Norma que autoriza Banco Central a importar indiscriminadamente papel-moeda é inconstitucional, opina PGR

Para Augusto Aras, compra de meio circulante de outro país pode ocorrer somente se comprovada incapacidade de fornecimento pela Casa da Moeda

O procurador-geral da República, Augusto Aras, defende no Supremo Tribunal Federal (STF) a inconstitucionalidade de lei federal que autoriza o Banco Central do Brasil (Bacen) a adquirir indiscriminadamente papel-moeda e moeda metálica fabricados fora do país, por fornecedor estrangeiro, com o objetivo de abastecer o meio circulante nacional. Para que sejam preservadas questões relativas à soberania nacional, o PGR requer que a Corte dê interpretação conforme à Constituição, no sentido de que essa aquisição no exterior ocorra apenas em circunstâncias excepcionais, quando comprovada a incapacidade de fornecimento pela Casa da Moeda, para evitar danos à economia nacional.

A manifestação se deu na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.936, proposta pelo Partido Social Cristão (PSC), que questiona os artigos 1º, caput e parágrafo único, e 2º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Lei Federal 13.416/2017. De acordo com a agremiação, ao permitir o fornecimento de papel-moeda e de moeda metálica por pessoas jurídicas situadas em território estrangeiro, a norma vulneraria a soberania monetária do Brasil por retirar o controle integral do processo de emissão de moeda da União e admitir que interferências externas possam afetar a capacidade do país de suprir a demanda de meio circulante. O caso está sob a relatoria do ministro Dias Toffoli. A PGR opina pela parcial procedência do pedido.

No parecer do Ministério Público Federal (MPF), Aras esclarece que a emissão de moeda é o produto da implementação de uma ação de política monetária que expande a oferta de dinheiro para a população. E que isso não pode ser confundido com o ato físico de fabricar o meio material mediante o qual se expressa o valor monetário. Quanto à fabricação de papel-moeda e de moeda metálica, por sinal, a Constituição não fez nenhuma determinação. Atualmente, a Casa da Moeda detém monopólio dessa produção em território nacional por força de opção do legislador ordinário (conforme o artigo 2º da Lei 5.895/1973).

O PGR ressalva, entretanto, que essa situação de monopólio – imposto pela necessidade de preservação da soberania nacional – não é absoluta nem deve servir de pretexto para que se perpetuem violações ao princípio da eficiência e da economicidade que orientam a administração pública. Dessa maneira, eventuais sobrepreços praticados pela Casa da Moeda devem ser devidamente justificados e, sempre que possível, combatidos por meio de melhorias na gestão da entidade administrativa.

Augusto Aras enfatiza ainda que o fato de os serviços de fabricação de papel-moeda poderem, em tese, ser objeto de delegação não leva à conclusão de que a livre concessão de tais atividades à iniciativa privada, nacional ou estrangeira, seja razoável ou proporcional. “Há importantes aspectos relacionados à já invocada soberania monetária nacional que devem ser levados em consideração e que podem induzir à inconstitucionalidade de atos normativos tendentes a fragilizá-la”, ressalta.

Riscos – Um dos pontos presentes na Lei 13.416/2017, alvo de críticas do MPF, é o fato de a norma conferir licença para que o Banco Central possa suprir até mesmo a totalidade da demanda nacional de cédulas e de moedas por meio de importação, desde que assim esteja previsto em cronograma e que fornecedores estrangeiros se sagrem vencedores das licitações. Na opinião de Aras, os valores praticados no exterior não precificam o risco da renúncia à autossuficiência nacional, que poderia ser consequência da reiterada escolha pela aquisição de cédulas e de moedas de fabricantes estrangeiros e consequente enfraquecimento ou extinção da atividade pública hoje existente.

Segundo documento encaminhado pela Casa da Moeda, juntado aos autos da ADI, “a autorização para importação de moeda, mesmo quando viável o fornecimento nacional, tem o potencial de incrementar, em longo prazo, a dependência do país, circunstância que, em vez de melhorar a previsibilidade e a eficiência no suprimento da demanda por numerário, torna-a vulnerável a eventual incapacidade de produção por empresas estrangeiras ou mesmo a sofrer com estratégias de mercado predatórias que estas possam eventualmente praticar”.

No mesmo documento, a Casa da Moeda informa que, no processo de fabricação de numerário nacional no exterior, o Bacen tem de repassar informações classificadas como ultrassecretas – especificações e método de fabricação das moedas de Real para cada fornecedor estrangeiro que contrata –, ensejando a disseminação destas informações sem garantias efetivas quanto aos aspectos de segurança exigidos para abastecimento do meio circulante nacional.

“Somam-se a esses riscos, ainda, outros relativos ao compartilhamento de segredos industriais e itens de segurança com empresas estrangeiras, bem como transferência de tecnologia determinante na segurança monetária, o que pode abrir espaço à contratação, com enorme prejuízo à credibilidade da moeda nacional e, consequentemente, à economia como um todo”, complementa Augusto Aras.

Discricionariedade – Embora a escolha de fornecedores (como a opção pela contratação do fabricante de papel-moeda) seja decisão administrativa sujeita a discricionariedade, o PGR ressalta que os valores constitucionais também são norte para a Administração Pública e têm promovido transformações na teoria e na prática do direito administrativo. Para ele, noções clássicas como a de discricionariedade administrativa estão sendo revisitadas à luz do conceito de juridicidade administrativa: a vinculação direta da Administração à Constituição, em diferentes graus, a exemplo de conceitos jurídicos indeterminados, margem de apreciação, opções discricionárias, vinculação plena e redução da discricionariedade a zero.

“A discricionariedade não é liberdade decisória externa ao direito, tampouco está imune ao controle judicial. Respeitadas as capacidades técnicas e institucionais, o controle do exercício da discricionariedade busca obstar arbitrariedades (discricionariedade não é arbitrariedade)”.

Pedido – Ao final, o procurador-geral opina pela procedência parcial do pedido, para conferir interpretação conforme à Constituição ao artigo 1º da Lei 13.416/2017, de forma a restringir a aquisição de papel-moeda e de moeda metálica fabricados fora do país por fornecedor estrangeiro à hipótese de comprovada impossibilidade de fornecimento de cédulas e/ou moedas pela Casa da Moeda do Brasil.

Isso porque, embora se tenha situação fática de monopólio, imposto pela necessidade de preservação da soberania nacional, esta, como já esclarecido, não é absoluta e nem deve servir de pretexto para que se perpetuem violações ao princípio da eficiência e da economicidade que orientam a administração pública, impondo que eventuais sobrepreços praticados pela Casa da Moeda sejam devidamente justificados e, sempre que possível, combatidos por meio de melhorias na gestão da entidade administrativa.

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Íntegra da manifestação na ADI 6.936

Processo relacionado: ADI 6936

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