Negado o acúmulo de dois cargos públicos a servidora com jornada de trabalho de 76 horas semanais

A 1ª Turma do TRF 1ª Região, por unanimidade, deu provimento à apelação interposta pela União e reformou sentença da 2ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, que havia concedido à impetrante o direito de acumular cargos de Auxiliar de Enfermagem exercido no Hospital das Forças Armadas (HFA) e na Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, lotada no Hospital de Ceilândia (HRC).

Consta dos autos que a impetrante tinha vínculo com o Ministério da Defesa pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e servidora pública do Distrito Federal pela Secretaria de Saúde, regida pela Lei nº 8.112/90; no HFA sua carga horária era de 36 horas semanais e no HRC, 40 horas semanais.

Em suas razões, a União alegou que a sentença merece ser reformada, visto que a servidora já ocupa cargo público e não possui compatibilidade de horários para assumir o outro cargo. Ressaltou que a impetrada pretende exercer uma carga horária que excede a 60 horas semanais de acordo com seus próprios interesses, o que não se coadunaria com os seus interesses.

Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Emmanuel Mascena de Medeiros, destacou que a autora, em suas argumentações, limitou-se a afirmar que o Hospital funciona 24 horas por dia, o que permitiria o desempenho das atividades em qualquer turno, porém, sem levar em conta o cansaço que poderia comprometer a prestação de um serviço público de qualidade, “situação que ganha especial relevância da área da saúde”, completou.

O magistrado ressaltou que, como bem destacado pela União, em uma determinada data, de sábado para domingo, a impetrante trabalhou no HFA no plantão noturno (19:00 às 7:00 h). Encerrado o turno no domingo, deu plantão no Hospital Regional de Ceilândia durante seis horas. Ainda no próprio domingo teve que voltar ao HFA para o turno da tarde (13:00 às 19:00). Em suma, a autora trabalhou 24 horas seguidas.

O relator entendeu que a situação revela prejuízo não apenas para a própria servidora, que coloca sua saúde em risco, mas também risco aos pacientes e para a eficiência do trabalho, e se tratando de três turnos seguidos, sem qualquer intervalo, a impetrante não conseguiria se descolar do HFA para Ceilândia e depois retornar, sem consumir considerável parte da jornada na qual deveria estar trabalhando.

O recurso ficou assim ementado:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ACÚMULO DE CARGOS NA ÁREA DE SAÚDE. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICA EM ENFERMAGEM. CARGA HORÁRIA SEMANAL SUPERIOR A 60 HORAS. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA.

  1. A Constituição Federal, em seu art. 37, XVI, “c”, permite a acumulação remunerada de dois cargos ou empregos públicos privativos de profissionais de saúde com profissões regulamentadas, exigindo-se que haja compatibilidade de horários.

  2. Acerca do referido tema, o Superior Tribunal de Justiça tem reiterado o entendimento de que a cumulação de cargos deve atender ao princípio da eficiência e às demais normas de saúde no trabalho, tais como intervalos intra e interjornada, aplicando-se, para tanto, o limite de 60 horas adotado pelo TCU.

  3. “Merece relevo o entendimento do Tribunal de Contas da União no sentido da coerência do limite de 60 (sessenta) horas semanais – uma vez que cada dia útil comporta onze horas consecutivas de descanso interjornada, dois turnos de seis horas (um para cada cargo), e um intervalo de uma hora entre esses dois turnos (destinado à alimentação e deslocamento) -, fato que certamente não decorre de coincidência, mas da preocupação em se otimizarem os serviços públicos, que dependem de adequado descanso dos servidores públicos. Ora, é limitação que atende ao princípio da eficiência sem esvaziar o conteúdo do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal.” (STJ, MS 19.336/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe de 18/12/2014).

  4. “O legislador infraconstitucional fixou para o servidor público a jornada de trabalho de, no máximo, 40 horas semanais, com a possibilidade de 2 horas de trabalho extras por jornada. Partindo daí, impõe-se reconhecer que o Acórdão TCU 2.133/2005 e o Parecer GQ 145/98, ao fixarem o limite de 60 horas semanais para que o servidor se submeta a dois ou mais regimes de trabalho, deve ser prestigiado, uma vez que atende ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade.” (AgRg no AREsp n. 713.660/RJ – Relator Ministro Humberto Martins – DJe de 11.09.2015).

  5. Precedentes desta Corte: ACORDAO 00437647020114013400, DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, TRF1 – PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 DATA: 11/05/2015 PAGINA:910; ACORDAO 00235091320054013300, JUIZ FEDERAL CÉSAR CINTRA JATAHY FONSECA (CONV.), TRF1 – SEGUNDA TURMA, e-DJF1 DATA: 26/04/2016 PAGINA.

  6. É justamente essa a situação da impetrante, que pretende trabalhar em regime de 76 (setenta e seis) horas semanais, cumprindo horário em regime de plantão, com intervalo mínimo entre uma jornada e outra de 11 horas.

  7. Em suas argumentações, limita-se a afirmar que o Hospital funciona 24 horas por dia, o que permitiria o desempenho das atividades em qualquer turno, em face da jornada flexível, sem levar em conta, todavia, o inevitável cansaço que poderia comprometer a prestação de um serviço público de qualidade, situação que ganha especial relevância na área da saúde.

  8. Sentença reformada para denegar a segurança.

  9. Apelação e remessa oficial providas.

Processo nº: 0046504-98.2011.4013400

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