Informativo de Jurisprudência 775 – STJ

CORTE ESPECIAL

Processo

 

QO no AgRg na APn 973-RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Rel. para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, por maioria, julgado em 3/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Prerrogativa de foro. Condutas supostamente praticadas na condição de vice-governador. Agente atualmente governador. Crime comum. Competência do STJ.

Destaque

 

Compete ao Superior Tribunal de Justiça, para os fins preconizados pela regra do foro por prerrogativa de função, processar e julgar governador em exercício que deixou o cargo de vice-governador durante o mesmo mandato, quando os fatos imputados digam respeito ao exercício das funções no âmbito do Poder Executivo estadual.

Informações do Inteiro Teor

 

No caso, os fatos imputados foram supostamente cometidos durante o exercício do cargo de vice-governador, relacionados às funções desempenhadas; não houve início da instrução criminal, razão pela qual a competência deveria ser afetada em razão de o agente ter vindo a ocupar outro cargo, qual seja, o de governador, submetido à competência constitucionalmente fixada no Superior Tribunal de Justiça.

 

O feito encontra-se em fase inquisitorial, sendo que, em relação ao atual governador do Estado, há somente uma medida de busca e apreensão deferida, não havendo denúncia oferecida tampouco desdobramento algum desse fato.

 

Com efeito, o julgamento da AP 937 QO no Supremo Tribunal Federal cuidou da hipótese exclusiva de parlamentares federais e em situação específica. Efetivamente, a hipótese na qual a definição da competência diz respeito a fatos supostamente cometidos por vice-governador à época, atualmente governador do Estado, não foi solucionada pelo apontado paradigma que, por via de consequência, não se presta como padrão decisório.

 

Os fatos estão intrinsecamente relacionados ao exercício das funções, não necessariamente de vice-governador, mas como integrante da cúpula do Poder Público estadual.

 

O vice-governador, supostamente, praticou os atos no exercício de suas funções, com inobservância dos deveres funcionais, em troca de supostas vantagens indevidas, caracterizada a relação de causalidade entre o crime imputado e o exercício do cargo.

 

O fato de ter assumido a condição de governador, no mesmo mandato, revela identidade de investidura funcional para os escopos preconizados pela regra do foro por prerrogativa de função, outorgada ratione muneris, não sendo configurada espécie alguma de privilégio em favor do cidadão, mas obséquio às funções exercidas.

 

Dessa forma, cabe ao Superior Tribunal de Justiça a análise do bem jurídico tutelado e a definição da competência na hipótese de declínio, sob pena de ofensa à estrutura hierarquizada da Jurisdição e à própria racionalidade do Sistema de Justiça.

 

Ainda, os fatos configuram, em tese, e, segundo alegado, crimes comuns, não havendo falar-se abstratamente em interesse da União.

SEGUNDA SEÇÃO

Processo

 

AR 6.052-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 8/2/2023, DJe 14/2/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Sucessão testamentária. Testamento público. Formalidades legais. Não observância. Quebra do princípio da unicidade do ato testamentário. Superação. Vontade real da testadora. Aferição no caso concreto. Princípio da vontade soberana do testador. Preponderância. Descumprimento das formalidades legais por ato exclusivo do tabelião. Teoria da aparência. Aplicação. Ausência de violação manifesta à norma jurídica.

Destaque

 

É válido o testamento público que, a despeito da existência de vício formal, reflete a real vontade emanada livre e conscientemente do testador, aferível diante das circunstâncias do caso concreto, e a mácula decorre de conduta atribuível exclusivamente ao notário responsável pela prática do ato.

Informações do Inteiro Teor

 

O art. 1.632 do CC/1916 dispõe que o ato principal do testamento é a manifestação da vontade do testador de dispor de seus bens para depois de sua morte. Já o tabelião atua como instrumento à consecução daquele ato volitivo emanado do testador, limitando-se a redigir o que se lhe dita, sem integrar o negócio jurídico, e conferindo-se ao ato a forma legalmente prevista, a denotar a sua validade.

 

Tanto é assim (o caráter instrumental do tabelião na celebração do testamento público) que o testador poderia optar pela realização de um testamento particular para alcançar o mesmo fim, sem se olvidar da maior segurança que contém no ato realizado pelo notário, no legítimo exercício de atividade delegada do Poder Público.

 

Por sua vez, a análise da regularidade da disposição de última vontade (testamento público) deve considerar o princípio da máxima preservação da vontade do testador (CC/1916, art. 1.666; CC/2002, art. 1.899). A mitigação do rigor formal na jurisprudência desta Corte Superior iniciou-se com o julgamento do REsp n. 302.767/PR, pela Quarta Turma, propugnando a atenuação das formalidades do testamento para fazer valer a vontade do testador, manifestada livre e conscientemente, máxime diante da incompatibilidade fática de oportunizar ao estipulante a renovação ou o saneamento do ato – que só produz efeitos a partir da sua morte -, suprindo as irregularidades formais existentes.

 

No caso, apesar da assinatura do testamento público pela testadora, pelo notário e pelas cinco testemunhas exigidas pela lei vigente à data do ato (CC/1916), houve a quebra desse preceito. O documento fora assinado em momentos diversos pelas partes que deveriam estar presentes conjuntamente ao ato, além de ser incerta a leitura do testamento. Logo, a mácula incidente sobre o testamento decorreu de ato exclusivo do notário, mas não se admite que a quebra dessa confiança implique o aumento excessivo de ônus ou perdas a terceiros, ante a aparente lisura dos seu atos de ofício – principalmente em se tratando de testamento, no qual a eficácia se opera com o falecimento do testador. Sendo, assim, insuscetível de repetição ou de saneamento.

 

Embora não se ignore a existência de vícios formais, reconhece-se a validade dos testamentos, em virtude da prevalência do ato de manifestação de última vontade do testador, sobretudo quando não comprovada a sua incapacidade nem a existência de vício na sua manifestação de vontade.

 

Portanto, é válido o testamento público que, a despeito da existência de vício formal, reflete a real vontade emanada livre e conscientemente do testador, aferível diante das circunstâncias do caso concreto, e a mácula decorre de conduta atribuível exclusivamente ao notário responsável pela prática do ato, como na hipótese, aplicando-se, assim, a teoria da aparência, de sorte a preponderar o princípio da vontade soberana do testador em detrimento da quebra do princípio da unicidade do ato testamentário por inobservância ao regramento disposto no art. 1.632 do CC/1916.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Civil de 1916 (CC/1916), art. 1.632; 1634 e 1.666;

 

Código Civil de 2002 (CC/2002), art. 1.899

TERCEIRA SEÇÃO

Processo

 

HC 769.783-RJ, Rel. Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 10/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Reconhecimento fotográfico e pessoal. Depoimento da vítima. Únicos elementos de prova. Graves contradições e inconsistências aferíveis. Dúvida razoável. In dubio pro reo.

