Lei estadual não pode impor investimentos em preservação ambiental a concessionárias de energia

Para a maioria do Plenário, a lei estadual interfere de forma indevida no contrato de concessão, que é da competência da União.

É inconstitucional a edição de lei estadual que imponha às concessionárias de geração de energia elétrica o uso de parte de suas receitas para investimentos em preservação de mananciais hídricos. O entendimento foi firmado por maioria de votos pelo Plenário, em sessão virtual, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 827538, com repercussão geral reconhecida (Tema 774).

Prevaleceu o voto divergente do ministro Luiz Fux, no sentido de que a lei estadual interfere de forma indevida no contrato de concessão firmado com a companhia de energia para a exploração e o uso dos cursos de água, o que é de competência da União (artigo 21, inciso XII, alínea ‘b’, da Constituição Federal). Ficaram vencidos o relator, ministro Marco Aurélio, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber e os ministros Edson Fachin e Celso de Mello.

Cemig

O recurso foi apresentado pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) para questionar a constitucionalidade da Lei estadual 12.503/1997, que obrigou as concessionárias de serviços de abastecimento de água e de geração de energia elétrica a investirem parte de sua receita operacional na proteção e na preservação ambiental da bacia hidrográfica em que ocorrer a exploração.

Com base nessa lei mineira, o Ministério Público estadual (MP-MG) ajuizou ação civil pública para que Cemig fosse obrigada a investir, no mínimo, 0,5% do valor total da receita operacional apurada no exercício anterior ao do investimento, desde 1997, em favor da proteção e da preservação ambiental dos mananciais hídricos dos municípios de Uberaba, Água Comprida, Campo Florido​, Delta e Veríssimo.

Na primeira instância, a Justiça acolheu o pedido do MP-MG e condenou a empresa a cumprir a determinação legal, e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), levando a Cemig a recorrer ao STF.

Tese

Para efeitos de repercussão geral, foi fixada a seguinte tese: “A norma estadual que impõe à concessionária de geração de energia elétrica a promoção de investimentos, com recursos identificados como parcela da receita que aufere, voltados à proteção e à preservação de mananciais hídricos é inconstitucional por configurar intervenção indevida do Estado no contrato de concessão da exploração do aproveitamento energético dos cursos de água, atividade de competência da União, conforme art. 21, XII, ‘b’, da Constituição Federal”.

O recurso ficou assim ementado:

DIREITO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO EM REPERCUSSÃO GERAL. EXPLORAÇÃO DO APROVEITAMENTO ENERGÉTICO DOS CURSOS DE ÁGUA. EXIGÊNCIAS ESTABELECIDAS EM LEI ESTADUAL. INTERVENÇÃO NA RELAÇÃO CONTRATUAL FORMADA ENTRE CONCESSIONÁRIO E CONCEDENTE (UNIÃO). IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO À COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL DA UNIÃO (ART. 21, XI, DA CRFB). INAPLICABIIDADE DA COMPETÊNCIA COMUM DO ART. 23 DA CRFB. DESCOMPASSO COM O SISTEMA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE COOPERAÇÃO A QUE SE REFERE O PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 23 DA CONSTITUIÇÃO. 1. A Lei Estadual 12.503/1997 do Estado de Minas Gerais, que cria obrigação para empresas concessionárias de serviços de abastecimento de água e de geração de energia elétrica, públicas ou privadas, a investir o equivalente a, no mínimo, 0,5% (meio por cento) do valor total da receita operacional na proteção e na preservação ambiental da bacia hidrográfica em que ocorrer a exploração, ali apurada no exercício anterior ao do investimento, promove intervenção na relação de concessão estabelecida entre a empresa concessionária e a entidade concedente, no caso, a União. 2. A exigência decorrente do contrato de exploração dos recursos naturais não estabelecida inicialmente pelo ente competente incrementa o custo do contrato administrativo pelo Estado membro, interferindo na relação contratual previamente acertada. 3. Descumprimento do que preconizam os arts. 21, XI e XII, b, e 22, IV, da Constituição. Precedente: ADI 3343, Relator Min. Ayres Britto, Redator p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 1º/9/2011, DJe 22/11/2011. 4. Esta Suprema Corte também já entendeu como intervenção indevida do Estado membro na relação contratual de concessão do serviço de energia elétrica a obrigatoriedade estabelecida em lei estadual de que as concessionárias promovessem a remoção gratuita de postes de sustentação da rede elétrica que estejam causando transtornos ou impedimentos. Acórdão formado nos autos da ADI 4.925, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 12/2/2015. 5. A exigência estabelecida na lei estadual também não se configura como parte de um sistema de controle e preservação ambiental, apta a fazer incidir a competência comum do Estado Membro, nos termos do art. 23 da CRFB. 6. A competência comum apontada como corolário a justificar a legitimidade da exigência do Estado de Minas Gerais, prevista no art. 23 da Constituição, deve estar contida em um sistema federativo maior, tal qual sinaliza o parágrafo único do dispositivo que exige a cooperação entre União e Entes federados. 7. In casu, a regra editada pelo Estado vai de encontro ao sistema já estabelecido. O sistema de proteção ambiental, em especial com a definição de Áreas de Preservação Permanente criadas no entorno do reservatório d’água destinado à geração de energia, já encontra previsão no Código Florestal Lei 12.651/2012. A exigência impugnada nesta demanda destoa, destarte, do sistema já formatado. 8. Mutatis mutandis, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal já cunhou precedente no sentido de que normas municipais, ainda que editadas sob o manto da competência comum, somente mantém-se válidas em face de disposição federal divergente quando congregam elementos a justificarem peculiaridade local, o que não é o caso dos autos. RE 586224, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 5/3/2015, Repercussão Geral Mérito, DJe 8/5/2015 9. Recurso Extraordinário provido, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: A norma estadual que impõe à concessionária de geração de energia elétrica a promoção de investimentos, com recursos identificados como parcela da receita que aufere, voltados à proteção e à preservação de mananciais hídricos, é inconstitucional por configurar intervenção indevida do Estado no contrato de concessão da exploração do aproveitamento energético dos cursos de água, atividade de competência da União, conforme art. 21, XII, b, da Constituição Federal.

Tema

774 – Competência legislativa, se privativa da União ou concorrente, para adoção de política pública dirigida a compelir concessionária de energia elétrica a promover investimentos, com recursos de parcela da receita operacional auferida, voltados à proteção e à preservação ambiental de mananciais hídricos em que ocorrer a exploração.

Tese

A norma estadual que impõe à concessionária de geração de energia elétrica a promoção de investimentos, com recursos identificados como parcela da receita que aufere, voltados à proteção e à preservação de mananciais hídricos é inconstitucional por configurar intervenção indevida do Estado no contrato de concessão da exploração do aproveitamento energético dos cursos de água, atividade de competência da União, conforme art. 21, XII, ‘b’, da Constituição Federal.

STF analisará validade de lei estadual que obriga concessionária a investir em proteção ambiental

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