ser averbado no próprio instrumento do contrato de câmbio”. “O Comunicado Bacen⁄Gecam n. 331, de 01.11.1976, define esta operação, dizendo, em seu art. 45, que o adiantamento sobre o contrato de câmbio configura uma antecipação parcial ou total, por conta do preço em real da moeda estrangeira comprada a termo, pelo Banco negociador”.4. Deflui da dinâmica do referido contrato que se o negócio de exportação correr normalmente, o banco recebe de volta o valor adiantado, tão logo receba a moeda estrangeira remetida pelo banco do importador estrangeiro. No entanto, pode ocorrer que a exportação não seja efetuada por falência do exportador brasileiro; pode ser também que o exportador brasileiro venha a entrar em regime de concordata. No primeiro caso (falência) o negócio de exportação provavelmente não se realizará e, desta forma, o banco não receberá as divisas estrangeiras, que não serão pagas pelo importador estrangeiro, que não recebeu a mercadoria. No segundo caso (concordata), independentemente da exportação vir ou não a ser cumprida integralmente, surge em favor do banco o direito à restituição do valor adiantado, não precisando o banco submeter-se à forma de pagamento estabelecida na concordata.5. A exegese do § 3º, do art. 75, da Lei de Mercado de Capitais que deu ensejo às Súmulas 133 do STJ e 495 do STF pressupõe a falência do exportador e a não entrega do bem, por isso que o Banco que adiantara as somas, nada receberá, ressoando justa a restituição.6. Diversamente, entregue a mercadoria ou embarcada, o Banco subroga-se no crédito do exportador, arrecadando-se o importe adiantado como bem da massa. Desta sorte, ainda que a instituição pretenda reaver a importância, deverá habilitar-se como credora, haja vista encerar, nesse caso, a operação, negócio semelhante ao mútuo feneratício com cláusula especial de câmbio.7. Consoante assentado no REsp nº 24.477-1⁄RS “cumpre não valorizar, além do explicitamente previsto, a situação jurídica da instituição financeira, colocando sem limite o pedido de restituição de dinheiro em potencial prejuízo aos créditos privilegiados derivados das relações trabalhistas, previdenciárias ou fazendárias”.8. Entretanto, como ressaltado pelo Ministro Teori Zavascki:“1. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido do reconhecimento do direito à restituição das quantias relativas a adiantamento de contrato de câmbio, tal como previsto no art. 75, § 3º, da Lei 4.728⁄65, afirmando ainda sua prioridade em relação a quaisquer créditos da massa, “porquanto representam, na verdade, dinheiro de terceiro em poder da pessoa jurídica concordatária” (RESP 533.522⁄RS, 4ª Turma, Min. Fernando Gonçalves, DJ de 03.11.2003).2. Segundo a orientação firmada pela Corte Especial no julgamento do RESP 188.148⁄RS, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 27.05.2002, a compatibilização entre as regras da não-sujeição dos créditos fiscais ao juízo falimentar e da prioridade na satisfação, em relação a esses, dos créditos trabalhistas faz-se, na hipótese de quebra superveniente à execução, mediante a entrega das somas aí apuradas ao juízo da falência, para que se incorpore ao monte e seja distribuída com observância das preferências e das forças da massa.3. Trata-se de solução plenamente aplicável ao caso concreto, em que se busca compatibilizar a regra da continuidade do executivo fiscal com a preservação da prioridade absoluta das quantias objeto do direito de restituição (ou, mais precisamente, da viabilidade da satisfação de tal direito, cuja existência pende de certificação, em ação própria, ajuizada perante o juízo da falência).”9. Recurso especial provido para para determinar a reversão dos valores arrecadados na execução fiscal ao juízo falimentar.
O recurso ficou assim ementado:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS – IOF. CÂMBIO. VINCULAÇÃO À EXPORTAÇÃO. ADIANTAMENTO SOBRE CONTRATO DE CÂMBIO (ACC). OPERAÇÃO DE CRÉDITO. FATO GERADOR. INEXISTÊNCIA.1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC⁄1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo 2).2. Nos termos do art. 63, II, do CTN constitui fato gerador do IOF a liquidação do contrato de câmbio, de modo que somente quando há a efetiva troca de moeda é cabível a incidência do tributo.3. No Adiantamento sobre Contrato de Câmbio (ACC), a instituição financeira se obriga a pagar, em reais e no momento estabelecido na avença, pela moeda estrangeira comprada a termo, ou seja, paga-se antecipadamente, de forma total ou parcial, pelo valor correspondente ao câmbio, que se efetivará no futuro.4. No âmbito das exportações, a venda de mercadorias e serviços é formalizada, em regra, mediante um contrato firmado entre a empresa nacional e o adquirente estrangeiro, sendo o pagamento realizado pela moeda do país importador.5. Considerando que o exportador brasileiro deve receber o valor em moeda corrente brasileira, há de ser feita a operação de câmbio, a ser intermediada por instituição financeira, podendo-se formular um ACC, para antecipar esse valor, sujeitando-se aos seus consectários pertinentes.6. O ACC não representa uma operação de crédito, embora não se negue a antecipação de numerário que ele representa, cuidando, na verdade, de uma operação de câmbio de forma antecipada, e assim deve ser tributada, pois vinculada a compra a termo de moeda estrangeira, de modo que se apresenta incabível a pretensão de que incida IOF sobre crédito no momento da formalização desse contrato.7. Em se tratando de operação de câmbio vinculada às exportações, sempre foi observada a alíquota (zero) de IOF, seguindo a orientação constitucional de que não se exporta tributos (arts. 149, § 2º, I; 153, § 3º, III; e 155, § 2º, X, “a”, da Constituição Federal).8. Hipótese em que não se mostra cabível a pretensão de que incida a regra que estabelecia percentual de 0,38% sobre o ACC, durante a vigência do Decreto n. 6.338⁄2008.9. Recurso especial conhecido e desprovido.
Leia o acórdão no REsp 1.452.963.