A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região manteve a decisão do Juízo da 4ª Vara Federal do Amazonas que entendeu ser a Justiça Estadual do Amazonas competente para julgar processo iniciado a partir de denúncia oferecida contra um homem que, no exercício da função de comandante de uma embarcação que seguia de Manaus/AM para Faro/PA, foi flagrada com excesso de passageiros e sem a quantidade suficiente de equipamentos salva-vidas, no Rio Negro, próximo à região da Manaus Moderna, em Manaus/AM.
Durante a abordagem da embarcação foi feita a contagem de passageiros pela equipe naval, tendo constatado excesso de 114 passageiros. Ao comandante foi dada ordem para que tomasse providências no sentido de retirada dos passageiros em excesso, transportando-os de volta a Manaus/AM.
O Ministério Público Federal (MPF) interpôs recurso em sentido estrito da decisão, sustentado a competência da Justiça Federal para processamento e julgamento do feito.
O relator da recurso, desembargador federal Néviton Guedes, destacou que para ser imputado ao comandante o crime de expor a perigo embarcação ou praticar ato tendente a dificultar a navegação, é necessário ser configurado atentado contra a segurança fluvial, crime de perigo concreto, como a violação das regras de segurança, como o transporte de passageiros.
O magistrado destacou que para a configuração do crime não é necessário que ocorra um acidente, sendo suficiente a mera exposição da embarcação a perigo, como no caso em concreto. “Não se faz necessário que haja prova de que os passageiros foram expostos a perigo, porque este se supõe pelo simples fato de que havia superlotação na embarcação” .
Quanto à competência, o desembargador federal entendeu que o delito em questão não atrai a competência da Justiça Federal, “o delito tem de ser praticado a bordo, isto é, no interior do navio, não antes ou depois de neles ingressar. Além disso, a embarcação há de se encontrar em situação de deslocamento internacional ou de potencial deslocamento, devendo ser capaz de navegar em alto-mar.
O recurso ficou assim ementado:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE TRANSPORTE FLUVIAL. ART. 261, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL. EMBARCAÇÃO. IRREGULARIDADE NO TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. DESLOCAMENTO INTERESTADUAL. COMPETÊNCIA ESTADUAL. RECURSO DESPROVIDO.
1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, que declinou da competência em favor da Justiça Estadual para julgar denúncia oferecida em face de Leonardo Melo Santos, em virtude do cometimento do crime previsto no art. 261, caput, do CP.
2. O juízo a quo assim decidiu por não ser possível vislumbrar, na espécie, qualquer ofensa direta a bens, serviços ou interesses da União.
3. No caso, consta da denúncia que o acusado praticou o crime do art. 261, caput, do CP (expor a perigo embarcação), ao transportar passageiros em número excessivo para o limite previsto para a embarcação do qual era comandante, denominada “Cidade de Terra Santa”, qual seja, máximo de 362 (trezentos e sessenta e duas) pessoas, enquanto foi detectado em seu interior um excesso de 114 (cento e catorze) passageiros (lotação 30% superior ao permitido), conforme laudo de exame pericial indireto realizado pela Marinha do Brasil, assim como a referida embarcação não estava adequadamente equipada com equipamentos de salvatagem.
4. Aos juízes federais compete processar e julgar “os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar” (CF, art. 109, IX).
5. Para tanto, o delito tem de ser praticado a bordo, isto é, no interior do navio, não antes ou depois de neles ingressar. Além disso, a embarcação há de se encontrar em situação de deslocamento internacional ou de potencial deslocamento, devendo ser capaz de navegar em alto-mar. Delitos cometidos em barcos de pequeno porte (não navios) e sem essa capacidade são de competência da justiça estadual.
6. “Em razão da imprecisão do termo ‘navio’ utilizado no referido dispositivo constitucional, a doutrina e a jurisprudência construíram o entendimento de que ‘navio’ seria embarcação de grande porte o que, evidentemente, excluiria a competência para processar e julgar crimes cometidos a bordo de outros tipos de embarcações, isto é, aqueles que não tivessem tamanho e autonomia consideráveis que pudessem ser deslocados para águas internacionais” (STJ, CC 118.503/PR, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 28/04/2015).
7. No momento do flagrante, ocorrido em 22/12/2017, a embarcação “Cidade de Terra Santa”, estava transportando 482 (quatrocentas e oitenta e duas) pessoas, já incluídos os 114 (cento e catorze) passageiros excedentes e os 06 (seis) tripulantes.
8. De acordo com a classificação das embarcações pela Marinha do Brasil (Fonte NORMAM 03/DPC Mod. 16), é considerada embarcação de grande porte as com comprimento igual ou superior a 24 metros, e terão a obrigatoriedade de seu registro no Tribunal Marítimo se possuir arqueação bruta (AB) maior que 100. Consoante os fatos narrados no inquérito e na denúncia, verifica-se que a prática delitiva se deu a bordo de embarcação de grande porte, em virtude da embarcação “Cidade de Terra Santa” poder ser classificada como tal, por possuir 39,10 metros de comprimento e arqueação bruta de 424, e, ainda, estar inscrita junto a Marinha do Brasil.
9. Contudo, na presente hipótese, conquanto os passageiros e tripulantes estivessem a bordo da referida embarcação, não foi implementado o potencial de deslocamento internacional, pois seguia destino de Manaus/AM até Faro/PA, navegando pelo Rio Negro, além de constar da descrição das características da embarcação a “ÁREA DE NAVEGAÇÃO: INTERIOR”, ou seja, se destina a deslocamento em águas internas.
10. Dessa forma, não se pode falar em competência da Justiça Federal, vez que a embarcação não se encontrava em situação de internacionalidade.
11. Recurso em sentido estrito desprovido.
Delitos cometidos em barcos de pequeno porte (não navios) e sem essa capacidade são de competência da justiça estadual, concluiu o relator.
Processo 0006201-79.2019.4.01.3200