Mantida ação civil pública que pede o pagamento por empresa de danos materiais pela circulação de veículos com sobrepeso em rodovias federais

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) determinou o processamento e julgamento pela Justiça Federal de Uberlândia de uma ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), que busca o ressarcimento por uma empresa de transportes, dos danos materiais causados pelo tráfego de veículos de carga com excesso de peso nas rodovias federais.

O MPF entrou com recurso de apelação contra a sentença da Justiça Federal que extinguiu o processo, sem resolução do mérito, por ausência de interesse processual. O juízo havia considerado que o objeto da demanda já possui previsão legal no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que estabelece a punição pecuniária do transgressor, com pagamento de multa.

Na apelação, o MPF defendeu que a multa de trânsito é uma sanção administrativa e as ações civis públicas são o meio adequado para coibir o reiterado descumprimento da lei. Por isso, é possível propor a ação para defender o patrimônio público, impedir a degradação do pavimento de rodovias federais e zelar pela vida de milhares de pessoas expostas diariamente ao risco causado pela circulação de veículos de carga com sobrepeso.

O relator da apelação, juiz federal convocado Rafael Paulo Soares Pinto, observou em seu voto, que os precedentes atuais do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecem a possibilidade de fixação de multa por desrespeito à norma administrativa, assim como a condenação ao ressarcimento dos danos materiais impostos por dano à malha asfáltica, com base em critérios objetivos, e de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.

Para o magistrado, que atualmente é desembargador federal, a sentença deve ser reformada pois “o Ministério Público Federal visa à tutela de direitos e interesses difusos e coletivos por meio de ação civil pública, a exemplo do direito ao trânsito seguro e da proteção ao patrimônio público, tal como previsto no art. 129, III, da Constituição da República”.

Desta forma, analisou que não há que se falar em ausência de interesse de agir. “Estabelecidas estas premissas, assiste razão ao apelo, devendo ser desconstituída a sentença, com o retorno dos autos à origem para regular processamento do feito”, concluiu.

O recurso ficou assim ementado:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TRANSPORTADORA. EXCESSO DE PESO. RODOVIA FEDERAL. PRELIMINAR. INTERESSE DE AGIR. REJEITADA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. DANOS MATERIAIS. DANO MORAL COLETIVO. IN RE IPSA. POSSIBILIDADE. TEORIA CAUSA MADURA. INAPLICABILIDADE NO CASO CONCRETO. SENTENÇA REFORMADA.

I. Foram ajuizadas, por todo o país, diversas ações civis públicas com o objetivo de coibir o tráfego de veículos de carga com excesso de peso nas rodovias federais, cujos pedidos, em regra, consistem na abstenção de trafegar fora dos limites estabelecidos no Código de Trânsito Nacional, com a imposição de astreintes pelo descumprimento, condenação ao ressarcimento dos danos materiais causados pela conduta, e condenação ao pagamento de indenização por danos morais coletivos.

II. A Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 4765-28.2010.4.01.3806, firmou orientação no sentido de não ser possível ao Poder Judiciário adentrar em matéria de competência do legislativo e por ele já prevista – impossibilidade de transitar, em rodovias federais, com excesso de peso. Precedentes.

III. Não obstante, os precedentes atuais da Primeira e da Segunda Turmas do E. Superior Tribunal de Justiça vão de encontro ao entendimento mencionado, reconhecendo de forma expressa não só a possibilidade de fixação de multa por novo desrespeito à norma administrativa (astreintes) sem configuração de bis in idem, como também a viabilidade de condenação ao ressarcimento dos danos materiais impostos à malha asfáltica com base em critérios objetivos e de condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, o qual é presumido (in re ipsa), a depender das provas dos autos e das circunstâncias fáticas do caso. Precedentes.

IV. Tendo em vista que o E. Superior Tribunal de Justiça tem por missão constitucional uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação federal e que os “tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente” (art. 926 do CPC/2015), propõe-se uma revisão do entendimento sobre a matéria no âmbito do E. Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a fim de se acompanhar a evolução jurisprudencial, ressalvando que o tema é alvo de divergência.

V. A pretensão autoral não objetiva a cobrança, expedição ou fiscalização de multas administrativas previstas no Código de Trânsito Brasileiro. Na realidade, o Ministério Público Federal visa à tutela de direitos e interesses difusos e coletivos por meio de ação civil pública, a exemplo do direito ao trânsito seguro e da proteção ao patrimônio público, tal como previsto no art. 129, III, da Constituição da República, veiculando pedidos de obrigações de não fazer e de pagar de natureza civil, não havendo que se falar em ausência de interesse de agir. Preliminar rejeitada.

VI. A teoria da causa madura (art. 1.013, § 3º, do CPC/2015) não é cabível ao caso em tela, uma vez que existe controvérsia fática e não houve dilação probatória. Com efeito, o MPF requereu expressamente a produção de prova pericial, a ser realizada em conjunto entre a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal, sobre as notas fiscais de entrada e de saída, bem como os “tickets” de pesagem, a fim de demonstrar a sua causa de pedir, enquanto a parte ré não foi intimada para especificar provas.

VII. Recurso de apelação do MPF a que se dá provimento, com desconstituição da sentença e retorno dos autos à origem.

A 6ª Turma do TRF1, por unanimidade, deu provimento à apelação do MPF, nos termos do voto do relator.

Processo 0004777-85.2009.4.01.3803

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