Mero exercício de atividade temporária do cargo não caracteriza desvio de função

A 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) manteve a sentença que negou o pedido para reconhecer desvio de função a uma servidora. No recurso, a autora sustentou que foi designada para exercer as funções de analista ou de auditor da Receita Federal sem reajuste salarial, cargo diverso para o qual foi contratada, o de Técnica em Assuntos Educacionais.

O relator, desembargador federal Rui Gonçalves, referiu-se ao Supremo Tribunal Federal (STF) que consolidou o¿entendimento no sentido de que “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”. Segundo o magistrado, o desvio de função não é reconhecido¿como forma de provimento, originário ou derivado, em cargo público, porquanto é ilegal e inconstitucional, complementou.

Segundo o desembargador, na hipótese em questão, a documentação anexa aos autos não demonstrou o pretendido desvio funcional da parte autora. O que se constatou foram portarias designando-a para realizar atividades temporárias ou substitutivas, não exclusivas da carreira de auditoria da Receita Federal do Brasil (RFB), tendo sido realizadas¿atividades de atendimento ao contribuinte, além de outras atividades administrativas, conforme documento oficial.

Atividade temporária e não discrepante – O desembargador ressaltou que o desvio¿de¿função¿deve ser caracterizado pela discrepância entre as¿funções¿legalmente previstas para o cargo em que o servidor foi investido e aquelas por ele efetivamente desempenhadas de forma habitual.¿“Não basta o mero exercício de atividade¿temporária¿ou episódica que se insira nas atribuições de cargo mais elevado para que o servidor tenha direito a vencimentos do cargo superior”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TÉCNICO EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS. DESVIO DE FUNÇÃO. ANALISTA TRIBUTÁRIO. AUDITOR FISCAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. SUMULA 378/STJ. ÔNUS PROVA. ART 333, I, CPC/1973. DESVIO NÃO CONFIGURADO. 1. A parte autora afirma que é servidora administrativa da Receita Federal, ocupante do cargo de Técnica em Assuntos Educacionais, lotada na Delegacia da Receita Federal em Goiânia/GO, onde exerce desde 1999 funções complexas alheias ao cargo no qual é investida, o que configuraria desvio de função. Visa, assim, ao pagamento das diferenças salariais decorrentes de alegado desvio de função entre o seu cargo e o de analista ou auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil, bem assim todos os reflexos patrimoniais decorrentes. 2. O único reconhecimento que a jurisprudência tem assegurado aos servidores que experimentam tal situação é o pagamento relativo à diferença entre a remuneração do cargo efetivamente exercido pelo servidor e a do cargo que legalmente ocupa, durante o período de exercício de outra função, observada a prescrição quinquenal, estando inclusive esse entendimento cristalizado na Súmula n 378/STJ: “O servidor público que desempenha funções alheias ao cargo para o qual foi originariamente provido, em virtude de desvio funcional, faz jus ao pagamento das diferenças salariais correspondente a esse período, sob pena de locupletamento indevido por parte da Administração” . 3. A aplicação da referida súmula enseja que seja feita análise do caso concreto, verificando-se dois elementos: 1º) análise abstrata das atribuições estabelecidas por atos normativos para o cargo em concreto e para o cargo paradigma; 2º) verificação concreta de tarefas exercidas pelo servidor em relação ao cargo para qual foi concursado. 4. Da análise da documentação acostada, observa-se que não restou demonstrado o alegado desvio funcional da parte autora. Há apenas portarias designando-a para realizar atividades temporárias ou substitutivas, não exclusivos da carreira de auditoria da Receita Federal do Brasil. 5. Uma mesma tarefa pode compor várias funções, sem, necessariamente, comprometer a identidade própria e distintiva de cada uma das funções comparadas. É possível que o servidor exerça meras atividades de auxílio às carreiras de analistas e auditoria da Receita Federal do Brasil, de cunho administrativo, adequadas às atividades ali desenvolvidas, que, por si só, são de natureza complexa, o que não implica reconhecer, contudo, o exercício das atividades privativas de analistas tributários ou auditores daquele órgão. O reconhecimento do desvio de função na Administração Pública, com o consequente direito à percepção de diferenças salariais, dá-se de forma excepcional, naquelas situações fáticas em que há demonstração suficiente do exercício de funções típicas e privativas do cargo paradigma, sem o pagamento da correlata função comissionada ou gratificada de chefia correspondente. 6. Na fase de especificação de provas, a parte autora nada requereu, não se desincumbindo do ônus de provar (artigo 333, I, do CPC/1973), de forma cabal e incontestável, a existência do desvio de função no exercício de suas atividades, não sendo assim possível concluir pela documentação apresentada, que ela teria exercido atividade privativa de analista ou auditor fiscal. 7. Sentença mantida. 8. Apelação não provida. 9. Sem condenação de honorários na fase recursal em razão da incidência do CPC/1973.

Nesses termos, o Colegiado acompanhou o voto do relator para negar provimento ao recurso da autora.

 

Processo: 0008069-26.2009.4.01.3400

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