O juiz federal Rolando Valcir Spanholo, da 21ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, concedeu liminar determinando o cancelamento da patente do fármaco Sofosbuvir concedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Indistrial (INPI) em favor das empresas Gilead Pharmasset LLC e Gilead Science INC. O medicamento é utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento gratuito da Hepatite C, desde 2015.
A decisão foi tomada após a análise de ação popular requerendo a anulação de ato administrativo do INPI que, no último dia 19 de setembro, outorgou, em favor das empresas citadas, a patente do medicamento comercializado sob a denominação Sovaldi. “Faz-se necessário o reconhecimento do interesse público na concessão imediata de licenciamento compulsório capaz de permitir a fabricação do fármaco genérico destinado ao tratamento da Hepatite C, conforme projeto já desenvolvido pela Fundação Pública Oswaldo Cruz e aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)”, diz a ação.
Ainda de acordo com a ação, não consta da concessão da patente pelo INPI a anuência obrigatória da Anvisa; o pedido não atende aos requisitos técnicos da “atividade inventiva”, pois não apresenta qualquer efetiva inovação, conforme restou reconhecido pelo próprio INPI; já havia sido objeto de 126 pedidos, dos quais 125 foram rejeitados; constitui autêntica prática do Evergeening, ou seja, apresentação de pedidos visando o reconhecimento de supostas “invenções Incrementais” apenas para prolongar a vigência do direito de exclusividade sem que haja, de fato, uma inovação.
Por fim, os autores sustentam que a concessão da patente às empresas estrangeiras “inviabilizará o cumprimento da meta assumida pelo Brasil de erradicar a Hepatite C até o ano de 2030”. Além disso, o ato em questão “agravará, em quase R$ 1 bilhão, a realidade dos cofres públicos, eis que, se mantida a referida patente, não será possível produzir e/ou importar qualquer fármacogenérico que contenha as mesas características do Sovaldi, tornando o SUS refém de um único fornecedor”.
Decisão – Ao analisar o caso, o magistrado destacou que a recente decisão do INPI de conceder a patente do fármaco “constitui, no mínimo, comportamento incomum e estranho”. Para ele, tudo indica que os reiterados pedidos poderiam mesmo atender a algum tipo de interesse das empresas beneficiadas. “É pouco crível que fossem mesmo necessários 126 tentativas para, enfim, acertar a forma correta de se apresentar um pedido de patente”, alertou.
O juiz Valcir Spanholo ainda pontuou que cabe ao INPI, na análise dos processos administrativos de concessão de patentes, avaliar se são alcançados o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. “Não basta fazer o exame burocrático dos requisitos da novidade, atividade invertida e aplicação industrial”, advertiu.
Na decisão, o magistrado criticou o parecer emitido pelo INPI. “Não precisa grande esforço para perceber que a parecerista, mesmo instada, simplesmente optou por não enfrentar o argumento de que a concessão da patente não atenderia mais ao interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico de um dos mais emblemáticos programas de saúde pública do país. Note-se que, para se eximir da sua tarefa constitucional, o INPI apenas invocou a suposta falta de competência para enfrentar a tese de que a patente examinada colocaria em risco a saúde pública”, esclareceu.
O magistrado também destacou que o INPI, ao aprovar a concessão da patente em questão, desconsiderou posicionamento contrário do Conselho Nacional de Saúde. “Afinal, para que serve a chamada ‘colaboração com o setor externo mediante consulta pública’ se o INPI simplesmente se recusa a examinar os argumentos técnicos ofertados?”, questionou.
“Por tais razões, o ato administrativo que concedeu a patente do Sofosbuvir merece ter seus efeitos jurídicos liminarmente obstados para determinar que o INPI reabra seu procedimento administrativo e, pelos meios cabíveis, corrija as omissões reconhecidas”, concluiu.
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Processo nº: 1019631-97.2018.4.01.3400