A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou que o município de Guarapuava (PR) realize processo seletivo público para a contratação de estagiários, com critérios objetivos, previamente definidos e divulgados. O edital do concurso reservará vagas a estudantes matriculados ou formados na rede pública de ensino, afrodescendentes ou com deficiência.
A decisão se deu em recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) em ação civil pública ajuizada na 2ª Vara do Trabalho de Guarapuava, para o governo municipal contratar estagiários somente por meio de teste seletivo. Segundo o MPT, a conduta da administração de Guarapuava de escolher os estudantes com base apenas em entrevistas e análises de currículos está em desacordo com os princípios constitucionais de igualdade e impessoalidade, norteadores da atuação do gestor público.
Em sua contestação, o município afirmou que a Lei 11.788/2008 (Lei do Estágio) não prevê o concurso como requisito para a contratação dos estudantes. Para a defesa, o procedimento é necessário somente quando se pretende a posse em cargo ou emprego público, situação jurídica que não abrange os contratos de estágio.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente a ação, por ausência de fundamento legal. Conforme a sentença, o contrato de estágio não é modalidade de cargo ou emprego público, cuja posse é condicionada à aprovação prévia em concurso, nos termos do artigo 37, inciso II, da Constituição Federal. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR).
TST
O relator do recurso do Ministério Público ao TST, ministro Alexandre Agra Belmonte, votou pelo seu provimento ao considerar que a conduta praticada em Guarapuava é incompatível com os princípios que norteiam a Administração Pública (artigo 37 da Constituição). “A seleção apenas por entrevista e análise curricular impede a igualdade de condições entre os candidatos, e não transparece a ética que deve resguardar o interesse público diante da vontade pessoal nem garante que os selecionados sejam realmente as pessoas mais qualificadas”, afirmou.
Apesar de a legislação não exigir concurso para a admissão de estagiários em órgãos públicos, o ministro considera que o processo seletivo com critérios objetivos se harmoniza com os princípios da Constituição. Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça decidiu que o recrutamento de estagiários pelos órgãos do Poder Judiciário deve ocorrer mediante seleção pública baseada em prova de conhecimento (PCA-0006121-88.2011.2.00.0000).
Inclusão social
Agra Belmonte acolheu proposta do ministro Mauricio Godinho Delgado, proferida em voto vista, no sentido de que o município reserve vagas aos estudantes matriculados ou formados na rede pública de ensino, afrodescendentes ou com deficiência, conforme percentuais descritos no acórdão. Segundo Godinho Delgado, o estágio é instrumento para efetivar as normas constitucionais que garantem, além do direito à educação, o direito à inclusão social, à erradicação da pobreza e à redução das desigualdades sociais.
O recurso ficou assim ementado:
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONTRATO DE ESTÁGIO – ENTE PÚBLICO – NECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO PRÉVIO. Diante de possível violação do art. 37, caput , da Constituição Federal, dou provimento ao agravo de instrumento . Agravo de instrumento conhecido e provido .
II – RECURSO DE REVISTA NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Diante da possibilidade de provimento do recurso e em atenção aos princípios da celeridade e economia processuais, deixa-se de analisar a preliminar, com fundamento no art. 249, § 2º, do CPC.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATO DE ESTÁGIO . ENTE PÚBLICO NECESSIDADE DE PROCESSO SELETIVO PRÉVIO. O Ministério Público do Trabalho ajuizou Ação Civil Pública requerendo que o Município de Guarapuava proceda à contratação de ” estagiários somente através de previa submissão a TESTE SELETIVO, fundado nos princípios constitucionais da igualdade, impessoalidade e do concurso público, observando critérios objetivos pré-estabelecidos, não bastando, para tanto, a mera realização de entrevista ou avaliação de currículo” (fl. 495). O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário do Ministério Público e confirmou a sentença que indeferiu o pedido, ao fundamento de que para a validade do contrato de estágio basta serem cumpridos os requisitos legais previstos na Lei nº 6.494/77. Contudo, tratando-se de ente público, o estagiário na Administração exercerá função pública e poderá receber, por meio de bolsa ou outra forma de contraprestação, além de benefícios relacionados a transporte, alimentação e saúde, dinheiro público em razão das atividades desempenhadas durante o estágio. Logo, tal contrato deve seguir os princípios gerais da Administração. Toda e qualquer atuação da Administração Pública deve observar rigorosamente os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência . Diante da densidade normativa dos princípios constitucionais, verifica-se que o ato de contratar estagiários no município acionado por simples análise curricular ou por meio de entrevistas, desprovido de critérios objetivos e com iguais oportunidades para todos os candidatos, caracteriza ofensa ao art. 37, caput , da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido por ofensa ao art. 37 caput , da Constituição Federal e provido.
A decisão foi unânime.
Processo: RR-294800-13.2009.5.09.0659