Para Primeira Seção, demissão de servidor público por desídia exige repetição da conduta

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a reintegração de servidor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Tran​sportes (DNIT) demitido sob a acusação de desídia ao atuar em programa de controle de custos de obras rodoviárias, em convênio com o Exército.

Ao anular a portaria de demissão, por maioria de votos, o colegiado entendeu que não ficou configurada a repetição de conduta desidiosa necessária para a aplicação da pena de demissão. Além disso, documento juntado aos autos posteriormente indicou que – ao contrário do que foi apontado no processo administrativo disciplinar – os planos de trabalho tidos como irregulares foram aprovados e considerados corretamente executados pela administração pública.

De acordo com a acusação, o servidor, engenheiro civil do DNIT, não teria tomado nenhuma atitude ao receber do Exército informações sobre as composições de custos que apresentavam problemas.

Além disso, sabendo que havia R$ 400 mil em recursos para a realização de parceria com órgãos públicos, com o objetivo de desenvolver metodologia de pesquisa de preços, e que essas parcerias não foram concretizadas, o servidor não teria alertado as autoridades do DNIT para a necessidade de devolução do dinheiro.

Após o transcurso do processo disciplinar, ele recebeu da Controladoria-Geral da União a penalidade de demissão, nos termos do artigo 117, inciso XV, da Lei 8.112/1990.

Reiteraçã​o

O relator do mandado de segurança impetrado pelo servidor, ministro Napoleão Nunes Maia Filho, disse que a conduta desidiosa que justifica a pena de demissão pressupõe um comportamento ilícito reiterado – e não um ato isolado, como ocorreu no caso em julgamento. Essa orientação, segundo o ministro, não tem o objetivo de minimizar os efeitos prejudiciais de eventual atuação funcional indevida.

Segundo o relator, nos casos de conduta desidiosa, é necessário que a administração pública apure os fatos e, se for o caso, aplique uma punição mais branda, até mesmo para que o servidor tenha conhecimento a respeito do seu baixo rendimento funcional. Caso ele persista na conduta ilícita, será cabível a demissão.

“Em matéria de direito sancionador, a interpretação deve ser sempre calcada nos preceitos garantísticos, que não toleram flexibilizações custosas ao direito de defesa ou à delimitação material do ato passível de punição. Não encontra abono jurídico a postura que reivindica para o direito sancionador a função apenas punitiva, relegando ao esquecimento e ao desprezo a proteção dos direitos das pessoas”, apontou o relator.

Ao determinar a reintegração do servidor ao cargo, o ministro destacou ainda que, em documento novo juntado aos autos, constatou-se que, nas contas prestadas em relação aos planos de trabalho que culminaram no processo administrativo disciplinar, foi reconhecido que houve a regular execução dos trabalhos e o atingimento dos objetivos dos projetos.

O recurso ficou assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA. ENGENHEIRO CIVIL DO DNIT. PAD. FATO APURADO: PRÁTICA DE CONDUTA DESIDIOSA. PENA APLICADA: DEMISSÃO. CGU. ATRIBUIÇÃO PARA INSTAURAR OU AVOCAR PROCESSOS E APLICAR SANÇÕES ADMINISTRATIVAS. RESSALVA DO PONTO DE VISTA DESTE RELATOR. CONDUTA DESIDIOSA NÃO CONFIGURADA. INEXISTÊNCIA DE REITERAÇÃO. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA, NO ENTANTO.

1. Segundo noticia a inicial, o ora impetrante, Engenheiro Civil do DNIT, foi demitido sob o fundamento de ter praticado conduta desidiosa (art. 117, XV da Lei 8.112⁄1990). A desídia foi assim configurada, nas informações prestadas pela autoridade apontada como coatora:

(a) O indiciado teve conhecimento das decisões do TCU referentes à questão das chuvas excepcionais, vida útil e valor residual dos equipamentos e depreciação, mas quedou-se inerte ao receber do DEC⁄Exército as composições de custos defeituosas, ao longo da execução do contrato (esta última conduta agravante). De acordo com o TCU, as chuvas excepcionais favorecem o casuísmo na orçamentação das obras e os demais itens superestimam os custos horários dos equipamentos, o que acarreta em prejuízo para Administração nas suas contratações;

(b) O indiciado, mesmo tendo sido alertado pelo Coordenador-Geral de Modernização e Informática, da época, sobre a incompatibilidade entre a linguagem escolhida pelo DEC⁄Exército e o ambiente de informática do Dnit, não procurou verificar a correção do problema;

(c) O indiciado, mesmo sabendo que havia R$ 400.000,00 em recursos para a realização da parceria com órgãos públicos com fito de desenvolver a metodologia de pesquisa de preços, e que esta parceria não foi concretizada, não alertou as autoridades do Dnit para a necessidade de devolução desses recursos; e

(d) O indiciado tinha consciência, por trabalhar com área de custos do Dnit, de que o seu trabalho não era corriqueiro ou trivial, mas iria repercutir em todos os orçamentos do Dnit (os quais são da ordem da dezena de bilhão de reais por ano), ou seja, seria a sistematização da orçamentação do Dnit e que, portanto, não poderia ter sido acompanhado de forma leniente e desidiosa (fls. 379⁄380).

