Renovações da licença de instalação continuam a ignorar comunidades tradicionais que estão na área de influência do empreendimento
O Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR) ajuizaram ação civil pública na 11ª Vara Federal de Curitiba contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (Appa) para a anulação das renovações da Licença de Instalação 1144/2016, até que seja feita a devida consulta livre, prévia e informada às comunidades originárias e tradicionais da área de influência do empreendimento.
O canal de navegação e as bacias de evolução dos portos de Paranaguá e Antonina estão inseridos no complexo estuarino de Paranaguá, localizado ao norte do litoral do Paraná, e impacta a região do entorno que abrange os municípios de Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e Pontal do Paraná. As sucessivas renovações autorizam a contínua dragagem de aprofundamento do canal de navegação, acesso e berços do Porto de Paranaguá.
De acordo com o 15º Ofício do MPF no Paraná, especializado em Meio Ambiente e Comunidades Tradicionais, e com o Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo (Gaema) do MPPR, a licença de instalação ignorou diversas comunidades tradicionais que estão dentro da área de influência direta do empreendimento.
Comunidades afetadas – Dentro do Programa de Compensação à Atividade Pesqueira, que é uma condicionante da licença de instalação, o empreendedor se comprometeu junto ao órgão licenciador a promover a reforma e construção de trapiches em apenas 14 comunidades consideradas dentro da área de influência direta das obras. Contudo, além de não ter sido feita a consulta livre, prévia e informada sobre outras necessidades, dezenas de outras comunidades ficaram de fora da área de influência das obras.
Na instrução dos procedimentos administrativos, e com a intenção de verificar in loco os efeitos das atividades dessa licença, os Ministérios Públicos iniciaram algumas inspeções e constataram que os efeitos e danos decorrentes do licenciamento se estendem a mais de 60 comunidades tradicionais ou parcialmente tradicionais.
Foi constatado, por exemplo, que a Comunidade Pesqueira de São Miguel foi inicialmente considerada dentro da área de influência direta, mas, posteriormente, por razões que não ficaram claras no licenciamento, foi simplesmente retirada. Na vistoria feita pelo MPF, ficou comprovado que parte da comunidade se desloca até regiões bem próximas ao canal de navegação, acesso e berços do Porto de Paranaguá, de forma que a exclusão é indevida. Nessa mesma linha foi a conclusão feita em relação à Comunidade Pesqueira da Vila das Peças, onde MPF e MPPR estiveram duas vezes em inspeção.
Ausência de consulta – Os Ministérios Públicos constataram que, mesmo nas comunidades que foram contempladas dentro da área de influência direta da atividade impactante, não houve a correta consulta às comunidades, o que acarretou equívocos flagrantes, a exemplo do trapiche da Ilha do Mel.
Em vistoria ao local, na Comunidade de Encantadas, houve relatos unânimes de que o trapiche construído foi feito de forma equivocada. Segundo um nativo, “o trapiche foi construído da forma mais absurda possível. O pessoal para amarrar o barco, quando chega aqui, tem que fazer uma manobra que qualquer pessoa minimamente informada consegue ver que não dá certo”.
Na ação civil pública, os Ministérios Públicos defendem que a obediência aos protocolos de consulta é a única forma do empreendedor saber, exatamente, o que impacta essas comunidades e a melhor forma de compensar os danos.
A ação aponta ainda que as renovações da licença de dragagem de aprofundamento deveriam contemplar uma aldeia indígena criada na Ilha da Cotinga em 2018 que, até a presente data, não foi devidamente ouvida.
Todas as comunidades atingidas pelos efeitos da Licença de Instalação 1144/2016 são extremamente carentes e vêm sofrendo com a sucessiva redução, ao longo dos anos, do estoque pesqueiro na área afetada pela atividade portuária. “A ausência de estudo apropriado nos licenciamentos ambientais, que aponte os reais e extensos efeitos sociais das atividades, influencia, diretamente, no sustento e modo de vida dessas comunidades, prejudicando a sobrevivência de diversos de seus integrantes a longo prazo”, defende a procuradora da República Monique Cheker.
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