Mato Grosso do Sul tem direito exclusivo ao ICMS sobre importação de gás da Bolívia

O Plenário, por maioria de votos, confirmou liminares em três ações e proibiu os estados de SP, SC e RS de procederem à autuação ou ao lançamento do ICMS sobre operações de importação do gás.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão realizada nesta quinta-feira (22), confirmou decisões liminares nas Ações Cíveis Originárias (ACOs) 854, 1076 e 1093 para determinar que é do Estado de Mato Grosso do Sul o direito exclusivo de recolher o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na importação do gás natural procedente da Bolívia que entra em território brasileiro na Estação de Medição Mutum (E-MED Mutum), no Município de Corumbá. A decisão vale para os atuais contratos de importação de gás natural da Bolívia pelo gasoduto Gasbol.

De acordo com a decisão majoritária do Plenário, os Estados de São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul deverão se abster de proceder a qualquer tipo de autuação ou lançamento tributário do ICMS incidente sobre as operações de importação do gás advindo da Bolívia e realizada pela Petrobras em Corumbá e de prosseguir com as cobranças já iniciadas.

Nas ações, o governo de Mato Grosso do Sul pretendia que fosse declarado o direito exclusivo do estado de tributar o gás natural boliviano com ICMS, com o argumento de que é em seu território que se completa a importação do produto pela Petrobras, desde o início do funcionamento do gasoduto da Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil S.A. (TBG).

Estabelecimento destinatário

O relator das ações, ministro Gilmar Mendes, observou que, de acordo com a Constituição Federal (artigo 155, parágrafo 2º, inciso IX, alínea “a”), o ICMS caberá ao estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria ou do bem. Entretanto, a Carta não definiu qual deve ser considerado o estabelecimento destinatário da mercadoria. A Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), numa tentativa de regulamentar o dispositivo, estabelece que o local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e da definição do estabelecimento responsável, é onde ocorrer a entrada física da mercadoria.

Circulação econômico-jurídica

No entanto, o ministro assinalou que a jurisprudência do Supremo se firmou no sentido de que a circulação que importa para a incidência do ICMS é a circulação econômico-jurídica de bens, o que significa a alteração da titularidade sem a necessidade do deslocamento físico da mercadoria. Segundo Gilmar Mendes, a própria Lei Kandir dispensa a entrada física dos bens no estabelecimento para que ocorra a compensação do imposto. Ou seja, o direito de crédito existe a partir da circulação jurídica de bens, independentemente da circulação física.

O relator explicou que a importação nem sempre envolve a necessidade de entrada física dos bens no estabelecimento destinatário da importação. Pode ocorrer, também, a entrada ficta, contábil ou simbólica da mercadoria. A conclusão sobre quem será o destinatário jurídico do bem dependerá da análise do negócio jurídico firmado entre as partes e das circunstâncias fáticas do caso.

Relações jurídicas

Da análise das relações jurídicas no caso concreto, segundo Mendes, o sujeito ativo decorrente do ICMS é o Estado de Mato Grosso do Sul, onde está o estabelecimento importador da Petrobras, destinatário legal da mercadoria e que deu causa à circulação do gás, com a transferência de domínio. O ministro assinalou que as cláusulas do contrato de compra e venda celebrado entre a Petrobras e a petrolífera boliviana enfatizam o lugar de cumprimento da obrigação de entregar o produto importado – entre as localidades de Puerto Suárez (Bolívia) e Corumbá (Brasil).

Aleḿ disso, o contrato firmado entre a Petrobras e a Companhia de Gás São Paulo (Comgás) esclarece que o gás importado da Bolívia é comercializado pela estatal brasileira, já internalizado no território nacional. Segundo o relator, esse contrato, assim como os firmados com os demais estados requerentes, tem natureza de compra e venda, pois estabelece diversas obrigações à Petrobras, inclusive a responsabilidade pelas características e pela constância da qualidade do produto, o que demonstra que a sociedade de economia mista não é uma mera prestadora de serviços dos estados. Trata-se, a seu ver, não de importação por conta e ordem de terceiro com as companhias estaduais, mas de importação própria sob encomenda.

Limitação da decisão

O ministro esclareceu, ainda, que a Lei 11.909/2009 (Lei do Gás) permite a importação direta do gás natural por empresas públicas e privadas, até mesmo por meio do gasoduto Gasbol, o que desvia a titularidade ativa do ICMS para o estado destinatário. Nesse caso, a Petrobras ou a TBG seriam contradas apenas como prestadoras de serviços, na modalidade importação direta ou importação por conta e ordem de terceiro. “Até que seja alterado o destinatário jurídico da importação, o sujeito ativo decorrente do ICMS-Importação é o estado-membro em que situado o estabelecimento importador da Petrobrás-MS, qual seja: o Mato Grosso do Sul”, afirmou. O posicionamento do ministro Gilmar Mendes foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski.

Intermediária

O ministro Alexandre de Moraes abriu divergência, ao votar pela improcedência das ações. Segundo argumentou, do ponto de vista operacional, em nenhum momento, durante o curso do gás, o produto é disponibilizado fisicamente a Mato Grosso do Sul, pois sai da Bolívia direto para os estados destinatários. A Petrobras localizada em Corumbá, para ele, funciona apenas como uma intermediária. “Não podemos transformar uma estação de medição, localizada em território estrangeiro, em compradora e depois em revendedora”, afirmou. Seguiram a corrente divergente os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Rosa Weber.

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