MP tem legitimidade para a execução residual, mas não para a execução coletiva

Ao dar provimento ao recurso especial de uma incorporadora imobiliária, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou que o Ministério Público (MP) não tem legitimidade para promover o cumprimento coletivo de sentença que reconheceu a existência de direitos individuais homogêneos (direitos divisíveis decorrentes de origem comum). Para o colegiado, o interesse público que justificaria a atuação da instituição na ação coletiva já está superado nessa fase processual, restando ao MP somente a hipótese da execução residual (fluid recovery).

A incorporadora foi condenada a devolver valores retidos acima de 25% das prestações pagas, nos casos de desistência de compra de imóvel. O tribunal estadual considerou abusivo o percentual contratual de até 90% cobrado dos consumidores. Antes do julgamento da ação civil pública, o juízo determinou que a incorporadora listasse os contratos firmados com clientes possivelmente lesados, sob pena de multa de R$ 1 milhão por descumprimento da ordem judicial (astreintes).

Alegando atraso no atendimento à determinação, o MP requereu a aplicação da multa, bem como iniciou o cumprimento coletivo da sentença. No STJ, a incorporadora defendeu que apenas os consumidores lesados poderiam exigir o cumprimento da condenação, não o MP. Além disso, argumentou que não foi intimada pessoalmente acerca da penalidade.

Direitos individuais homogêneos

De acordo com o relator do recurso, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, os direitos individuais homogêneos – como os do caso julgado – podem ser executados individualmente na fase de cumprimento de sentença, conforme o artigo 97 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Além da execução individual, apontou as possibilidades de execução coletiva (artigo 98 do CDC) e execução residual (artigo 100 do CDC).

O magistrado destacou que o próprio parecer do MP enfatizou que, ao caso analisado, não se aplica a execução residual, pois nessa modalidade há a estipulação de indenização em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Isso ocorre para que a condenação coletiva em ação civil pública não seja ineficaz, se não houver a habilitação de interessados (artigo 100 do CDC), explicou Sanseverino.

Ilegitimidade do MP para a execução coletiva

Sobre a alegada ilegitimidade do MP para promover o cumprimento coletivo da sentença no caso em julgamento, o relator registrou que o CDC se refere ao órgão como um dos legitimados para a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (artigo 82). Porém, explicou, a discussão sobre o direito de natureza homogênea já está superada na fase de execução, faltando apenas identificar cada beneficiário da sentença e o valor que tem a receber – questões que dizem respeito, individualmente, ao âmbito patrimonial e disponível dos consumidores lesados.

Desse modo, alinhado com precedente da Quarta Turma do STJ (REsp 869.583), o ministro declarou a ilegitimidade ativa do MP para instaurar o cumprimento de sentença coletivo – sem prejuízo da possibilidade da execução residual –, pois o interesse social que justificaria a atuação da instituição (artigo 129, inciso III, da Constituição Federal) “está vinculado ao núcleo de homogeneidade do direito”, o qual já não se discute nessa fase.

Intimação pessoal do devedor é indispensável para a aplicação de astreintes

Sobre a aplicação da multa por descumprimento, o ministro Sanseverino considerou que não restaram dúvidas quanto à ausência de intimação pessoal da incorporadora. Segundo o relator, além de não ter constado do mandado referência às astreintes, o acórdão recorrido afirmou que a ciência da multa ocorreu por meio do comparecimento espontâneo aos autos.

O magistrado lembrou que, conforme a Súmula 410 do STJ, é necessária a intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

“O comparecimento espontâneo aos autos não supre a necessidade de intimação pessoal, pois a obrigação a ser cumprida, sob pena de astreintes, fica a cargo da parte, não do respectivo patrono”, concluiu Sanseverino ao declarar a inexigência da multa.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL, PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM FASE DE EXECUÇÃO. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO PESSOAL. INEXIGIBILDADE. SÚMULA 410/STJ. EXECUÇÃO COLETIVA DO ART. 98 DO CDC. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

  1. Controvérsia relativa à exigibilidade das astreintes e à legitimidade do Ministério Público para deduzir pedido de cumprimento de sentença coletiva pertinente a direitos individuais homogêneos.

  2. Nos termos da Súmula 410/STJ: ‘A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer’.

  3. Subsistência da referida súmula na vigência do CPC/2015, conforme precedente da Corte Especial.

  4. Caso concreto em que não constou no texto do mandado de citação/intimação da empresa demandada a cominação de astreintes, sendo inexigível, portanto, a multa por descumprimento da ordem judicial, à luz da Súmula 410/STJ.

  5. Existência de julgado específico desta Turma no sentido de que o comparecimento espontâneo aos autos não supre a necessidade de intimação pessoal do devedor sobre a cominação de astreintes.

  6. Nos termos do art. 98 do CDC, “poderá ser coletiva” a execução da sentença condenatória proferida em ação civil pública referente a direitos individuais homogêneos.

  7. Distinção entre a “execução coletiva” prevista no art. 98 do CDC e a execução residual (fluid recovery) prevista no art. 100 do CDC.

  8. Ilegitimidade ativa do Ministério Público para promover a execução coletiva do art. 98 do CDC por ausência de interesse público ou social a justificar a atuação do ‘parquet’ nessa fase processual, em que o interesse jurídico se restringe ao âmbito patrimonial e disponível de cada um dos consumidores lesados.

  9. Julgado específico da QUARTA TURMA nesse sentido.

  10. RECURSO ESPECIAL PROVIDO

Leia o acórdão no REsp 1.801.518.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1801518

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