Destaque

 

O reconhecimento de pessoas que obedece às disposições legais não prepondera sobre quaisquer outros meios de prova (confissão, testemunha, perícia, acareação); ao contrário, deve ser valorado como os demais.

 

Informações do Inteiro Teor

 

Desde que respeitadas as exigências legais, o reconhecimento de pessoas pode ser valorado pelo Julgador. Isso não significa admitir que, em todo e qualquer caso, a afirmação do ofendido de que identifica determinada pessoa como o agente do crime seja prova cabal e irrefutável. Do contrário, a função dos órgãos de Estado encarregados da investigação e da acusação (Polícia e Ministério Público) seria relegada a segundo plano. O Magistrado, por sua vez, estaria reduzido à função homologatória da acusação formalizada pelo ofendido.

 

Consoante jurisprudência do STJ, o reconhecimento positivo, que respeite as exigências legais “é válido, sem, todavia, força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica” (HC 712.781/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti).

 

Há diferentes graus de confiabilidade de um reconhecimento. Se decorrido curto lapso temporal entre o crime e o ato e se a descrição do suspeito é precisa, isenta de contradições e de alterações com o passar do tempo – o que não ocorre no caso em tela – a prova, de fato, merece maior prestígio.

 

No entanto, em algumas hipóteses o reconhecimento deve ser valorado com maior cautela, como, por exemplo, nos casos em que já decorrido muito tempo desde a prática do delito, quando há contradições na descrição declarada pela vítima e até mesmo na situação em que esse relato porventura não venha a corresponder às reais características físicas do suspeito apontado.

 

A confirmação, em juízo, do reconhecimento fotográfico extrajudicial, por si só, não torna o ato seguro e isento de erros involuntários, pois “uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto” (STJ, HC 712.781/RJ, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe 22/3/2022).

 

No caso, é incontroverso nos autos que (i) a condenação do paciente encontra-se amparada tão somente no depoimento da vítima e nos reconhecimentos realizados na fase extrajudicial e em juízo; (ii) não foram ouvidas outras testemunhas de acusação; (iii) a res furtiva não foi apreendida em poder do acusado; e (iv) o réu negou a imputação que lhe foi dirigida. Portanto, as graves incongruências no reconhecimento do paciente não podem ser sanadas apenas em razão da quantidade de vezes em que este foi reconhecido em outros feitos.

 

Com efeito, considerando que o decreto condenatório está amparado tão somente nos reconhecimentos formalizados pela vítima e, ainda, as divergências e inconsistências na referida prova, aferíveis de plano, conclui-se que há dúvida razoável a respeito da autoria delitiva, razão pela qual é necessário adotar a regra de julgamento que decorre da máxima in dubio pro reo, tendo em vista que o ônus de provar a imputação recai sobre a acusação.

Processo

 

AgRg no CC 192.274-RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 8/3/2023, DJe 10/3/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Estelionato. Fundo estrangeiro. Exceção à regra de competência fixada pelo CPP. Atos praticados em território nacional. Melhor colheita das provas e da efetivação da defesa dos denunciados. Inexistência de prejuízo a interesses, serviços ou bens da União. Competência da Justiça estadual.

Destaque

 

Compete ao juízo estadual processar e julgar crime de estelionato contra fundo estrangeiro no qual os atos desenvolvidos foram praticados em território nacional, ainda que diverso o domicílio de sócio lesado.

Informações do Inteiro Teor

 

O § 4º do art. 70 do Código de Processo Penal, incluído pela Lei n. 14.155/2021, dispõe que “[n]os crimes previstos no art. 171 do CP, quando praticados mediante depósito, mediante emissão de cheques sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado ou com o pagamento frustrado ou mediante transferência de valores, a competência será definida pelo local do domicílio da vítima, e, em caso de pluralidade de vítimas, a competência firmar-se-á pela prevenção. A regra, porém, não abarca – e nem poderia abarcar – todas as situações relacionadas ao delito de estelionato, razão pela qual são possíveis exceções.

 

No caso, o fundo estrangeiro, vítima dos delitos em investigação, sustenta a necessidade de reforma da decisão para fixar a competência da Justiça Federal, a pretexto de que o bem jurídico tutelado é o Sistema Financeiro Nacional (art. 26 da Lei n. 7.492/1986). Afirma que há sócio lesado residente no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, devendo ser declarada a competência da Justiça Federal da Seção Judiciária daquele estado.

 

Todavia, há apuração de delito de estelionato (e não contra o Sistema Financeiro Nacional) praticados por representantes de empresa, em prejuízo de fundo estrangeiro sediado em Nassau-Bahamas, e representado por diretor residente e domiciliado em Lugano-Suíça.

 

Por sua vez, os atos criminosos foram desenvolvidos na cidade de Barueri-SP (sede da empresa dos supostos estelionatários), o que torna este o Juízo competente – inclusive em prol da melhor colheita das provas e da efetivação da defesa dos denunciados. Ademais, a existência de possíveis vítimas domiciliadas no Rio de Janeiro não é circunstância suficiente para o deslocamento da competência, sobretudo porque a empresa pode possuir sócios em diversas localidades, sendo a empresa a vítima em questão, que efetiva negociações financeiras com os acusados, e não cada um dos sócios individualmente representados.

 

Como também destacou o Juízo federal suscitante, o fato de a vítima se encontrar sediada no exterior, por si só, não é capaz de configurar a competência da Justiça Federal. De igual modo, o simples fato de as atividades desempenhadas pelos réus serem fiscalizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não são suficientes para em razão delas somente atrair a aplicação do art. 109, IV, da Constituição Federal.

 

Desse modo, “com relação à competência para julgamento do delito de estelionato, fixada pelo local de residência da vítima, este critério somente incide na hipótese prevista no art. 70, § 4º, do CPP. Sendo vítima sediada no estrangeiro, e tendo as transferências ocorrido no exterior, não há como aplicá-lo, valendo, pois, a regra do caput do art. 70 do Código Penal, sendo o local de consumação do delito a cidade de Barueri”.

 

Por fim, não obstante o Juízo de Direito da Comarca de Barueri não figurar como suscitante ou suscitado “A jurisprudência tem reconhecido a possibilidade de declaração da competência de um terceiro juízo que não figure no conflito de competência em julgamento, quer na qualidade de suscitante, quer na qualidade de suscitado” (CC 168.575/MS, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Terceira Seção, DJe 14/10/2019).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Penal (CPP), art. 70, § 4º

 

Código Penal (CP), art. 171

 

Lei n. 7.492/1986, art. 26

PRIMEIRA TURMA

Processo

 

AgInt no REsp 1.801.706-SC, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 2/5/2023, DJe 11/5/2023

Ramo do Direito

 

DIREITO TRIBUTÁRIO

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT. Forma de cálculo: dedução sobre o lucro tributável da empresa.