2. Quanto à competência do Ministro de Estado da Controladoria-Geral da União para processar e aplicar penalidade contra Servidor Público do DNIT, anota-se que o Servidor Público a quem se impute a prática de ato infracional tem o direito subjetivo de ser regularmente processado na instância administrativa inicial própria, ou seja, tem o direito ao justo processo administrativo, perante o órgão originalmente competente para essa atividade, isto é, o de sua lotação funcional, lugar onde teria ocorrido o alegado ilícito.

3. O poder ou a atribuição funcional de instaurar o procedimento de apuração da ocorrência de infração administrativa não se acha disseminado nas instâncias administrativas, como que competisse difusamente a qualquer autoridade a sua promoção, pois é imperativo se observar as regras de competência, não se admitindo, também nesse terreno, que uma autoridade exerça as atribuições de outra, como é dogma do Direito Público.

4. Contudo, o entendimento firmado por esta Corte é o de que somente incumbe à CGU instaurar sindicâncias, procedimentos e processos administrativos disciplinares, quando ocorrentes as seguintes circunstâncias: (a) da inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade de origem; (b) da complexidade e relevância da matéria; (c) da autoridade envolvida; ou (d) do envolvimento de Servidores de mais de um órgão ou entidade. No caso ora em exame não se verifica a presença de tais circunstâncias, razão pela qual afigura-se descabida a atuação da CGU, no desempenho da atividade sancionadora de que se cuida.

5. Quanto à conduta desidiosa atribuída ao Servidor, traz-se à reflexão as sempre pertinentes observações do Professor MAURO ROBERTO GOMES DE MATTOS, segundo o qual, a eventualidade da desídia possui o condão de retirar a subsunção da conduta do servidor público do presente tipo disciplinar, para fins da imposição da pena de demissão ou de outro tipo de penalidade grave (Lei n. 8.112⁄00 interpretada, 4a. ed, Rio de Janeiro, América Jurídica, p. 717).

6. Analisando questão semelhante à dos autos, o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, em brilhante voto, consignou que, havendo conduta do Servidor Público que se mostra, de início, desidiosa, impõe-se que a Administração proceda à apuração dos fatos e, se for o caso, aplique-lhe uma pena mais branda, até mesmo para que ele tenha conhecimento a respeito do seu baixo rendimento funcional. Caso persista na prática do ilícito disciplinar, será cabível a demissão, porquanto configurada a prévia ciência de sua conduta. A aplicação pena máxima de demissão por desídia, sem a existência de antecedentes funcionais relacionados à mencionada conduta, apresenta-se extremamente desproporcional porque imposta a Servidor Público que não tinha ciência de que sua conduta funcional se apresentava irregular (MS 12.317⁄DF, DJe 16.6.2008). No mesmo sentido: (MS 12.634⁄DF, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, DJe 16.12.2015 e MS 8.517⁄DF, Rel. Min. ERICSON MARANHO, julgado em 10.6.2015, DJe 03.8.2015).

7. A conduta desidiosa, para desencadear a aplicação da pena de demissão, pressupõe comportamento ilícito reiterado, perseverância infracional ou continuidade na perpetração de ilícitos, e não um ato isolado, como aconteceu no caso em comento. Nessa situação, impõe-se afastar a nota desidiosa que serviu para tipificar o comportamento do Servidor, sem que isso importe em minimizar os efeitos prejudiciais da sua atuação funcional. Em matéria de direito sancionador, a interpretação deve ser, sempre, calcada nos preceitos garantísticos, que não toleram flexibilizações custosas ao direito de defesa ou à delimitação material do ato passível de punição. Não encontra abono jurídico a postura que reivindica para o Direito Sancionador a função apenasmente punitiva, relegando ao esquecimento e ao desprezo a proteção dos direitos das pessoas.

8. O entendimento judicial, sobretudo em matéria sancionadora, deve estribar-se, principalmente na preservação dos direitos subjetivos, das liberdades individuais e das garantias das pessoas submetidas a processo. Sem isso, a atividade julgadora tende a se confundir com afazeres apenas administrativos, os quais, por mais relevantes que sejam, não realizam o papel dos julgadores. Esse papel, como já dizia o Professor JOAQUIM CANUTO MENDES DE ALMEIDA (1906-1994) na sua tese de Catedrático da USP (1939), os Tribunais existem primacialmente para mais servirem à liberdade jurídica dos réus – direito ao processo judiciário – do que ao direito dos autores (Processo Penal, Ação e Jurisdição. São Paulo: 1975, p. 9).

9. Não é correto e nem justo afirmar que a função judicial é comprometida com encargo punitivo, porque, se assim fosse, tenderia à dispensabilidade a função de julgar, já que a narrativa da acusação seria tomada, estranhamente, como minuta do veredicto condenatório. Tal correlação somente seria admissível numa ordem jurídica autoritária e antidemocrática, alheia, estranha ou hostil aos Direitos Humanos e Fundamentais e, também, aos enunciados constitucionais resguardadores dos valores e dos princípios jurídicos.

10. Por fim, cumpre salientar que, em documento novo trazido aos autos, constatou-se que, nas contas prestadas nos Planos de Trabalho PT 30.001.05.01.11.01 e PT 30.001.08.01.58.01, que culminaram no referido PAD, foi reconhecido que houve a regular execução física e atingimento dos objetivos”, bem como “a regular aplicação dos seus recursos (fls. 452⁄476).

11. Ordem concedida para anular a Portaria demissória do impetrante e ordenar a sua reintegração ao cargo, assegurado o pagamento dos valores devidos desde a impetração do Mandado de Segurança.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): MS 20940

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar