Operadoras de plano de saúde são condenadas a reintegrar e a indenizar beneficiários

O 1º Juizado Especial Cível de Águas Claras condenou, solidariamente, a Amil Assistência Médica Internacional e Allcare Administradora de Benefícios em Saúde ao pagamento de danos morais por cancelamento indevido de plano de saúde. Além disso, as empresas terão de reintegrar a beneficiária e seus dependentes ao seguro.

A autora conta que, no dia 26/3 deste ano, recebeu um e-mail da ré Allcare, relativo à falta de pagamento da mensalidade vencida em 10/2. O prazo para quitação do débito seria de sete dias, a partir da data do e-mail, sob pena de cancelamento do plano. A autora alega, no entanto, que, no mesmo dia, seu companheiro tentou utilizar o serviço oferecido e não conseguiu, pois já estava cancelado. Ainda assim, efetuou o pagamento em 01/4 – portanto antes do prazo estipulado –, quitou a fatura em atraso e solicitou a reativação do referido plano. Segundo relato da autora, as rés não reativaram o plano, apenas autorizaram nova adesão no mesmo modelo e valor do anteriormente cancelado, mas com um período de carência para tratamento relativo ao AVC que já possuía.

Em sua argumentação, as operadoras alegaram apenas que o cancelamento do plano deu-se de acordo com o contrato firmado entre as partes e que nenhuma ilegalidade havia sido cometida.

Na sentença, o juiz lembrou que a operadora do plano de saúde “pode suspender ou rescindir o contrato em relação ao usuário inadimplente por mais de 60 dias, consecutivos ou não, dentro do período de 12 meses. Todavia, a lei condiciona a suspensão ou rescisão à notificação prévia do usuário, até o quinquagésimo dia de atraso”.

O magistrado registrou que, no caso em questão, a própria ré Allcare informou que o cancelamento foi feito em 27/3, mesmo tendo a autora efetuado o pagamento dentro do prazo de sete dias concedido pela empresa. Na constatação do juiz, não houve inadimplência por mais de 60 dias, o que comprova que houve falha na prestação de serviço e que o cancelamento não obedeceu ao previsto na legislação vigente.  “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”, destacou, numa referência ao art. 422 do Código Civil.

Dessa maneira e considerando que a rescisão indevida deixou a autora desamparada, o julgador determinou a reintegração da autora e seus dependentes ao plano de saúde com as mesmas características e benefícios contratados originalmente e sem carência, além do cancelamento do plano firmado em 01/5/2019.

O magistrado condenou as rés, ainda, ao pagamento de R$ 2 mil, a título de danos morais, à autora. Em sua decisão, ele destacou que o mero descumprimento contratual não gera indenização moral. “Todavia, o desatendimento das regras legais para rescisão contratual, somados ao fato de enviar boleto com prazo determinado para pagamento e, antes do prazo concedido, cancelar o plano, o que gerou  a interrupção de serviço essencial e de fundamental importância para a vida pessoal da autora, dá ensejo à  indenização por danos morais. Frise-se ainda que, ciente da quitação no prazo concedido, as rés mesmo instadas não reativaram o plano, ao contrário, ofereceram plano com carência”.

Coleciono trechos da sentença:

A operadora do plano de saúde pode suspender ou rescindir o contrato em relação ao usuário inadimplente por mais de 60 dias, consecutivos ou não, dentro do período de doze meses. Todavia, a lei condiciona a suspensão ou rescisão à notificação prévia do usuário, até o quinquagésimo dia de atraso (art. 13, § único, inc. II, da Lei 9656/98).

No presente caso, a ré Allcare  informa que o cancelamento do plano se deu em 27/03/2019: “Ainda, importante mencionar que, apesar do justo cancelamento do plano da Autora, pelo fato da mesma ter realizado a quitação integral das dívidas em março de 2019, a Ré reembolsou a mesma pelo período que ficou sem a cobertura do plano, no valor de R$ 377,97, relativo ao período 27/03/19 a 31/03/19.”, id 36907772 – Pág. 3.

Pois bem, o débito venceu em 10/02/2019 (id 32629538 – Pág. 10), a ré encaminhou e-mail à autora em 26/03/2019 concedendo prazo de sete dias para pagamento e cancelou o plano no dia seguinte. O débito foi quitado em 01/04/2019, id 32629538 – Pág. 13, ou seja, não houve inadimplência por mais de 60 dias.

Não há dúvidas de que a houve falha na prestação de serviço e que o cancelamento não obedeceu ao previsto na legislação vigente. A rescisão indevida do plano  deixou a autora desamparada. Destaco na legislação os artigos 422 do Código Civil e art. 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. (CC)

Art. 4º (…)  III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (CDC).

Dessa maneira, considerando que a ré  não  cumpriu as exigências legais para cancelamento do plano, a reintegração da autora e seus dependentes ao plano de saúde é medida que se impõe.

Nesse sentido:

CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. INADIMPLÊNCIA NÃO SUPERIOR A 60 DIAS. CANCELAMENTO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. DANO MORAL CONFIGURADO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1.    A Lei n° 9.656/98, em seu art. 13, II, disciplina que o contrato de plano de saúde só poderá ser cancelado em situações de inadimplência, por período superior a 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato, devendo o consumidor ser comprovadamente notificado antes da resolução contratual.   2.    No caso em espécie, a recorrente alega que a seguradora efetuou o cancelamento do plano de saúde, por motivo de inadimplência da parcela referente ao mês de novembro de 2017. 3.    Ocorre que o demandante acostou ao feito o comprovante de pagamento da referida mensalidade (Id 4631112, página 3). 4.    Ainda que o pagamento da parcela vindicada tenha ocorrido com alguns dias de atraso, a inadimplência não atingiu os 60 dias estabelecidos pelo art. 13, II, da Lei nº9.656/98. Tampouco o consumidor foi previamente notificado da resolução contratual, tendo ciência da rescisão do contrato apenas quando da negativa de atendimento hospitalar, em janeiro de 2018 (Id 4631107, páginas 4 e 5). 5.    Nesse contexto, patente a abusividade da conduta da parte ré a amparar a determinação de reintegração do autor e seus dependentes ao plano de saúde na forma pactuada e condenação da ré no pagamento pelos danos extrapatrimoniais advindos da conduta ilícita. 6.    Ultrapassa a esfera do mero aborrecimento e viola direitos de personalidade o cancelamento ilegítimo do plano de saúde, posto que coloca o usuário em situação de extrema vulnerabilidade e desamparo. A compensação por dano extrapatrimonial é medida imperativa, não apenas para reparar a mácula aos direitos de personalidade do consumidor, como também para desestimular comportamentos similares. 7.    Considerando as circunstâncias da lide, a condição socioeconômica das partes, a natureza da ofensa e as peculiaridades do caso sob exame, razoável e proporcional a condenação da parte demandada no pagamento da quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), a título de reparação por dano moral. 8.    A propósito, esta Terceira Turma Recursal vem consolidando seu entendimento no sentido de que o valor da indenização é fixado na origem, pelo magistrado a quem incumbe o julgamento da causa, somente se admitindo a modificação do quantum na via recursal se demonstrado que a sentença esteve dissociada dos parâmetros que ensejaram sua valoração, o que não foi comprovado na situação concreta ora sob exame. 9.    Recurso conhecido e improvido. 10.    Condenada a parte recorrente ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar no pagamento de honorários advocatícios, pois não foram apresentadas contrarrazões. 11.    A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei 9.099/95.  
(Acórdão n.1112693, 07026469220188070016, Relator: CARLOS ALBERTO MARTINS FILHO 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Data de Julgamento: 31/07/2018, Publicado no DJE: 07/08/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.).

Noutro giro, o  mero descumprimento contratual não gera indenização por danos morais. Todavia, o desatendimento das regras legais para rescisão contratual, somados ao fato de enviar boleto com prazo determinado para pagamento e antes do prazo concedido cancelar o plano,  o que gerou  a interrupção de serviço essencial e de fundamental importância para a vida pessoal da autora,    dá ensejo à  indenização por danos morais. Frise-se ainda que, ciente da quitação no prazo concedido as rés mesmo instadas não reativaram o plano, ao contrário, ofereceram plano com carência.

Atento aos critérios da proporcionalidade e razoabilidade, bem como ao intento reparador e preventivo, entendo o valor de R$ 2.000,00 (um mil reais) é adequado ao caso.

Em face de todo o exposto, julgo  PROCEDENTE o pedido inicial, nos termos do artigo 487, I, do CPC, para condenar as rés de forma solidária

Da sentença, cabe recurso, o que não ocorreu.

O processo transitou em julgado.

PJe: 0704848-93.2019.8.07.0020

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