Destaque

 

O benefício fiscal instituído pelo art. 1º da Lei n. 6.321/1976, consubstanciado no desconto em dobro das despesas comprovadamente realizadas com o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, deve se dar sobre o lucro tributável da pessoa jurídica, resultando, assim, no lucro real, sobre o qual deverá recair o adicional do imposto de renda, de modo que as deduções realizadas no momento da apuração do lucro real não interferem na integralidade prevista no § 4º do art. 3º da Lei n. 9.249/1995.

Informações do Inteiro Teor

 

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de que o benefício fiscal instituído pelo art. 1º da Lei n. 6.321/1976, consubstanciado no desconto em dobro das despesas comprovadamente realizadas com o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT, deve se dar sobre o lucro tributável da pessoa jurídica, resultando, assim, no lucro real, sobre o qual deverá recair o adicional do imposto de renda, de modo que as deduções realizadas no momento da apuração do lucro real não interfiram na integralidade prevista no § 4º do art. 3º da Lei n. 9.249/1995.

 

A propósito, confiram-se os recentes julgados:

 

“(…) 2. É firme o posicionamento desta Corte Superior segundo o qual os benefícios instituídos pelas Leis n. 6.297/1975 e 6.321/1976 aplicam-se ao adicional do imposto de renda, devendo, primeiramente, proceder-se à dedução sobre o lucro da empresa, resultando no lucro real, sobre o qual deverá ser calculado o adicional (AgInt no REsp 1.695.806/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 7/8/2018, DJe 14/8/2018). 3. Esta Corte já se pronunciou no sentido de que conquanto esta Corte tenha posicionamento no sentido de que a dedução do dobro das despesas comprovadamente gastas com o Programa de Alimentação do Trabalhador – PAT deve se dar por sobre o lucro tributável (e não por sobre o imposto de renda devido), diferentemente, a limitação da dobra deve obedecer ao limite de 4% (quatro por cento) do imposto de renda devido e não a 4% do lucro tributável. Isto porque tal limite está expresso nos arts. 5º e 6º, I, da Lei n. 9.532/97 (AgInt nos EDcl nos EDcl no REsp 1.926.785/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 21/2/2022, DJe 2/3/2022). (…)” (AgInt no REsp n. 1.968.875/RS, relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 5/12/2022, DJe 9/12/2022).

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 6.321/1976, art. 1º

 

Lei n. 6.297/1975

 

Lei n. 9.249/1995, art. 3º, § 4º

 

Lei n. 9.532/1997, arts. 5º e 6º, I

SEGUNDA TURMA

Processo

 

AgInt no RMS 69.803-CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 9/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Processo Administrativo Disciplinar. Excesso de prazo para conclusão do PAD. Nulidade. Não demonstração.

Destaque

 

A prorrogação do processo administrativo disciplinar, por si, não pode ser reconhecida como causa apta a ensejar nulidade, porque não demonstrado o prejuízo consequente dessa prorrogação.

Informações do Inteiro Teor

 

Quanto à alegação de nulidade da prorrogação indevida do processo administrativo disciplinar consequente do prazo não cumprido por autoridades, a prorrogação do processo administrativo disciplinar, por si, não pode ser reconhecida como causa apta a ensejar nulidade, porque não demonstrado o prejuízo consequente dessa prorrogação. Nos termos da jurisprudência do STJ, não há nulidade no processo administrativo disciplinar a ser declarada quando não acarreta prejuízos.

 

Nesse sentido, os seguintes precedentes do STJ: “[…] IV – Esta Corte pacificou entendimento segundo o qual o excesso de prazo para a conclusão do processo administrativo disciplinar não gera, por si só, a nulidade do feito, desde que não haja prejuízo ao acusado, em observância ao princípio do pas de nulité sans grief. […]” (AgInt nos EDcl no RMS n. 36.312/PE, relatora Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 21/10/2021).

Processo

 

AgInt no RMS 64.215-MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 17/4/2023, DJe 19/4/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO ADMINISTRATIVO

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Serventias extrajudiciais vagas. Oficiais interinos. Nepotismo. Determinação do CNJ. Tribunal de justiça mero executor. Ilegitimidade passiva. Reconhecimento de ofício.

Destaque

 

O Tribunal de Justiça não pode ser considerado autoridade coatora quando mero executor de decisão do Conselho Nacional de Justiça.

Informações do Inteiro Teor

 

No caso dos autos, a impetração é contra ato da Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que, por meio do Aviso n. 4/CGJ/2019, determinou que os oficiais interinos preenchessem uma declaração, com posterior remessa à Direção do Foro da Comarca e à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, informando se as restrições contidas no § 2º do art. 2º do Provimento CNJ n. 77/2018 seriam ou não aplicáveis a eles.

 

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, ao editar o Aviso n. 4/CGJ/2019, assim o fez como mero executor da determinação emanada pelo Conselho Nacional de Justiça.

 

É firme o entendimento do STJ de que o Tribunal de Justiça não pode ser considerado autoridade coatora quando mero executor de decisão do Conselho Nacional de Justiça.

 

Reconhecida, assim, de ofício, a ilegitimidade do Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais para figurar, na origem, como autoridade coatora.

Informações Adicionais

Legislação

 

Aviso n. 4/CGJ/2019

 

Provimento CNJ n. 77/2018

TERCEIRA TURMA

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 27/4/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Contrato de prestação de serviços. Patrocínio de interesses jurídicos e postulação de medidas judiciais e administrativas. Atos privativos de advocacia. Contrato celebrado por sociedade empresária. Nulidade. Sociedade não registrada na OAB. Sócio inscrito na OAB. Impossibilidade de prestar serviços advocatícios em sociedades que não podem ser registradas.

Destaque

 

É nulo o contrato de prestação de serviços que caracterizam atividades privativas de advocacia, celebrado por sociedade empresária, ainda que um dos sócios dessa sociedade seja advogado.

Informações do Inteiro Teor

 

O art. 1º, I e II, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) prevê que são atividades privativas de advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

 

Os atos privativos de advocacia somente podem ser praticados, sob pena de nulidade absoluta, por advogados inscritos na OAB, os quais, podem se reunir em sociedade simples, mas apenas com o devido registro no respectivo Conselho Seccional e, mesmo assim, os referidos atos privativos não podem ser praticados pela sociedade, mas apenas por seus sócios, de forma individual. Inteligência dos arts. 1º, 4º, 15, § 1º, e 16 da Lei n. 8.906/1994.

 

É vedado ao advogado prestar serviços de assessoria e consultoria jurídicas para terceiros, em sociedades que não possam ser registradas na OAB. Inteligência do art. 16 da Lei n. 8.906/1994 c/c o art. 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

 

Assim, se uma sociedade empresária não registrada na OAB celebra contrato de prestação de serviços que caracterizam atividades privativas de advocacia, esse negócio jurídico é nulo, ainda que um dos sócios dessa sociedade seja advogado.

 

Em síntese, atos privativos de advocacia somente podem ser praticados, sob pena de nulidade absoluta, por advogados inscritos na OAB, os quais, podem se reunir em sociedade simples, mas apenas com o devido registro no respectivo Conselho Seccional e, mesmo assim, os referidos atos privativos não podem ser praticados pela sociedade, mas apenas por seus sócios, de forma individual.

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 8.906/1994, arts. 1º, I e II, 4º, 15, § 1º, e 16

Processo

 

REsp 2.060.759-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Ação renovatória. Fase de cumprimento de sentença. Polo passivo. Fiador. Inclusão. Fase de conhecimento. Não participação. Possibilidade. Petição inicial. Requisitos. Prova de que o fiador do contrato ou o que o substituir na renovação aceita os encargos da fiança. Anuência.

Destaque

 

Admite-se a inclusão do fiador no polo passivo da fase de cumprimento de sentença em ação renovatória, caso o locatário não solva integralmente as obrigações pecuniárias oriundas do contrato que foi renovado, ainda que não tenha integrado o polo ativo da relação processual na fase de conhecimento.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em definir se os fiadores de contrato de locação que não participaram da fase de conhecimento na ação renovatória podem ser incluídos no polo passivo do cumprimento de sentença.

 

Como regra, o Código de Processo Civil não admite a modificação do polo passivo com a inclusão, na fase de cumprimento de sentença, daquele que esteve ausente à ação de conhecimento, sem que ocorra a violação dos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

 

No que tange à inclusão do fiador na fase de cumprimento de sentença, o art. 513, § 5º, do CPC/2015 é categórico ao afirmar que “o cumprimento da sentença não poderá ser promovido em face do fiador, do coobrigado ou do corresponsável que não tiver participado da fase de conhecimento”. A norma positiva o entendimento jurisprudencial desta Corte de Justiça, consolidado na Súmula 268/STJ: “O fiador que não integrou a relação processual na ação de despejo não responde pela execução do julgado”.

 

Esse entendimento, todavia, não se aplica às ações renovatórias de locação comercial. Isso porque, além dos requisitos da petição inicial dispostos na legislação processual civil (art. 319 do CPC/15), a Lei do Inquilinato (Lei n. 8.245/1991) prevê documentos específicos que devem instruir a ação renovatória.

 

Para o ajuizamento da ação renovatória é preciso que o autor da ação instrua a inicial com indicação expressa do fiador – seja quem já garantia o contrato que se pretende renovar, seja terceira pessoa que passará a garanti-lo – e com documento que ateste que este aceita todos os encargos da fiança. A declaração atesta a anuência dos fiadores com a renovação do contrato e, justamente por isso, permite que sejam incluídos no cumprimento de sentença, ainda que não tenham participado do processo na fase de conhecimento.

 

Destarte, excepcionalmente, admite-se a inclusão do fiador no polo passivo do cumprimento de sentença, caso o locatário não solva integralmente as obrigações pecuniárias oriundas do contrato que foi renovado – ou, como na espécie, ao pagamento de alugueres decorrentes de ação renovatória.

 

Por fim, destaca-se que, na ação renovatória, o encargo que o fiador assume não é o valor objeto da pretensão inicial, mas o novo aluguel que será arbitrado judicialmente, até mesmo porque “se ao final da ação renovatória uma nova avença será estabelecida entre locador e locatário, é imperioso que a fiança prestada no contrato que se pretende renovar continue a vigorar em relação ao novo pacto estipulado em sentença, afinal, a fiança é contrato que não admite a interpretação extensiva” (REsp 682.822/RS, Sexta Turma, DJe 3/11/2009).

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 8.245/1991, arts. 51 e 71, V e VI

 

Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 506, 513, § 5º, 515, 783 e 786

Processo

 

REsp 2.053.653-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria, julgamento em 16/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Ação coletiva. Execução individual de sentença. Extinção. Transação celebrada entre o legitimado extraordinário e parte executada. Honorários sucumbenciais. Princípio da causalidade. Prevalência. Arbitramento em desfavor da parte executada.

Destaque

 

A extinção do cumprimento provisório de sentença por conta de transação celebrada em ação coletiva entre o próprio devedor e o legitimado extraordinário, em prejuízo do exequente, não afasta o princípio da causalidade em desfavor da parte executada, nem atrai a sucumbência para a parte exequente.

Informações do Inteiro Teor

 

Em regra, a sucumbência de uma das partes é suficiente para indicar quem foi o responsável pela instauração do processo e, por conseguinte, pelos custos incorridos na efetivação do direito, inclusive com honorários advocatícios. Todavia, há situações em que se verifica que a parte que deu causa à instauração do processo não foi aquela que sucumbiu. Assim, o caso atrai a aplicação do princípio da causalidade.

 

O princípio da causalidade não se contrapõe ao princípio da sucumbência. Antes, é este um dos elementos norteadores daquele, pois, de ordinário, o sucumbente é considerado responsável pela instauração do processo e, assim, condenado nas despesas processuais. O princípio da sucumbência, contudo, cede lugar quando, embora vencedora, a parte deu causa à instauração da lide (REsp 303.597/SP).

 

Na hipótese, o cumprimento provisório individual de sentença proferida em ação coletiva foi extinto sem atendimento da pretensão satisfativa. O título executivo judicial que propiciou, de início, a propositura da ação foi substituído, no decorrer do processo, por uma transação, realizada entre a parte executada e o legitimado extraordinário, excluindo-se o direito do exequente, que não participou da negociação e da celebração do acordo. Nesse sentido, a controvérsia consiste em verificar a quem cabe arcar com os honorários advocatícios sucumbenciais: se ao exequente, por força do princípio da sucumbência, ou à parte executada.

 

Dentro dessas balizas, quanto ao encerramento do cumprimento de sentença sem o atendimento da pretensão satisfativa, a mera aplicação do princípio da sucumbência para o arbitramento de honorários advocatícios mostra-se de todo insuficiente.

