Justiça Estadual não é competente para julgar caso de tráfico transacional de drogas

A 3ª Turma do Tribunal Regional da 1ª Região (TRF1) deu provimento ao recurso do Ministério Público Federal (MPF) e decidiu pelo retorno de um processo que trata de tráfico transnacional de drogas à Justiça Federal de origem, visto que a Justiça Estadual não tem competência para julgar o caso.

O processo teve início no Juízo Federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Barra do Garça, Mato Grosso, que em prisão por tráfico de drogas declinou da sua competência em favor da Justiça Estadual sob o fundamento de que não ficou comprovada a transnacionalidade do delito de tráfico de entorpecentes em um caso de prisão em flagrante.

O ente público recorreu ao TRF1 alegando que as circunstâncias da prisão e as informações a respeito da origem e destino da viagem em que transportava a droga seriam indícios da transnacionalidade do delito. Argumentou, ainda, que a natureza do entorpecente (cocaína), a quantidade (554kg), o local de saída (na cidade de Juara/MT, localizada na linha de fronteira com a Bolívia), o modo de transporte (acondicionamento em meio a carga de milho) e a finalidade de internalização no Brasil de droga produzida exclusivamente em solo estrangeiro são indícios veementes da existência de uma organização criminosa transnacional de tráfico de drogas.

Rotas do tráfico – Em seu voto, o relator, desembargador federal Ney Bello, destacou que o que se extrai dos autos é que a droga foi adquirida em cidade próxima à fronteira, uma das rotas mais utilizadas para internacionalização de drogas oriundas da Bolívia para o Brasil. O município de Juara/MT, conhecido como uma das rotas de ingresso de cocaína no Brasil, está localizado na linha de fronteira com a Bolívia que, “como cediço, figura entre os países que mais produzem o entorpecente no mundo”.

Segundo o magistrado, outro indício veemente da internacionalidade do delito é a grande quantidade de entorpecente apreendida (544 kg de cloridrato de cocaína), que constitui fator relevante para a caracterização da internacionalidade do tráfico, já que o Brasil não é produtor da droga.

Assim finalizou o desembargador: “tenho como evidentes os indícios de internacionalidade, isto é, de que o crime relatado teve início no estrangeiro e prolongou-se em território brasileiro, daí a transnacionalidade do iter criminoso, o que, portanto, implica na competência da Justiça Federal para apreciar o presente feito”.

O recurso ficou assim ementado:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMUNICAÇÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE PELA IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DO CRIME DE TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. DECISÃO QUE DECLINOU DA COMPETÊNCIA PARA A JUSTIÇA ESTADUAL. TRANSNACIONALIDADE DO DELITO. INDÍCIOS CONCRETOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECURSO DO MPF PROVIDO. REMESSA DOS AUTOS À ORIGEM. 1. A Lei 11.343/2006 flexibilizou o conceito de internacionalidade permitindo que, se a natureza, a procedência da substância apreendida e as circunstâncias dos fatos indicarem a ocorrência de tráfico com o exterior, seja reconhecida a transnacionalidade do delito. Para caracterizar o tráfico internacional de entorpecentes e, em consequência, fixar a competência da Justiça Federal, é fundamental a existência de indícios da transnacionalidade da droga, extraídos da análise das circunstâncias dos fatos. Precedentes. 2. Da análise do conjunto probatório e das circunstâncias do fato, considerando especialmente a natureza e evidente procedência estrangeira da substância entorpecente – cocaína –, bem como a região onde a droga, em grande quantidade (544 kg de cocaína), foi apreendida – rota reconhecida de tráfico-, sabendo-se que o Brasil não é produtor de cocaína, induvidoso tratar-se de tráfico internacional de entorpecentes, de modo a atrair a competência da Justiça Federal, nos termos dos art. 109, V, da Constituição Federal, bem como da Súmula 522/STF. 3. Recurso em sentido estrito provido, para declarar a competência da Justiça Federal e determinar o retorno dos autos à origem, para prosseguimento do feito.

O voto do relator pelo envio do processo ao juízo de origem para regular prosseguimento dos trabalhos foi acompanhado pela Turma.

Processo: 1001973-85.2022.4.01.3605

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