Por maioria de votos, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu mandado de segurança para anular ato que excluiu um candidato de concurso público por não ter sido considerado negro.
De acordo com o processo, o candidato se inscreveu para participar de concurso público destinado ao provimento de cargos de analista judiciário no Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF), tendo optado por concorrer às vagas destinadas a candidatos negros.
Segundo o edital normativo do concurso, o candidato poderia, no ato da inscrição, optar por concorrer às vagas reservadas à cota racial, e nesse caso deveria preencher a autodeclaração de que é preto ou pardo, conforme quesito raça ou cor utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foi consignado que a condição declarada poderia ser objeto de procedimento de verificação.
Novo edital
Após o resultado das provas objetivas e subjetivas, publicou-se novo edital, pelo qual o candidato, que havia sido aprovado no certame, foi convocado para se submeter a uma entrevista destinada à verificação da condição declarada (autodeclaração de que é preto ou pardo).
A comissão de avaliação decidiu excluí-lo da lista dos candidatos que concorreriam pela cota racial, sob alegação de que não atendia aos critérios para ser enquadrado no fenótipo justificador das vagas assim reservadas.
No STJ, o relator do recurso do candidato, ministro Sérgio Kukina, reconheceu ser legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários para a verificação da condição declarada, mas disse que, no caso, as regras do concurso público não poderiam ter sido modificadas com o certame em andamento.
“Não mais era dado à administração pública, já após a realização e aprovação dos candidatos nas provas objetiva e discursiva do concurso, introduzir inovação frente às originárias regras do Edital nº 1 TJDF, de 9/10/2015, consubstanciada na edição de nova etapa que não houvera sido anteriormente prevista, na qual se designou específica comissão de três membros para verificar, apenas por meio de entrevista e sem qualquer indicação ou emprego de critério objetivo, a condição autodeclarada pelos concorrentes”, considerou o ministro.
Forma e momento
Embora o edital originário tenha previsto a possibilidade de comprovação da falsidade da autodeclaração prestada pelo candidato, o ministro destacou que a norma não fez nenhuma referência quanto à forma e ao momento em que a comissão de concurso poderia chegar a essa constatação.
“A posterior implementação de uma fase específica para tal finalidade, não prevista no edital inaugural e com o certame já em andamento, não se revestiu da necessária higidez jurídica, não se podendo, na seara dos concursos públicos, atribuir validade a cláusula editalícia supostamente implícita, quando seu conteúdo possa operar em desfavor do candidato”, concluiu o relator.
O recurso ficou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. VAGAS RESERVADAS PARA CANDIDATOS NEGROS. AUTODECLARAÇÃO. ÚNICA EXIGÊNCIA EDITALÍCIA. POSTERIOR REALIZAÇÃO DE ENTREVISTA PARA AFERIÇÃO DO FENÓTIPO SEM PREVISÃO NO EDITAL DE ABERTURA. FALTA DE AMPARO LEGAL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO.1. Em se cuidando de disputa de cargos públicos reservados pelo critério da cota racial, ainda que válida a utilização de parâmetros outros que não a tão só autodeclaração do candidato, há de se garantir, no correspondente processo seletivo, a observância dos princípios da vinculação ao edital, da legítima confiança do administrado e da segurança jurídica.2. O princípio da vinculação ao instrumento convocatório impõe o respeito às regras previamente estipuladas, as quais não podem ser modificadas com o certame já em andamento.3. O Edital nº 01⁄2015 – TJDF, que tornou pública a abertura do concurso público destinado ao provimento de cargos no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, estabeleceu, como critério único para a disputa de vagas reservadas para negros, a autodeclaração do candidato, à qual foi atribuída presunção de veracidade (item 6.2.3), em conformidade, aliás, com o disposto no art. 5º, § 2º, da Resolução CNJ nº 203⁄2015.4. Embora o item 6.2.4 do edital originário previsse a possibilidade de se comprovar a falsidade da autodeclaração, nenhuma referência o acompanhou quanto à forma e ao momento em que a Comissão de Concurso poderia chegar a essa constatação. Daí que a posterior implementação de uma fase específica para tal finalidade, não prevista no edital inaugural e com o certame já em andamento, não se revestiu da necessária higidez jurídica, não se podendo, na seara dos concursos públicos, atribuir validade a cláusula editalícia supostamente implícita, quando seu conteúdo possa operar em desfavor do candidato.5. Nesse contexto, não era lícito à Administração Pública, após a aprovação dos candidatos nas provas objetiva e discursiva, introduzir inovação nas regras originais do certame (no caso concreto, por intermédio do Edital nº 15⁄2016) para sujeitar os concorrentes a “entrevista” por comissão específica, com o propósito de aferir a pertinência da condição de negros, por eles assim declarada ao momento da inscrição no concurso. À conta dessa conduta, restou afrontado pela Administração, dentre outros, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Precedente desta Corte em caso assemelhado: AgRg no RMS 47.960⁄RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Primeira Turma, DJe 31⁄05⁄2017.6. Recurso ordinário provido para, reformando o acórdão recorrido, conceder a segurança, determinando-se a reinserção do nome do recorrente na lista dos candidatos que concorreram às vagas destinadas ao provimento por cota racial, respeitada sua classificação em função das notas que obteve no certame.