 

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de, em regra, não considerar o próprio exequente, seja no cumprimento de sentença ou no processo de execução, como sendo aquele que deu causa à instauração do processo, simplesmente pelo fato de não ter obtido, ao final, a satisfação de seu crédito.

 

Considera-se que o não adimplemento da obrigação contida no título é o fato que dá causa ao ajuizamento da medida executória. Assim, o credor dá início ao cumprimento ou promove a execução porque teve seu patrimônio desfalcado – e o faz devido à falta de satisfação da obrigação pelo devedor. A provisoriedade do título que dá embasamento ao cumprimento de sentença faz com que o exequente, em regra, assuma o risco da reforma do título judicial.

 

Embora a atitude do legitimado extraordinário afete a esfera jurídica do exequente, não é possível lhe atribuir a causa do encerramento da ação, e nem é razoável que suporte o risco de que a parte executada e a própria instituição voltada a defender seus interesses acabem por encerrar acordo que fulmine sua pretensão, obrigando-lhe ainda a cobrir os custos da sucumbência.

 

Assim, em resumo: (i) se o cumprimento individual e provisório de sentença extinto foi ajuizado antes da publicação de homologação de acordo coletivo, deve ser aplicado o princípio da causalidade em favor do poupador; e (ii) se o cumprimento individual e provisório de sentença extinto foi ajuizado no dia da homologação de acordo coletivo ou posteriormente a essa data, deve ser aplicado o princípio da sucumbência, arbitrando-se honorários sucumbenciais em favor dos patronos da instituição financeira, pela proposição de execução carente de título executivo judicial, mesmo que provisório.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil (CPC/2015), arts. 85, §§ 1º e 2º, 513, § 1º, e 520, I e II, e § 2º

Processo

 

REsp 2.046.666-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 19/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Reconvenção proposta em litisconsórcio com terceiro. Ampliação subjetiva do processo. Não modificação dos polos da ação principal.

Destaque

 

A reconvenção promovida em litisconsórcio com terceiro não acarreta a inclusão deste no polo passivo da ação principal.

 

Informações do Inteiro Teor

 

A reconvenção tem natureza jurídica de ação e é autônoma em relação à demanda principal (art. 343, § 2º, do CPC/2015). Por meio dela, o réu deixa de ocupar uma posição simplesmente passiva no processo e passa a formular pretensão contra o autor, pleiteando um bem da vida.

 

O CPC/2015 inovou no procedimento relativo à reconvenção ao prever que ela deve ser apresentada na própria contestação e não mais de forma autônoma (art. 343, caput), como ocorria durante a vigência do CPC/1973. Apesar disso, a reconvenção continua sendo uma ação autônoma.

 

Além da ampliação objetiva, a reconvenção também pode ocasionar a ampliação subjetiva, por meio da inclusão de um sujeito que até então não participava do processo (art. 343, §§ 3º e 4º, do CPC/2015). O art. 343, §§ 3º e 4º, do CPC/2015 autoriza que a reconvenção seja proposta contra o autor e um terceiro ou pelo réu em litisconsórcio com terceiro.

 

Nessa hipótese, o juiz deve examinar cada um dos pleitos, vale dizer, o pedido formulado na inicial e o pedido deduzido na reconvenção, de forma autônoma, sem que haja a indevida atribuição de obrigações à parte que não compõe a relação processual.

 

Ante a autonomia e a independência da reconvenção, a ampliação subjetiva do processo promovida pela reconvenção não modifica os polos da ação principal, de modo que as questões debatidas na ação ficam restritas às partes que já integravam os polos ativo e passivo da demanda, não se estendendo ao terceiro, que apenas é parte da demanda reconvencional.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil (CPC), art. 343, §§ 2º, 3º e 4º

QUARTA TURMA

Processo

 

REsp 1.988.894-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 9/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Contrato com cláusula arbitral. Seguro garantia. Sub-rogação da seguradora. Ação regressiva de ressarcimento. Ciência prévia da seguradora. Submissão à jurisdição arbitral.

Destaque

 

A ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral pactuada no contrato objeto de seguro garantia resulta na sua submissão à jurisdição arbitral, pois o risco é objeto da própria apólice securitária e constitui elemento objetivo a ser considerado na avaliação da cobertura do sinistro pela seguradora, nos termos do artigo 757 do Código Civil.

Informações do Inteiro Teor

 

O cerne da controvérsia versa acerca da transmissão automática ou não de cláusula arbitral, prevista em contrato de transporte marítimo, às seguradoras sub-rogadas, em caso de ação regressiva de ressarcimento.

 

A sub-rogação prevista no art. 786 do Código Civil (CC) – que estabelece que, “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano” – possui natureza jurídica de sub-rogação legal, pois independe de previsão contratual, à luz do disposto no art. 346, III, do CC. A quase totalidade dos contratos de seguro de dano repete a referida disposição legal, o que, por si só, não transforma a natureza jurídica da sub-rogação legal em convencional.

 

Com efeito, a sub-rogação legal não implica titularização da posição contratual do segurado pelo segurador, pois, apesar de relacionados, o contrato de seguro e o contrato segurado são independentes, autônomos e, mais, referem-se a obrigações distintas, ainda que equivalentes no montante indenizatório. No contrato objeto de seguro garantia há a obrigação principal inadimplida e demais pactos acessórios decorrentes da avença, no contrato de seguro há tão somente um interesse protegido: o risco de descumprimento do contrato assegurado, que o segurador assume em troca dos prêmios pagos e do poder de buscar o ressarcimento pela apólice indenizada.

 

Deve ser afastada a submissão à cláusula arbitral como efeito direto e automático da sub-rogação legal, haja vista ser possível a existência de sub-rogação convencional ou, ao menos, a consideração da referida cláusula no risco a ser garantido nos casos de seguro garantia, ainda que de forma implícita. A diferenciação proposta mostra-se essencial em razão da necessidade de a submissão de determinado conflito à jurisdição arbitral ser fruto da autonomia das partes, nos termos do art. 3° da Lei n. 9.307/96, bem como da ineficácia de “qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”.

 

Entendimento diverso possibilitaria obrigar a seguradora a se submeter ao compromisso arbitral decorrente de cláusula compromissória celebrada posteriormente à contratação da apólice securitária, não considerada no cálculo do risco predeterminado (arts. 757, caput, 759, 765 e 766 do Código Civil).

 

Por outro lado, notadamente nos casos de seguro garantia não há como se afastar o conhecimento prévio da seguradora da existência de cláusula compromissória no contrato de transporte marítimo de cargas objeto da apólice securitária. Como consequência da sub-rogação legal, há transferência de “todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”, a teor do disposto no art. 349 do CC.

 

Trata-se, portanto, de instituto de natureza mista, material e processual, dado que são transferidas também “as ações que competiriam ao segurado”. Desse modo, tendo sido submetido o contrato previamente à seguradora, a fim de que analisasse os riscos provenientes do contrato garantido, entre os quais foi ou deveria ter sido considerada a cláusula compromissória, inafastável o entendimento de que tal cláusula deve ser considerara como um dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco predeterminado (arts. 757, caput, e 759 do CC).

 

A previsão do art. 786, § 2°, do CC, de que “é ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo”, refere-se aos atos praticados posteriormente à celebração do contrato de seguro e/ou sem o conhecimento da seguradora, justamente em virtude da exigência legal de ciência prévia para se estipular os riscos predeterminados garantidos. Não há como incidir a mencionada regra quando a disposição contratual integra a unidade do risco objeto da própria apólice securitária, dado que elemento objetivo a ser considerado nos cálculos atuariais efetuados pela seguradora e objeto da autonomia das partes.

 

Nessa senda, em razão da presunção de paridade e simetria entre as partes contratantes, bem como à luz do princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual, nos termos dos arts. 421, caput e parágrafo único, e 421-A, aquiescendo a seguradora em garantir o contrato de transporte marítimo internacional, com previsão originária de cláusula compromissória, igualmente não há que se falar em violação à voluntariedade prevista na Lei de Arbitragem.

 

Afastar a sub-rogação na cláusula arbitral, previamente exposta à aprovação da seguradora e de conhecimento de todos, implicaria submeter as partes do contrato de transporte marítimo ao arbítrio da contraparte na livre escolha da jurisdição aplicável à avença, pois dependente única e exclusivamente da seguradora escolhida pelo consignatário da carga.

 

Dessa forma, a despeito de a sub-rogação legal em favor da seguradora não importar transmissão automática de cláusula compromissória, a ciência prévia da seguradora a respeito de sua existência no contrato objeto de seguro garantia resulta na submissão à jurisdição arbitral.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Civil (CC), arts. 346, III, 421, 421-A, 423, 424, 757, 759, 765, 766 e 786, § 2º

 

Lei n. 9.307/96, art. 3°

Processo

 

REsp 2.025.757-SE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 2/5/2023, DJe 5/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Ação monitória. Devedor falecido antes do ajuizamento da demanda. Incapacidade de ser parte. Emenda à inicial. Possibilidade. Espólio ou herdeiros. Inclusão.

Destaque

 

Se o réu falecer antes do ajuizamento da ação, não havendo citação válida, deve ser facultada ao autor a emenda à petição inicial, para incluir no polo passivo o espólio ou os herdeiros, nos termos do art. 329, I, do CPC/2015.

Informações do Inteiro Teor

 

A questão controvertida cinge-se à possibilidade de facultar ao autor o aditamento da inicial para regularização do polo passivo, na circunstância de falecimento do réu anterior à propositura da ação monitória. Inicialmente, é inquestionável que o autor não possuía conhecimento da morte do devedor quando do ajuizamento da ação monitória. Desse modo, não se trata de hipótese de sucessão processual pelos herdeiros (art. 110 do CPC/2015), a qual ocorre apenas quando a parte falece no curso do processo.

 

Por outro lado, o aditamento da inicial deve ser permitido porque a ação judicial foi proposta contra parte incapaz de figurar no polo passivo. De fato, não havendo citação válida do réu, pois previamente falecido à época do ajuizamento da ação, deve ser facultada ao autor a emenda à petição inicial para incluir o espólio ou os herdeiros, nos termos do art. 329, I, do CPC/2015.

 

Nesse mesmo sentido, a Terceira Turma firmou o entendimento de que “o correto enquadramento jurídico da situação em que uma ação judicial é ajuizada em face de réu falecido previamente à propositura da demanda é a de ilegitimidade passiva do de cujus, devendo ser facultado ao autor, diante da ausência de ato citatório válido, emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, dirigindo a sua pretensão ao espólio” (REsp n. 1.559.791/PB, Relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 28/8/2018, DJe 31/8/2018).

Informações Adicionais

Legislação

 

Código de Processo Civil, arts. 110 e 329, I

Processo

 

EDcl no AgInt no AREsp 1.271.076-GO, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/4/2023, DJe 28/4/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Falência. Decretação. Falido. Pratica de atos processuais. Defesa de interesses próprios. Legitimidade.

Destaque

 

Depois da decretação da falência, o devedor falido não se convola em mero expectador no processo falimentar, podendo praticar atos processuais em defesa dos seus interesses próprios.

Informações do Inteiro Teor

 

Após a decretação da falência, o falido perde a possibilidade de dispor de seus bens e administrá-los, que passam a ser geridos pelo síndico da massa falida, conforme dispõe o art. 22, III, “n”, da Lei n. 11.101/2005.

 

Em razão do teor do referido dispositivo legal, foram proferidos precedentes desta Corte Superior com entendimento de que “com a decretação da quebra, há a perda da legitimação ativa e passiva do falido como consequência lógica da impossibilidade de dispor de seus bens e de administrá-los, haja vista que os interesses patrimoniais passam a ser geridos e representados pelo síndico da massa falida” (REsp 1.323.353/RJ, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 9/12/2014, DJe 15/12/2014).

 

No entanto, o Tribunal de origem aplicou o disposto no art. 103 da Lei n. 11.101/2005, que prevê que “o falido, embora não possa mais representar a massa falida, poderá intervir nos processos em defesa de seus próprios interesses, mormente quando se mostram conflitantes com os da massa falida”.

 

Pela mesma razão, pacificou-se nesta Corte Superior o entendimento de que a “massa falida não se confunde com a pessoa do falido, ou seja, o devedor contra quem foi proferida sentença de quebra empresarial. Nesse passo, a nomeação do síndico visa a preservar, sobretudo, a comunhão de interesses dos credores (massa falida subjetiva), mas não os interesses do falido, os quais, no mais das vezes, são conflitantes com os interesses da massa. Assim, depois da decretação da falência, o devedor falido não se convola em mero expectador no processo falimentar, podendo praticar atos processuais em defesa dos seus interesses próprios” (REsp 702.835/PR, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/9/2010, DJe 23/9/2010).

Informações Adicionais

Legislação

 

Lei n. 11.101/2005, art. 22, III, “n”, e 103

QUINTA TURMA

Processo

 

AgRg no REsp 1.998.980-GO, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 8/5/2023, DJe 10/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PENAL

Igualdade de gênero Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Dosimetria da pena. Lesão corporal. Violência doméstica. Incidência da agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal. Violência de gênero. Bis in idem. Não configuração.

