Mineradora é condenada por adotar anotação invariável de ponto

A prática de registro ou anotação “britânica” dos cartões de ponto é considerada fraude na jornada de trabalho

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu recurso do Ministério Público do Trabalho (MPT) e condenou a  Morro Verde Participações S.A., de Xinguara (PA), por danos morais coletivos. Conforme apurado, a empresa descumpria de forma reiterada normas que tratam do controle de jornada, com a chamada anotação “britânica” (ou invariável) dos cartões de ponto. Para o colegiado, a conduta representa fraude aos direitos sociais do trabalho.

TAC

O MPT acusava a empresa de irregularidades no controle de ponto, em ofensa ao patrimônio moral da coletividade de trabalhadores. Diante disso, propôs a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), mas, segundo o MPT, a Morro Velho não teve interesse em firmar o instrumento. Na ação civil pública, foram anexados 64 cartões de pontos, e, em 33, todos os empregados entravam e saíam no mesmo horário, por dias seguidos.

Censurável

Ao julgar o caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP) reconheceu a violação aos direitos trabalhistas e determinou a regularização pela empresa. Contudo, absolveu a mineradora do pagamento de indenização por danos morais coletivos. O fundamento foi de que a conduta, embora censurável, não causava “sensação de repulsa coletiva a fato intolerável”.

O TRT também observou que as marcações britânicas envolviam número reduzido de trabalhadores dentro da realidade da empresa.

Afronta à coletividade

Noutro sentido, o relator do recurso de revista, ministro José Roberto Pimenta, observou que, desde 2015, o MPT vinha intervindo, sem sucesso, para eliminar os descumprimentos reiterados da legislação trabalhista, sobretudo quanto à marcação fraudulenta dos controles de jornada.

Para o relator, a conduta da mineradora, ao deixar de cumprir as normas trabalhistas relativas às anotações da jornada, de forma reiterada e por mais de cinco anos, configura afronta à coletividade.

O ministro assinalou que, conforme a jurisprudência predominante do TST, as normas que regulam a anotação e o controle de jornada dizem respeito à segurança e à saúde do trabalho. Assim, seu descumprimento causa danos não apenas aos trabalhadores, mas também à coletividade.

Valor

O processo irá retornar ao TRT para que prossiga a análise do recurso da empresa quanto ao valor da indenização.

O recurso ficou assim ementado:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA.

DANOS MORAIS COLETIVOS. JORNADA DE TRABALHO. DESCUMPRIMENTO REITERADO DAS NORMAS QUE TRATAM DO CONTROLE DE JORNADA. ANOTAÇÃO BRITÂNICA DOS CARTÕES DE PONTO. DESRESPEITO A NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO.

Em face da demonstração de possível violação dos artigos 186 e 927 do Código Civil, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.

RECURSO DE REVISTA.

DANOS MORAIS COLETIVOS. JORNADA DE TRABALHO. DESCUMPRIMENTO REITERADO DAS NORMAS QUE TRATAM DO CONTROLE DE JORNADA. ANOTAÇÃO BRITÂNICA DOS CARTÕES DE PONTO. DESRESPEITO A NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO.

Na situação em análise, a Corte regional reconheceu ser “incontroverso que houve violação aos direitos trabalhistas e demanda regularização por parte da ré” , contudo, afastou sua condenação no pagamento de indenização por danos morais coletivos ao fundamento de que a “conduta da ré, embora censurável, não se reveste de antijuridicidade bastante, que implique na sensação de repulsa coletiva a fato intolerável” . Contudo, é incontroverso que , ao menos desde 2015, através da instauração do Inquérito Civil nº 0000424.2015.08.002/5, o Ministério Público do Trabalho vem intervindo, sendo sucesso, perante da reclamada, com o objetivo de eliminar os descumprimentos reiterados da legislação trabalhista, mormente no que diz respeito à marcação fraudulenta dos controles de jornada, por meio das chamadas anotações britânicas. Discute-se, pois, se a conduta da ré, ao se deixar de cumprir as normas trabalhistas relativas às anotações da jornada de trabalho, de forma reiterada e por um período de mais de 5 (cinco) anos, configura afronta à coletividade, passível de ser condenada ao pagamento de indenização por dano moral coletivo. Para a configuração do dano moral coletivo, basta, como no caso dos autos, a violação intolerável de direitos coletivos e difusos, ação ou omissão reprováveis pelo sistema de justiça social do ordenamento jurídico brasileiro, conduta antijurídica capaz de lesar a esfera de interesses da coletividade, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial. Diante dos fatos incontroversos relativos à conduta ilícita da reclamada, o dano moral daí decorrente é considerado in re ipsa , já que decorre da própria natureza das coisas, prescindindo, assim, de prova da sua ocorrência concreta, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato ilícito ou antijurídico em função do qual a parte afirma ter ocorrido a ofensa ao patrimônio moral. Com efeito, o dano coletivo experimentado, nessa hipótese, prescinde da prova da dor, pois, dada a sua relevância social, desencadeia reparação específica, na forma dos artigos 186 e 927 do Código Civil de 2002. Diante do entendimento predominante da jurisprudência desta Corte, a ré, ao descumprir as normas que regulam anotação e controle de jornada, por serem afetas à segurança e à saúde dos trabalhadores, causou danos não apenas aos trabalhadores, mas também à coletividade, o que enseja sua responsabilização pelo pagamento de indenização por dano moral coletivo. Dessa forma, a Corte regional, ao reformar a decisão de primeira instância e, assim, absolver a reclamada do pagamento de indenização por dano moral coletivo, proferiu decisão em violação dos artigos 186 e 927 do Código Civil, devendo, assim, ser reformada, para restabelecer a sentença em que se condenou a reclamada ao pagamento da indenização, determinando o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem para que prossiga no exame do recurso com relação ao quantum indenizatório .

Recurso de revista conhecido e provido.

Processo: RR-14-84.2022.5.08.0124

Deixe uma resposta

Iniciar conversa
Precisa de ajuda?
Olá, como posso ajudar