Justiça do Trabalho pode executar termo de ajuste de conduta para combater trabalho infantil

TAC foi assinado pelo Município de Anapurus (MA) e pelo MPT

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho declarou que a Justiça do Trabalho pode executar um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) firmado entre o Município de Anapurus (MA) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) voltado para políticas públicas para erradicar o trabalho infantil e regularizar o trabalho adolescente. Segundo o colegiado, compete a Justiça do Trabalho interpretar e aplicar os princípios e regras que envolvem a erradicação do trabalho infantil: normas constitucionais, internacionais e internas.

Divergência entre Turmas

A decisão se deu no exame de embargos do MPT contra decisão da Sexta Turma do TST, que havia entendido que, como não havia nenhum vínculo de natureza trabalhista entre as crianças e adolescentes e o município, a competência da Justiça do Trabalho deveria ser afastada. O recurso foi aceito em razão de uma divergência em sentido contrário da Terceira Turma do TST.

Causa de pedir

A ministra Maria Helena Mallmann, relatora do recurso de embargos, destacou que a presença de empregado, empregador ou tomador de serviços na relação processual não é um requisito indispensável para o reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho. Segundo ela, o critério definidor é a causa de pedir relacionada à execução do trabalho, o que inclui o cumprimento de normas de proteção ao trabalho infantil, como no caso analisado.

A ministra confirmou essa posição em precedentes da própria SDI-1 (órgão responsável pela uniformização da jurisprudência das Turmas do TST) e na Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal (STF), que estabelece a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações relacionadas ao descumprimento de normas trabalhistas de segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

Retorno

Nesse contexto, a relatora deu provimento ao recurso de embargos para declarar a competência da Justiça do Trabalho para a execução do TAC e determinou o retorno dos autos à Vara do Trabalho de Chapadinha (MA) para prosseguimento do feito.

O recurso ficou assim ementado:

RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO ANTERIOR À ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL . In casu , o Regional manifestou-se expressamente sobre os temas ventilados nos embargos de declaração, expondo de forma clara os fundamentos da decisão adotada. O Tribunal de origem, inclusive, deu provimento ao mencionado recurso, a fim de prestar os esclarecimentos cabíveis acerca das matérias impugnadas. Com efeito, o Regional registrou seu entendimento de que a Justiça do Trabalho não teria competência para apreciar a matéria de fundo da presente execução extrajudicial, qual seja, a adoção de políticas públicas pelo Município reclamado, o qual não se tratava de real contratante dos indivíduos tutelados na presente demanda. Nessa senda, constata-se que o acórdão regional atendeu aos comandos dos artigos 832 da CLT,458 do CPC e 93, IX, da CF de 1988, expondo as razões pelas quais manteve a sentença que declarara a incompetência da Justiça do Trabalho. Logo, ainda que o recorrente não se conforme com a decisão, o caso não se aduna à hipótese de negativa de prestação jurisdicional, mas de decisão contrária aos seus interesses – o que não implica, por óbvio, sonegação da tutela jurisdicional. Recurso de revista não conhecido.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADO PERANTE O MPT. POLÍTICAS PÚBLICAS. OBJETO NÃO INSERTO NA COMPETÊNCIA FUNCIONAL DA JUSTIÇA LABORAL. O TAC configura instrumento através do qual o MPT, verificando o descumprimento de direitos metaindividuais de índole trabalhista, pactua, com o agente ofensor , condições e prazos para que sua conduta seja corrigida e adeque-se à lei. Desrespeitados os termos do TAC, pode o MPT executá-lo perante a Justiça do Trabalho, sendo competente aquele juízo o qual possuiria competência para o respectivo processo de conhecimento relativo à matéria, nos termos do art. 877-A da CLT. Em outras palavras, apenas são executáveis aqueles termos de ajuste de conduta cujo objeto se insira na competência material desta Justiça Especializada. No caso, o acórdão transcreveu a integralidade das cláusulas constantes do TAC que ora se visa a executar e registrou que aquelas não se inseriam na competência material da Justiça Laboral, porquanto relacionavam-se a medidas de caráter eminentemente administrativo – tais como “alocação de recursos públicos, ações legislativas, fiscalização”. A análise acurada dos termos do TAC pactuado entre as partes demonstra que o seu objeto não se adunava à relação de trabalho propriamente dita, mas à implementação de políticas públicas para a erradicação do trabalho infantil e regularização do labor adolescente, em relação a trabalhadores que sequer prestavam serviço ao Município – inexistindo, portanto, liame trabalhista, preexistente ou não, entre os tutelados e a parte demandada. Nesse viés, conquanto as medidas delineadas no TAC visem, em última análise, à erradicação do trabalho infantil e regularização do trabalho prestado pelo adolescente, fogem à competência da Justiça do Trabalho, a qual não pode compelir a Administração Pública a tomar providências de caráter eminentemente administrativo, inseridas no rol de suas atribuições constitucionais – mormente quando inexistente qualquer relação laboral entre aquela e os possíveis beneficiados. Entendimento diverso importaria em inevitável afronta ao art. 114 da Constituição Federal. Há precedentes. Recurso de revista não conhecido.

RECURSO DE EMBARGOS. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EXECUÇÃO DE TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA FIRMADO PERANTE O MPT. POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A ERRADICAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL. 1. Hipótese em que se discute a competência da Justiça do Trabalho para executar o termo de ajuste de conduta (TAC) firmado entre o MPT e o Município de Anapurus. 2 . Compromisso que envolve a adoção de medidas para a erradicação do trabalho infantil no âmbito do município. 3 . Estabelece o art. 876 da CLT que é de competência da Justiça do Trabalho a execução dos termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho. O art. 877-A da CLT, por sua vez, vincula a competência para a execução de título extrajudicial ao juízo com competência para o exame da matéria. Isto é, será de competência da Justiça do Trabalho a execução de TAC firmado pelo MPT que envolva a competência material desta especializada. 4 . A Emenda Constitucional 45/2004 ampliou a competência material da Justiça do Trabalho, rompendo com a ideia de vinculação aos sujeitos da relação de emprego, para compreender, numa concepção ampla, o exame das controvérsias relacionadas ao trabalho humano, sejam oriundas ou decorrentes deste (art. 114, I e IX, CF/88). Portanto, é prescindível que se oponham na relação processual empregado e empregador para reconhecer competente a Justiça do Trabalho, se a pretensão resistida tiver como causa de pedir fundamento relacionado à execução do trabalho, no caso, em especial, no cumprimento de normas de proteção ao trabalho infantil. Com efeito, a condição de justiça especializada no exame das controvérsias relacionadas ao trabalho humano confere à Justiça do Trabalho elevado grau de autoridade dogmática, de matriz constitucional, a atribuir legitimidade às suas decisões nas resoluções dos conflitos que lhes são postos. Naturalmente, é a Justiça do Trabalho que está a interpretar e aplicar os princípios e regras que reclamam incidência na erradicação do trabalho infantil: normas constitucionais, internacionais (supralegais) e internas. 5 . No mesmo sentido vem decidindo esta Subseção desde o leading case E-RR-44-64.2013.5.09.0009, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani, DEJT de 18/12/2020. Precedentes desta Subseção . 6 . Aliás, também o Supremo Tribunal Federal tem reafirmado a competência da Justiça do Trabalho para o exame de controvérsias cuja causa de pedir se relacione com a aplicação de normas de proteção ao trabalho ( ratio da Súmula 736 do STF e julgados). Recurso de embargos de que se conhece e a que se dá provimento .

A decisão foi unânime.

Processo: E-RR-90000-47.2009.5.16.0006

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