Destaque

 

A aplicação da agravante prevista no art. 61, II, “f”, do Código Penal, em condenação pelo delito do art. 129, § 9º, do CP, por si só, não configura bis in idem.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia à incidência da agravante do art. 61, II, “f”, do Código Penal (CP) quando adotado o rito da Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

 

A figura qualificada do crime de lesão corporal prevista no § 9º, ou a causa de aumento, § 10, e a agravante genérica não possuem o mesmo âmbito de incidência, não redundando, pois, em uma dupla punição pelo mesmo fato. A causa de aumento do § 10 do art. 129 do CP pune mais gravemente o agente que pratica a lesão corporal utilizando-se das relações familiares ou domésticas, circunstância que torna a vítima mais vulnerável ao seu agressor e também eleva as chances de impunidade do agente. Nessa hipótese, a vítima pode ser tanto homem quanto mulher, já que a ação não é movida pelo gênero do ofendido. Assim, nesse caso, há maior reprimenda em razão da violência doméstica.

 

De outro lado, a agravante genérica prevista no art. 61, II, “f”, do CP visa punir o agente que pratica crime contra a mulher em razão de seu gênero, cometido ou não no ambiente familiar ou doméstico. Destarte, nessa alínea, prevê-se um agravamento da penalidade em razão da violência de gênero.

 

Ou seja, a aplicação conjunta da agravante e da causa de aumento pune o agressor pela violência doméstica contra a mulher. Tanto não há bis in idem que o legislador inseriu novo parágrafo no art. 129 do CP (§ 13), para punir com maior severidade exatamente a lesão corporal praticada contra a mulher, em razão da condição do sexo feminino, a denotar que o § 9º não abordava essa circunstância específica.

 

Não se olvida, contudo, que é possível cogitar-se a ocorrência de bis in idem em determinadas hipóteses de aplicação conjunta dos dois dispositivos em comento, como, por exemplo, quando se está diante apenas da circunstância de o crime ter sido cometido com prevalecimento das “relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade”.

Informações Adicionais

Legislação

 

Código Penal (CP), arts. 61, II, “f”, e 129, §§ 9º, 10 e 13

 

Lei n. 11.340/2006

Processo

 

AgRg no HC 707.376-SP, Rel. Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Órgão Especial do Tribunal de Justiça. Julgamento de ação penal. Impedimento superveniente de Desembargador que votou a respeito das questões preliminares e analisou o mérito da causa. Falha técnica de conexão com a internet. Empate. Voto do Presidente da Corte. Previsão regimental. Validade.

Destaque

 

Na hipótese de impedimento intercorrente, o exercício de voto para o fim específico de desempatar o julgamento da sessão, previsto no Código de Processo Penal e no Regimento Interno do Tribunal de Justiça, com vigência anterior ao fato processual, não implica a ideia de um juiz convencional e seletivo.

Informações do Inteiro Teor

 

Cinge-se a controvérsia acerca da legalidade do voto de desempate proferido pelo Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, com fulcro no art. 153, II, do Regimento Interno do aludido tribunal, que culminou na condenação do acusado pela prática do crime de corrupção ativa.

 

No caso, proferiu voto em substituição de desembargador que, na primeira sessão realizada, a respeito das questões preliminares e analisou o mérito da causa – relativamente ao corréu – mas, por problemas de conexão com a internet, não participou integralmente da sequência do julgamento.

 

De início, na perspectiva da norma regimental, ao menos três motivos podem ser invocados para concluir que o ato impugnado não ofende os princípios do devido processo legal, legalidade, segurança jurídica e juiz natural: a qualidade de membro do Órgão Especial; a possibilidade de convocação de todos os integrantes para a votação; a composição mínima do colegiado.

 

Consoante o art. 8º do RITJSP, o Presidente é membro nato do Órgão Especial. Logo, na qualidade de elemento indissociável do colegiado, sua ativa participação no julgamento – nas limitadas hipóteses do regimento interno – não pode ser refutada em virtude de um resultado desfavorável ao sentenciado.

 

Quanto à possibilidade de incidência do art. 39, § 2º, do RITJSP, observa-se em seu enunciado que, “havendo empate no Órgão Especial e tendo votado todos os seus integrantes, convocar-se-á o desembargador mais antigo que não o integre, para proferir voto de desempate”.

 

O artigo do regimento interno supracitado, efetivamente, não foi aplicado, porquanto com o voto de todos os seus integrantes – aí incluído o Presidente do Tribunal – não se fez necessário voto de desempate de outro desembargador não integrante do Órgão Especial.

 

Ademais, em que pese a ausência superveniente de um dos desembargadores devido a uma falha técnica de conexão com a internet, o fato de remanescer a sessão de julgamento com 22 membros não viola o art. 11 do RITJSP, porquanto o referido dispositivo regimental expressamente prevê que “o Órgão Especial instalar-se-á com a presença de, no mínimo, treze desembargadores”.

 

Dessa forma, não há falar de flagrante ilegalidade se o Regimento Interno do Tribunal de origem dispõe que, excepcionalmente, o Presidente terá voto para os casos de empate, independentemente da matéria debatida (art. 153, II, do RITJSP). No caso, circunstâncias alheias à vontade dos participantes do ato culminaram na necessidade de executar uma função latente do Presidente do Tribunal Paulista, em prol da celeridade e economia processual, sem ofender o devido processo legal.

 

Fosse outra a ratio da norma, haveria no regimento interno uma ressalva atrelada ao próprio dispositivo regimental atacado, ou de forma autônoma em outro artigo, impedindo que o voto do Presidente da Corte estadual tivesse lugar quando ausente um membro do Órgão Especial, o que não é o caso.

 

Portanto, não se divisa nenhuma irregularidade de ordem na decisão do Órgão Especial de prosseguir o julgamento com fulcro no art. 153, II, do RITJSP, proveniente da competência privativa do Tribunal de Justiça paulista de elaborar seu regimento interno (art. 69, II, “a”, da Constituição do Estado de São Paulo, art. 125, § 1º, da Constituição Federal e art. 609, caput, do Código de Processo Penal).

 

Por fim, ressalte-se que o exercício de voto para o objetivo específico de desempatar o julgamento da sessão, previsto no Código de Processo Penal e no Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, com vigência anterior ao fato processual, não implica a ideia de um juiz convencional e seletivamente designado para concluir o processo.

Informações Adicionais

Legislação

 

Constituição Federal (CF), art. 125, § 1º

 

Código de Processo Penal (CPP), art. 609, e 615, § 1º

 

Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo

SEXTA TURMA

Processo

 

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 18/4/2023, DJe 3/5/2023.

