Ao examinar uma ação na Vara do Trabalho de Teófilo Otoni, o juiz Uilliam Frederic D Lopes Carvalho descartou a existência do vínculo de emprego entre uma empresa e seu sócio fundador. Pelo exame das provas, o magistrado percebeu que o autor da ação havia deixado de ser sócio formal da empresa para se tornar sócio de fato, já que continuou administrando o negócio após se retirar da sociedade, com poderes ilimitados de mando e gestão, além de atuar sem qualquer tipo de subordinação à proprietária formal da empresa, que, por sinal, era irmã dele. Nesse quadro, a sentença declarou a nulidade do acordo firmado entre a empresa e o sócio de fato, no qual constava, além do reconhecimento do vínculo de emprego, o pagamento de indenização de verbas trabalhistas no valor de 650 mil reais.
Entenda o caso – A tese defendida na ação foi a de que uma empresa do ramo de supermercados, teria sido fundada em 1984, contando então com 3 sócios, incluindo o autor da reclamação trabalhista. Em 1998, ele teria se retirado da sociedade e passado a trabalhar como empregado até 2017, de forma ininterrupta, embora tenha tido a CTPS anotada apenas nos anos de 98 a 2004 e 2005 a 2011. Informou ainda que, em março de 2013, firmou acordo com a empresa, em que houve o reconhecimento do vínculo de emprego de forma ininterrupta, com remuneração mensal equivalente a 1% sobre o faturamento bruto da empresa, sendo acertado o pagamento de férias e 13ºs salários, o que levou ao débito trabalhista em aberto no valor de R$ 650.000,00.
Ao se defender, a ré afirmou que o autor era sócio de fato e administrador da empresa. Sustentou a nulidade do acordo, por erro substancial, e que as anotações da CTPS foram realizadas indevidamente pelo próprio autor, já que ele tinha todos os poderes de mando na empresa, inclusive podia fazer anotações em sua própria CTPS.
Sócio de fato – Para o juiz, as provas evidenciaram que o autor era sócio fundador da empresa e que as alterações contratuais formalizadas, com sua retirada do quadro societário, não alteraram suas funções e poderes de mando na empresa.
Em depoimento, o próprio autor reconheceu que, mesmo no período em que era sócio formal da ré, mantinha sua CTPS assinada como empregado de outra empresa do mesmo grupo econômico. Esse fato também foi confirmado por documento do CAGED apresentado ao processo.
Além disso, o autor também reconheceu sua condição de sócio da ré nos anos de 1970 até 1976 e de 1984 a 1998. Revelou ainda que a outra empresa do grupo teve suas atividades encerradas quando a ré foi criada, o que levou o juiz a concluir que os vínculos empregatícios anteriores registrados na CTPS do autor por aquela empresa não correspondiam à realidade. Para o juiz, trata-se de fraude, presumidamente realizada com intuito de obtenção de benefício previdenciário.
Na visão do magistrado, a mesma suspeita paira sobre os contratos anotados pela ré, nos períodos de 1998 a 2004 e 2005 a 2011, já que, embora tenha sido promovida sua retirada formal do quadro societário, suas funções e poderes de mando foram integralmente mantidos e o próprio autor assinava alterações contratuais e férias em sua CTPS.
Acordo nulo – Em ajuste celebrado entre o autor e a ré no ano de 2013, denominado “acordo para pagamento de indenizações trabalhistas”, assinado pela irmã dele, na condição de sócia e proprietária formal da empresa, foi reconhecida a condição de empregado do sócio, com salário correspondente a 1% da venda bruta da empresa (no total mensal de R$ 55.000,00). Reconheceu-se ainda que a empresa devia a ele diferença salarial “obtida em recebimentos de comissões sobre vendas gerais da empregadora”, no período de janeiro/1994 a dezembro/2012, no valor de R$ 650.000,00.
Mas, conforme afirmado pelo próprio autor, ele permaneceu formalmente como sócio da ré até abril/1998, o que, segundo pontuou o juiz, afasta a validade do suposto acordo, tendo em vista que o autor não poderia ter sido sócio e empregado da empresa, ao mesmo tempo, por mais de 4 anos.
Diante dessas circunstâncias, o magistrado concluiu pela nulidade do acordo celebrado entre as partes, por vício de vontade da empresa, o que, para o julgador, ficou ainda mais evidente diante da inclusão, no acordo, de parcelas trabalhistas já prescritas há mais de 14 anos.
Fraude a terceiros – Na visão do julgador, como o autor tinha amplos poderes de gestão sobre a ré, ele é diretamente responsável pelas informações e, principalmente, pelas omissões contábeis da empresa e, mais ainda, quanto às retiradas que fazia para uso pessoal. Conforme ressaltou, além de ilícito fiscal, a prática caracteriza fraude a terceiros, sobretudo à empresa sucessora, DMA Distribuição, também ré na ação, já que o autor pretendia que esta fosse responsabilizada solidariamente pelos pedidos. “Ora, os pedidos da inicial são um suposto passivo trabalhista da 1ª ré, deliberadamente omitido dos registros contábeis da empresa pelo próprio autor, ficando caracterizada a fraude prejudicial a terceiros, visto que, ao assumir o passivo trabalhista, a 2ª ré não teve acesso ao que seria pago ou devido ao autor”, destacou na sentença.
A tentativa de fraude a terceiro se mostrou ainda mais evidente pela declaração do próprio autor de que, embora as obrigações estivessem vencidas há mais de 4 anos, “não recebeu nenhum centavo do que foi ajustado e não cobrou os valores porque a empresa já estava em dificuldade”. Entretanto, bastou que a empresa fosse transferida para que, quatro meses depois, ele ajuizasse a ação trabalhista, com intenção de receber da sucessora supostos créditos da empresa da qual é fundador. Assim, segundo pontuou o magistrado, ainda que fosse reconhecido qualquer direito trabalhista ao autor, as fraudes praticadas levariam ao indeferimento dos pedidos em face da empresa sucessora, adquirente de boa-fé, que não pode ser responsabilizada por passivo trabalhista ocultado ilicitamente pelo próprio autor.
Sucumbência – Diante desse quadro, o julgador reconheceu que o autor era sócio de fato da empresa ré. Os pedidos formulados na ação trabalhista foram rejeitados na sentença, que declarou a nulidade, por vício de vontade, do acordo celebrado entre ele e a empresa ré.
Por ter sido sucumbente nos pedidos, o autor foi condenado a pagar honorários advocatícios sucumbenciais aos procuradores da ré, a forma do artigo 791-A da CLT, acrescido pela Lei 13.467/17. Ele também foi condenado a pagar as custas processuais, no valor de R$ 109.104,00, calculadas sobre o valor de R$ 5.455.200,00, atribuído à causa. O autor recorreu ao TRT-MG, mas o recurso não foi recebido, por ausência do pagamento das custas processuais, tendo havido o trânsito em julgado da sentença.
O recurso ficou assim ementado:
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO DO ESPÓLIO. Intimado o espólio para manifestar interesse na sucessão processual e promover a respectiva habilitação no processo, findo o prazo designado e quedando-se inerte, deve o processo ser extinto, sem resolução de mérito, nos termos do art. 313, §2º, II, c/c art. 485, III, do CPC.
Processo
- PJe: 0012129-98.2017.5.03.0077