Em julgamento de recurso especial, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou a imputação de crime de gestão fraudulenta feita pelo Ministério Público contra dois dirigentes de uma corretora de valores acusados de manipular o preço de ações e realizar práticas não equitativas contra fundos de pensão.
O caso aconteceu no Rio Grande do Sul, entre janeiro de 1993 e dezembro de 1994. De acordo com a denúncia, os dois diretores utilizavam as carteiras de clientes da corretora para realizar operações simuladas de compra e venda de ações com a finalidade de elevar a cotação e revendê-las em curto prazo com lucro, em prejuízo de fundos de pensão.
Denunciados pela prática dos delitos previstos no artigo 4º, caput, da Lei 7.492/86 (gestão fraudulenta), em continuidade delitiva, e artigo 3º, inciso VI, da Lei 1.521/51 (crime contra a economia popular), em concurso formal, os dois acusados impetraram habeas corpus com pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa, diante da atipicidade das condutas.
Conduta x infração
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deu parcial provimento ao pedido. Em relação ao crime contra a economia popular, determinou a remessa dos autos à Justiça estadual, competente para julgar o feito.
Quanto ao crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, o TRF4 entendeu que, embora a peça acusatória tenha sido amparada em documentos originados de procedimento administrativo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), não há correspondência entre a conduta dos acusados e a infração criminal prevista no artigo 4º, caput, da Lei 7.492.
Segundo o acórdão, não houve prejuízo para a instituição financeira administrada pelos diretores. Além disso, as práticas a eles imputadas não se deram na corretora, mas no âmbito do mercado de valores.
A decisão também destacou a edição da Lei 10.303/01, que tipificou os crimes contra o mercado de capitais, mas, frente à irretroatividade da lei penal gravosa, afastou sua aplicação ao caso.
Acórdão mantido
No STJ, o ministro Nefi Cordeiro, relator do recurso interposto pelo Ministério Público, ratificou a decisão do TRF4: “Incensurável a conclusão de que as práticas imputadas não se inserem no âmbito da gerência interna do empreendimento, mas sim na esfera de atuação dos seus diretores no mercado de valores. Não há indicativos, por exemplo, da utilização de meios fraudulentos, falsidade documental ou desvio de valores.”
Com esse entendimento, a Sexta Turma não reconheceu violação à Lei 7.492 e manteve a decisão do TRF4.
O recurso ficou assim ementado:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. GESTÃO FRAUDULENTA. ART. 4.º, CAPUT, DA LEI N.º 7.492⁄86. MOLDURA FÁTICA QUE NÃO SE ADEQUA FORMALMENTE AO TIPO PENAL. “MANIPULAÇÃO DE PREÇOS” E USO DE “PRÁTICAS NÃO-EQUITATIVAS” EM OPERAÇÕES NA BOLSA DE VALORES. CONDUTAS QUE NÃO SE CARACTERIZAM COMO ATOS DE GESTÃO, ADMINISTRAÇÃO OU GERÊNCIA. RECURSO NÃO CONHECIDO.
1. A fraude, no âmbito da compreensão do tipo penal previsto no art. 4º, da Lei n 7.492⁄86, compreende a ação realizada de má-fé, com intuito de enganar, iludir, produzindo resultado não amparado pelo ordenamento jurídico através de expedientes ardilosos. A gestão fraudulenta se configura pela ação do agente de praticar atos de direção, administração ou gerência, mediante o emprego de ardis e artifícios, com o intuito de obter vantagem indevida (HC 95.515⁄RJ, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, PRIMEIRA TURMA, DJe 30⁄9⁄2008).
2. O inquérito da Comissão de Valores Mobiliários, bem como seus esclarecimentos posteriores, imputam aos recorridos, como gerente e diretor responsável da Corretora Zaluski, de permitirem, por omissão dolosa, que se desenrolasse um esquema comandado pelo operador Ricardo Luiz Robini Pinto, no qual ocorria a “manipulação de preços” e o uso de “práticas não-equitativas” em operações na Bolsa de Valores, que geraram prejuízos para investidores institucionais, notadamente para Fundos de Pensões.
3. As condutas imputadas aos réus não se enquadram na seara da prática de fraudes, ardis ou artifícios, em atos de gestão, administração ou gerência da instituição financeira, com potencial de prejudicar a saúde financeira da instituição.
4. Recurso especial denegado.