Ramo do Direito

 

DIREITO INTERNACIONAL, DIREITO PROCESSUAL PENAL

Paz, Justiça e Instituições Eficazes

Tema

 

Sigilo do inquérito policial. Elementos de prova já documentados no inquérito policial. Acesso ao advogado e aos familiares das vítimas. Direito assegurado. Distinção entre direito dos familiares da vítima de acesso ao inquérito policial e assistente de acusação. Prerrogativa de membro da defensoria pública. Súmula Vinculante n. 14. Diálogo de fontes. Protocolo de Minnesota. Cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) no caso Favela Nova Brasília. Resolução n. 386/2021 do Conselho Nacional de Justiça.

Destaque

 

É cabível o acesso aos elementos de prova já documentados nos autos de inquérito policial aos familiares das vítimas, por meio de seus advogados ou defensores públicos, em observância aos limites estabelecidos pela Súmula Vinculante n. 14.

Informações do Inteiro Teor

 

A controvérsia consiste em definir se há possibilidade de habilitação de familiares da vítima, por seus representantes legais, como assistentes de acusação no inquérito policial e acesso aos elementos de prova já documentados.

 

O sigilo do inquérito policial tem intrínseca relação com a eficácia da investigação pré-processual, porquanto sua publicização poderia tornar inócua a apuração do fato criminoso. Contudo, a jurisprudência dos Tribunais Superiores caminhou para sedimentar o caráter relativo desse sigilo em relação às diligências findas e já documentadas na investigação.

 

O resultado dessa tendência interpretativa culminou na edição da Súmula Vinculante n. 14, a qual dispõe ser “direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

 

No caso, os familiares de duas vítimas fatais de homicídio pretendem o deferimento do acesso aos elementos de prova já documentados nos autos do inquérito policial que investiga o(s) suposto(s) mandante(s) dos homicídios.

 

Nesse contexto, as leis de regência da advocacia e da Defensoria Pública também garantem ao defensor lato sensu o direito de examinar os autos do inquérito policial e de extrair as cópias que entender pertinente. A escolha hermenêutica dos Ministros do Supremo Tribunal Federal pela palavra “representado”, contida no enunciado sumular, confere amplitude subjetiva para albergar não apenas o investigado, como também outras pessoas interessadas no caso em apuração, em particular a vítima da ação delitiva.

 

Sob outra angulação – complementar, mas também determinante para a análise -, é de se incrementar a observância e o adimplemento, no âmbito do sistema de justiça criminal, de protocolos e tratados internacionais de Direitos Humanos e de sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Como exemplo, cite-se o caso Gomes Lund e outros versus Brasil (Guerrilha do Araguaia), no qual a Corte IDH salientou que “as vítimas de violações de direitos humanos ou seus familiares devem contar com amplas possibilidades de ser ouvidos e atuar nos respectivos processos, tanto à procura do esclarecimento dos fatos e da punição dos responsáveis, como em busca de uma devida reparação” (Sentença de 24 de novembro de 2010, § 139).

 

Quanto ao tema, a Regra n. 35 do Protocolo de Minnesota – documento elaborado pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos destinado à investigação de mortes potencialmente ilícitas – estabelece que: “35. La participación de los miembros de la familia y otros parientes cercanos de la persona fallecida o desaparecida constituye un elemento importante en una investigación eficaz. El Estado debe permitir a todos los parientes cercanos participar de manera efectiva en la investigación, aunque sin poner en peligro su integridad”.

 

Também nesse sentido, por ocasião do julgamento do caso Cosme Genoveva e outros versus Brasil (Favela Nova Brasília), a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que “o Estado deverá adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias para permitir às vítimas de delitos ou a seus familiares participar de maneira formal e efetiva da investigação de delitos conduzida pela polícia ou pelo Ministério Público”.

 

No âmbito desta Corte, com base nessa mesma premissa, as duas Turmas que integram a Terceira Seção já concederam acesso ao inquérito policial a advogados das vítimas, pois deve “ser assegurado à suposta vítima, assim como ao próprio investigado – ambos legitimamente interessados nos rumos dos trabalhos desempenhados pela Polícia Judiciária e que, inclusive, poderão colaborar com as autoridades competentes na elucidação dos fatos investigados – amplo acesso aos elementos de prova já documentados” (RMS 55.790/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14/12/2018).

 

Com vistas a dar cumprimento à decisão da Corte IDH no caso Favela Nova Brasília, o Conselho Nacional de Justiça editou, em 9/4/2021, a Resolução n. 386, com vistas a aprimorar a Resolução n. 253, anteriormente publicada pelo mesmo órgão.

 

Estabelece o art. 2º da mencionada norma que os tribunais deverão instituir Centros Especializados de Atenção às Vítimas, aos quais incumbe, entre outras atribuições, “fornecer informações sobre a tramitação de inquéritos e processos judiciais que tenham por objeto a apuração de crime ou ato infracional, ou a reparação de dano decorrente de sua prática”. A resolução ainda determina que, até a estruturação dos referidos Centros, “os tribunais deverão assegurar a prestação dos serviços previstos neste artigo por meio de outros canais de atendimento ao cidadão que já estejam em funcionamento, a exemplo das ouvidorias, dos plantões especializados e dos serviços de assistência multidisciplinar”.

 

Na hipótese sub judice, os familiares das duas vítimas pretendem o deferimento do acesso aos elementos de prova já documentados nos autos do inquérito policial que investiga o(s) mandante(s) dos homicídios. Ressalta-se que as recorrentes não pretendem a habilitação como assistentes de acusação no inquérito policial, tampouco buscam interferir nessa investigação; o objeto deste recurso cinge-se ao acesso aos elementos de prova já documentados no inquérito policial.

 

Trata-se de observação sutil, mas relevante, porquanto os poderes legalmente previstos para o assistente de acusação são distintos do direito ora pleiteado. Ademais, como bem observado pelo Tribunal a quo, “na fase de investigação, não há habilitação de assistente, é o entendimento majoritário da doutrina”. Exemplificativamente: “Não é possível a intervenção do assistente de acusação durante o inquérito policial. Somente durante a ação penal é que terá cabimento a intervenção do assistente, desde o início da ação penal (CPP, art. 268) até o trânsito em julgado da condenação (CPP, art. 269)”.

Informações Adicionais

Legislação

 

Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), caso Gomes Lund e outros vs. Brasil (Guerrilha do Araguaia), Sentença de 24 de novembro de 2010, § 139

 

Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), caso Cosme Genoveva e outros vs. Brasil (Favela Nova Brasília), Sentença de 16 de fevereiro de 2017, § 19

 

Protocolo de Minnesota, Regra n. 35

Súmulas

 

Súmula Vinculante n. 14

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